Mãe denuncia estado do corpo de filho morto após pegar raiva via raposa
Após a morte do filho de dois anos pelo vírus da raiva, contraído após uma interação com uma raposa, a mãe da criança denunciou a forma como o corpo foi entregue e como o funeral foi disponibilizado pelo poder público. O enterro foi realizado na quinta-feira (4), no Povoado Santa Rita, zona rural de Chapadinha, no Maranhão. Hoje, ela foi registrar o óbito em cartório. Segundo Sandy Cristina, o corpo teve os órgãos retirados para estudos, apesar de não haver previsão para que isso fosse feito.
De baixa renda e moradora da zona rural do município, a mãe conta que recebeu a promessa de que o filho, Luís Samuel, teria um enterro digno, afinal, a própria Secretaria Municipal de Saúde reconhece e investiga um possível caso de negligência de dois médicos que o atenderam. Ambos já foram afastados.
"Me falaram que eu teria tudo disponível para o enterro. Mas ele chegou aqui em Chapadinha nu, sujo de sangue, e enrolado em um lençol, dentro de um caixão enorme para uma criança de 10 anos. Acabou enterrado praticamente como um indigente", afirmou a mãe, ao UOL.
Procurada pelo reportagem, a Prefeitura de Chapadinha afirmou que esteve sempre ao lado dos familiares prestando apoio, inclusive em São Luís, e que o corpo não chegou a entrar no município.
"Nós daríamos o suporte completo, com lavagem do corpo, roupa, mas fomos impedidos porque houve uma orientação do Hospital de que não deveria haver um contato próximo do corpo. Ainda assim, nós ajudamos e contribuímos com transporte de familiares e até com alimento durante o funeral", afirmou o pastor Douglas, secretário de Assistência Social de Chapadinha.
O mesmo posicionamento da prefeitura foi reforçado por Maria de Moura, representante da funerária Pax, que prestou atendimento à família, por ordem da prefeitura.
"O corpo não passou pela sede de Chapadinha e ficou a 40 km de distância. E sobre o atendimento, foi prestada toda a assistência. Só não fizemos mais porque fomos informados pela assistência social do município de que não poderíamos ter contato com o corpo", disse Maria em entrevista ao UOL.
Corpo aberto sem permissão
Antes do enterro, Sandy também relatou a forma como o corpo foi tratado no SVO (Serviço de Verificação de Óbito), responsável por determinar a causa de óbitos em casos de 'morte natural', sem suspeita de violência, ou para investigação de doenças novas ou raras.
No SVO, que fica em São Luís, a mãe descreve que ela e o marido permitiram apenas a retirada de uma parte do cérebro, que seria feito de forma pouco invasiva.
"Fui informada que só iriam inserir uma agulha pra tirar uma parte do cérebro, para estudos, já que ele morreu de raiva. Mas, quando chegamos lá [no SVO], disseram que abririam a cabeça do menino. Eu falei que não. Mas lá eles pegaram meu filho e levaram para uma sala. Passaram horas e depois me entregaram um caixão para crianças de 10 anos e colocaram ele dentro, enrolado em um lençol do hospital mesmo", diz ela.
Quando o corpo foi entregue, a mãe também foi alertada para não abrir o caixão de forma alguma, o que foi contestado.
"Meu filho não está com uma doença maligna. Se fosse maligna, não teriam deixado eu ficar perto do corpo. Quando ele morreu, colocaram ele no meu colo e disseram pra eu aproveitar meus últimos momentos com ele", conta Sandy.
Ao chegar em Chapadinha, a mãe relata que os familiares insistiram e acabaram abrindo o caixão, já que não viam o rosto da criança há mais de um mês.
"Quando abriram, viram ele cortado dos pés à barriga, até um pouco em cima, e na cabeça. Meu marido já havia dito que não era pra levar os órgãos dele de jeito nenhum", declarou Sandy.
Sobre o protocolo para funerais de pessoas vítimas da raiva, o médico infectologista Fabrício Pessoa, que atendeu Luís Samuel no Hospital Materno Infantil, informou que, atualmente, não existe um protocolo específico nesses casos.
"Na maioria das vezes, nesses casos, ocorre que, pelo tempo que se passa após o óbito, esse vírus [da raiva] já passou e, posteriormente, não há a transmissão. Existe a orientação do cuidado pós-óbito, parecido como é feito com a morte por covid-19, mas não há uma orientação clara do Ministério da Saúde sobre isso", explica.
O UOL entrou em contato com o governo do Maranhão para uma explicação sobre os cortes feitos no corpo de Luís Samuel, que a família diz não ter autorizado.
Em nota, a SES (Secretaria de Estado da Saúde) diz lamentar o falecimento da criança e que não houve doação de órgãos, visto se tratar de morte por doença infectocontagiosa.
"Conforme protocolo de Tratamento da Raiva Humana do Ministério da Saúde e Laboratório Central de Saúde Pública do Maranhão, a mãe da criança recebeu explicações sobre o procedimento padrão necessário para a coleta de amostras e, inclusive, sobre os riscos e a importância de manter o caixão fechado, em razão da doença infectocontagiosa.
Por fim, a SES ressalta que a mãe da criança assinou o Termo de Conhecimento e Autorização dos procedimentos do exame de necropsia, declarando ciência de todas as etapas realizadas pelo Serviço de Verificação de Óbito", finaliza o texto.
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