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Mais conservador, padre brasileiro troca Che Guevara por colarinho clerical

Cláudio Francisco de Oliveira, 48, tornou-se padre há 19 anos e atua na zona leste de São Paulo - Arquivo Pessoal
Cláudio Francisco de Oliveira, 48, tornou-se padre há 19 anos e atua na zona leste de São Paulo Imagem: Arquivo Pessoal

Gilberto Nascimento

Colaboração para o UOL, em São Paulo

09/10/2021 07h00

Cláudio Francisco de Oliveira, 48, tornou-se padre há 19 anos. Filho de lavradores, nasceu em Paraná City, no norte do estado. Trabalhou na roça desde pequeno, em lavouras de soja, milho e trigo, e cuidou de animais, como vacas e porcos.

Desde criança queria ser padre. Era um admirador das missões de religiosos, como os franciscanos. Entrou para o seminário aos 13 anos, incentivado pela Renovação Carismática Católica, uma espécie de versão católica do pentecostalismo protestante, que difunde os dons sobrenaturais do Espírito Santo —a cura, o milagre e a aptidão para falar línguas estranhas.

Pároco da igreja Divino Espírito Santo, na Cohab 1, em Artur Alvim, zona leste paulistana, Oliveira diz não ter votado em Jair Bolsonaro (sem partido) nem no petista Fernando Haddad na última eleição presidencial, em 2018, porque nenhum dos dois lhe agradava. Se absteve no primeiro e no segundo turnos. Para governador de São Paulo, deu o seu voto a João Doria (PSDB).

Oliveira afirma não ser de esquerda nem de direita. Se considera um moderado. "Eu estava desiludido. Minha visão política estava muito machucada. Para mim, o problema não é um político ou outro, mas o sistema político brasileiro que está indo para um caminho equivocado. Qualquer um que entrar na política será contaminado", diz. Para ele, PT e PSDB também "estão envolvidos em brigas internas e em muita confusão".

O padre da periferia de São Paulo se vê representado na imagem do novo sacerdote católico brasileiro descrito na pesquisa "O novo rosto do clero - Perfil dos padres novos no Brasil", que acaba de ser lançada em livro pela Editora Vozes.

Coordenado pelo padre Agenor Brighenti, professor de teologia da PUC-PR e doutor em Ciências Teológicas pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, o estudo é acompanhado de análises de vários pesquisadores e estudiosos de religião do país.

Longe da Teologia da Libertação

A pesquisa mostra como os novos padres brasileiros se afastaram dos rumos do Concílio Vaticano II —os debates e conferências realizadas entre 1962 e 1965, com o objetivo de modernizar o catolicismo—, e da chamada "tradição libertadora" da Igreja na América Latina. Essa linha de ação é representada pela Teologia da Libertação, a corrente progressista católica que prega "a opção preferencial pelos pobres".

Padres, leigos, seminaristas e religiosas de três dioceses de cada uma das cinco regiões do País responderam a um questionário, escolhendo três entre dez alternativas apresentadas.

Os padres dos anos 1970 e 1980 usavam barba, cabelos compridos, sandálias de couro e camisetas com estampas de Che Guevara, enquanto os de hoje exibem cabelos curtos, colarinho clerical, cruz na lapela, um rosário no bolso para rezar a qualquer momento e vivem cercados de imagens de santos, como descreveu o norte-americano Kenneth Serbin, professor de História da Universidade de San Diego e pesquisador de religião no Brasil.

Esse retrato reflete a realidade, diz Claudio Oliveira. Mas ele afirma discordar de atitudes radicais tanto de colegas da Teologia da Libertação quanto da Renovação Carismática. Hoje professor universitário —é diretor da Faculdade Paulo VI em Mogi das Cruzes e do Instituto de Teologia São Miguel—, ressalta não ser mais ligado umbilicalmente ao movimento carismático.

"O que estiver dentro do equilíbrio, da doutrina e da comunhão da igreja, com o papa Francisco e a CNBB, nós apoiamos. Temos grupos carismáticos muito bons e equilibrados. E grupos da Teologia da Libertação, bons e maravilhosos. Mas também há desequilíbrio e radicalização na igreja", diz o padre.

"Alguns do movimento de libertação são radicais. Se eu me radicalizar na Teologia da Libertação, caio no marxismo. Se radicalizar no movimento carismático, caio no pentecostalismo. E o padre não deve se identificar com grupos específicos, mas estar aberto a todos".

Claudio Oliveira vê uma diferença "de épocas" entre os padres dos anos 1970 e 1980, que saíam às ruas em manifestações de apoio a movimentos sociais e partidos de esquerda, e os de hoje, identificados com movimentos mais alinhados à oração e à disciplina hierárquica.

