Caso Guilherme: 'Difícil saber que quem matou o meu filho foi absolvido'
A absolvição de um sargento da PM-SP (Polícia Militar de São Paulo) da acusação do assassinato de Guilherme Silva Guedes, adolescente negro morto em junho de 2020, causou revolta na família. "É difícil saber que quem matou o meu filho foi absolvido", desabafou a mãe, Joice da Silva Santos, em entrevista ao UOL, ao comentar a decisão do júri do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) de 13 de outubro.
Apenas três dias após a decisão da Justiça, viaturas da PM foram flagradas em vídeo rondando o imóvel onde Guilherme morava em Americanópolis, zona sul de São Paulo. Apesar da sensação de intimidação, a família denunciou o caso à corregedoria da PM. Em nota, a corporação relacionou a ronda a uma denúncia de baile funk, negada por moradores.
Joice, 33, disse que ficou sabendo da presença de policiais militares em ronda perto da sua casa ao receber uma ligação de uma prima, que a aconselhou a não sair do imóvel.
Eles [policiais militares] falaram que estavam aqui por causa de um baile funk. Só que esses bailes acontecem bem longe. Se isso fosse mesmo verdade, por que ficaram fotografando a casa da avó do Guilherme e rondando a minha casa? Só querem nos intimidar. Todo mundo aqui passou a ter medo da polícia depois do que aconteceu com o meu filho
Guilherme foi morto após ser sequestrado
As principais testemunhas do crime, que relataram à polícia terem presenciado o sequestro, não foram ouvidas pelo tribunal do júri. Morto com um tiro na nuca e outro no rosto após ter sido sequestrado, o garoto estava em frente à casa da avó quando foi rendido por dois homens. O corpo dele foi encontrado na divisa de São Paulo com Diadema.
O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) acusa dois policiais militares pelos crimes de homicídio qualificado por motivo torpe e emprego de meio cruel, que impossibilitou a defesa da vítima.
Interrogado em audiência de instrução no processo em janeiro deste ano, o sargento Adriano Fernandes de Campos admitiu que aparece no vídeo armado na cena do crime, mas alegou inocência. O ex-PM Gilberto Eric Rodrigues, suspeito de ter participado de mais de 70 homicídios, ainda não foi julgado.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 79,1% das pessoas mortas por policiais no Brasil são negras.
'Sinto como se ele estivesse aqui', diz mãe
Ao saber da absolvição do sargento Adriano Fernandes de Campos, Joice disse ter sido convencida pela mãe a tomar um calmante após uma crise de choro. Relembrou ainda de ter passado a noite em claro no sofá da sala de casa.
O cômodo é uma espécie de memorial em homenagem ao filho morto. Há cerca de 50 fotografias de Guilherme espalhadas pelas paredes. Uma delas estampa um cartaz com a mensagem "Justiça por Guilherme", levado nos atos em protesto ao assassinato do garoto.
No dia 31 de março deste ano, quando Guilherme completaria 16 anos, Joice encomendou um banner com cerca de 1,50m de altura, que exibe uma montagem com o rosto de Guilherme, a imagem de Jesus Cristo e um pombo branco.
Há ainda fotos da infância, de aniversários e de viagens da família, que ajudam a mãe a contar a história do filho.
Durmo na sala olhando para as fotos do meu filho só para sentir a presença dele. E acordo pensando na maldade que fizeram com ele. Era o filho que muita mãe gostaria de ter. Sinto como se ele estivesse aqui"
As referências também estão estampadas na própria pele de Joice, que tatuou pouco abaixo do ombro esquerdo o nome do filho com a imagem de uma mãe e uma criança no colo dias após o assassinato.
Em seguida, fez outra tatuagem no antebraço direito com asas de um anjo e uma mensagem: "Onde estiver olha por mim porque o meu amor não vai ter fim".
Em meio às fotos exibidas na sala de casa, ela relembra de uma em especial: aquela tirada horas antes da morte do filho, em um churrasco de família. De boné azul, camiseta e calça jeans, Guilherme sorria.
A cena, diz a mãe, era incomum. "Ele evitava sorrir porque tinha um dente quebrado na frente por causa de uma queda de bicicleta. Nesse dia, ele estava feliz", conta, ao lembrar o momento em que viu o filho pela última vez.
A vida antes e depois da tragédia
Mãe solteira, Joice tem outros três filhos, com 14, 9 e 7 anos —Guilherme, que teria 16 anos, era o mais velho e ajudava no sustento da família. Antes da tragédia, Joice fazia marmitas para vender nas redondezas.
Aos sábados, conta, chegava a embalar até 40 quentinhas com feijoada, distribuídas com o auxílio de um motoboy e do próprio Guilherme, que fazia entregas de bicicleta. O filho mais velho de Joice ainda fazia "bicos" com o avô, que trabalha como pedreiro.
Em janeiro deste ano, sete meses após a morte de Guilherme, ela chegou a arranjar um emprego em um restaurante no Jabaquara, na zona sul de São Paulo, por indicação de uma amiga. A experiência durou apenas dez dias, porque Joice chorava em meio ao expediente.
Hoje, busca forças na esperança para que os responsáveis pelo assassinato do filho sejam responsabilizados pelo crime.
Policiais na cena do crime
Uma investigação feita pela família foi decisiva para o caso. Eles localizaram um vídeo que mostra, perto de uma viela onde o Guilherme foi visto pela última vez, os policiais militares que se tornaram réus no processo do assassinato do jovem.
A morte do rapaz causou revolta. Apesar dos apelos da família para que não houvesse violência, moradores realizaram protestos em que houve depredação de ônibus. A PM reprimiu a manifestação com balas de borracha e gás lacrimogêneo.
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