Incêndio mais mortal do país faz 60 anos; historiador lembra como 'escapou'
Há 60 anos, no dia 17 de dezembro de 1961, a cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, foi palco do maior incêndio já registrado no Brasil. O fogo, que consumiu as instalações do Gran Circo Norte-americano, deixou 503 mortos, entre eles, 300 crianças. Lembranças que ainda habitam a memória do professor de história Cézar Teixeira Honorato, que se livrou por pouco de estar entre os presentes naquele dia.
Autoproclamado o maior da América Latina, o circo, de propriedade de Danilo Stevanovich, anunciava uma novidade naquele fim semana: uma lona de náilon, com cerca de seis toneladas. Cerca de 3 mil pessoas estavam presentes na plateia quando o incêndio começou, 20 minutos antes do fim do espetáculo.
Conforme noticiou o jornal Tribuna da Imprensa, à época, por volta das 15h45, trapezistas se preparavam para o auge da apresentação, o salto tríplice. Uma delas relatou à publicação que o fogo começou na arquibancada, do lado esquerdo do túnel de saída. Os espectadores, estarrecidos, não sabiam. Mas a nova "lona de náilon", na verdade, não passava de um tecido de algodão embebido em parafina, que começou a derreter e cair sobre crianças, adultos e idosos. Centenas morreram na hora, por conta dos ferimentos.
Muitos conseguiram fugir por um buraco na lona, aberto pela elefanta Samba, uma das atrações do circo. Outros, com menos sorte, acabaram morrendo ou tendo ossos quebrados durante a fuga do animal, que os pisoteou. Dezenas de corpos carbonizados se amontoaram na porta principal e outras dezenas ficaram espalhados pelas cadeiras e sob a estrutura das arquibancadas.
"Era um domingo de verão e o circo estava lotado no final da tarde. Era o sonho de todas as crianças, inclusive para mim e meu irmão, que acabamos não indo", contou ao UOL o professor titular em história econômica e social do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense, Cézar Teixeira Honorato.
Ele que poderia estar entre as vítimas — traumatizadas ou que perderam a vida — porque a família estava programada para ir àquela matinê. Por pouco. Com o dia muito quente, o pai decidiu evitar o horário vespertino, preferindo uma sessão seguinte, à noite, para a qual se adiantou e chegou a adquirir ingressos.
"Estava muito calor e eu tinha 6 anos e meu irmão, 10. Meu pai resolveu que iríamos na sessão seguinte, às 19h. Só que quando nos preparávamos, vindo da casa dos meus avós, para irmos ao circo, vimos o incêndio", lembra o historiador.
Pegamos o bonde na casa dos meus avós e ele passou perto do circo e vimos, muito assustados, o fogo. Depois, como morávamos no morro de São Lourenço, que tinha vista para a área do circo, vimos a tragédia. Claro que até hoje, estou marcado. Uma das coisas é que nunca mais fui a circo algum.
Cézar Teixeira Honorato, historiador e professor
Incêndio motivado por vingança
Dois dias antes da tragédia, Adílson Marcelino Alves, mais conhecido por Dequinha, rondava a área do circo e acabou entrando para a história.
Ele era um dos 50 trabalhadores que o empresário dono do circo havia contratado para realizar a montagem da estrutura. Porém, ao descobrirem que ele tinha a ficha suja por furto e "aparentava problemas mentais", acabou demitido. Em 16 de dezembro, ele acabou agredido por Maciel Felizardo, funcionário do circo, a quem ele acusava de ser o responsável por sua demissão. Pouco antes da tragédia, foi visto tentando entrar no local sem pagar. Os detalhes foram contados à época pelo Correio da Manhã e as autoridades trataram o assunto como incêndio criminoso, motivado por vingança.
"Até hoje paira uma dúvida se Dequinha teria sido o verdadeiro autor. Independentemente disso, a cobertura era de material inflamável e não existiam extintores, rota de saída, nada do que hoje se exige", explica Honorato.
Para a Justiça, no entanto, não houve dúvidas. Adílson Marcelino confessou o crime e acabou condenado junto a dois homens que teriam ajudado a espalhar gasolina no local. Junto a ele, Valter Rosa dos Santos, o Bigode, e José dos Santos, o Pardal, foram condenados — os dois primeiros a 16 anos de prisão e o último, a 14. Dequinha conseguiu fugir da penitenciária sete anos depois de preso e foi encontrado morto com 13 tiros em Niterói. Bigode e Pardal cumpriram pena e 'sumiram' após ganhar liberdade. A história do trio é contada no livro "O Espetáculo Mais Triste da Terra - O incêndio do Gran Circo Norte-Americano", de Mauro Ventura.
Segundo Honorato, desde então a população de Niterói ficou com trauma de circos. "Isso ficou atestado quando, alguns anos atrás, um circo instalou-se na cidade, mas foi um fracasso", diz o professor que lamenta o fato de que, na sua opinião, apesar da comoção nacional a respeito da tragédia, não foram realizadas grandes mudanças legislativas para melhorar a segurança das atividades de entretenimento no País. "Basta lembrarmos o triste episódio da Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul", afirmou.
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