"Temos uma explicação para isso: a igreja tem seus momentos. Tivemos as conferências latino-americanas de Medellín, em 1968, e de Puebla, em 1979. Houve uma geração de padres formada nesse espírito de Medellín e Puebla. E os padres de 20 anos para cá são de um outro momento da igreja, que são as conferências de Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007). Os dos anos 70 estavam dentro daqueles ideais libertários, e os de agora ressaltam que precisamos ser missionários", explica.

Segundo Claudio Oliveira, "já não há mais aquela intuição política exclusivamente social, que tínhamos 30 anos atrás. A característica da Igreja do século 21 é mais evangélica". Naquele momento, para ele, houve "muito envolvimento político e pouca espiritualidade da igreja".

Perspectiva institucional/carismática

Em sua pesquisa, o professor Agenor Brighenti aponta a mudança no perfil dos padres e vê nessa guinada da Igreja o resgate de um projeto de nova cristandade. Segundo ele, os padres novos, estão alinhados hoje a uma perspectiva institucional/carismática.

"Ao responderem a uma pergunta sobre o que está piorando no mundo de hoje, por exemplo, vemos os padres novos preocupados com o aumento do individualismo, a crise de sentido, o distanciamento da religião e o crescimento do relativismo. Ou seja, com questões mais internas da igreja. As questões sociais ficam distantes ou ausentes", afirma.

É notória a perda de sensibilidade social por parte dos católicos no Brasil, especialmente os padres novos".

Pesquisador Agenor Brighenti

O pontificado do papa Francisco segue hoje numa outra linha hoje —até oposta. Mas, para Brighenti, "o inverno ainda não passou". Na avaliação de estudiosos, levará uns bons anos ainda para que as ideias de Francisco e a sua proposta de Igreja venha a ter predominância. Francisco, afinal, enfrenta resistências de segmentos conservadores do catolicismo.

A gestão de Francisco é vista como "uma esperança renovada", para Brighenti, "mas não necessariamente para essa perspectiva sociopastoral da Igreja institucional/carismática, bem como para os padres novos, a qual eles estão vinculados".

padre Claudio - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
"Já não há mais aquela intuição política exclusivamente social, que tínhamos 30 anos atrás", diz padre Claudio Oliveira
Imagem: Duda Gulman/UOL

Respostas ao questionário

Questionados sobre como a sociedade vê hoje a Igreja, dentre as alternativas, os padres novos avaliam que o catolicismo está "se metendo em questões que não lhe compete", ao tratar de temas políticos, indígenas e ecológicos (8,3%). Também defendem o celibato obrigatório para os padres (7,5%), quando deveria ser opcional, diz Brighenti. Os padres considerados "progressistas", da outra vertente, não citam estas alternativas.

Sobre os ideais do Concílio Vaticano II estarem "avançando, estancado ou retrocedendo", os padres novos enxergam avanços, enquanto os da "libertação" vêm pouco progresso ou retrocessos.

A Teologia da Libertação obteve uma avaliação positiva por parte dos padres das décadas 1970 e 1980, enquanto os da ala "institucional/carismática" a avaliaram negativamente.

Entre os padres desse segmento, em primeiro lugar, 22,4% avaliaram que a Teologia da Libertação "precisa corrigir desvios", embora "útil e necessária", e 13,4% consideraram que ela "politiza a fé, colocando o pobre como fundamento e não Jesus Cristo".

Para os padres alinhados à "evangelização/libertação, por outro lado, essa teologia explicita "a dimensão sócio transformadora do Evangelho (49,5%).

Os novos sacerdotes de hoje rejeitam as Cebs (comunidades eclesiais de base), identificadas com um modelo de Igreja oriundo do Vaticano II e com a chamada "tradição libertadora". Para eles (25,4%), entre as ações que já "não respondem mais" e não dariam resultados na Igreja" está a decisão de privilegiar as comunidades de base em relação aos movimentos mais voltados à espiritualidade.

Para 24,6% dos "padres novos" está superada a linguagem típica da Teologia da Libertação, com bandeiras como a solidariedade com os pobres, a luta contra a opressão, o compromisso sociopolítico e a organização das comunidades.

Dizer que não tem mais sentido privilegiar as Cebs em relação aos movimentos, na avaliação de Brighenti, significa tomar distância do Concílio Vaticano II e voltar à Igreja da neocristandade, o modelo dos pontificados de João Paulo II e Bento XVI.

"Ambos afirmavam que esses movimentos são a nova primavera da Igreja, quando, na realidade, mergulharam a Igreja em um inverno eclesial de três décadas", diz o pesquisador.

"Esses movimentos são organismos de uma Igreja em postura apologética frente ao mundo moderno, apostando em uma prática intra-eclesial e espiritualista, típica da neocristandade, o modelo de Igreja pré-conciliar que se opõe à inserção dos cristãos no mundo moderno."