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Capitólio: Após queda, rocha se esfacelou na água; entenda o processo

Tombamento de bloco rochoso em Capitólio (MG) deixou dez mortos - Reprodução/Arte UOL
Tombamento de bloco rochoso em Capitólio (MG) deixou dez mortos Imagem: Reprodução/Arte UOL

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

22/01/2022 04h00Atualizada em 18/02/2022 17h24

A rocha que caiu de um paredão no Lago de Furnas e matou dez pessoas em Capitólio (MG) no início deste mês foi fragmentada em dezenas de pedaços ao atingir a água. Embora o esfacelamento do bloco de pedra soe estranho a leigos, é um processo natural e esperado, dizem geólogos —por isso, é necessário que haja fiscalização e monitoramento dos riscos em áreas turísticas com características semelhantes.

O incidente foi em 8 de janeiro —há duas semanas. Quatro lanchas foram atingidas, direta ou indiretamente. As dez vítimas estavam na mesma embarcação, chamada "Jesus".

Conforme os bombeiros relataram, a rocha se estraçalhou ao atingir a água. Somente a base ficou um pouco mais preservada, sendo possível visualizar parte dela durante os mergulhos para encontrar vítimas e objetos que passam por perícia durante as investigações.

Do meio até a ponta da rocha, houve um esfacelamento, e fragmentos de tamanhos variados —a maioria medindo não mais que um metro de comprimento— foram arremessados pela área.

Ao UOL, especialistas explicaram por que a formação rochosa dos cânions contribui para a fragmentação —e como isso pode ajudar a explicar o tombamento da rocha. A Polícia Civil segue investigando o caso, mas ainda não chegou a uma conclusão.

Rochas dos cânions são fragmentadas e os desprendimentos, naturais

Os paredões dos cânions na região do Lago de Furnas são formados por rochas metamórficas do tipo quartzito. Ela é comum em regiões de rios, como no São Francisco, em algumas praias e em diversas serras do Brasil, como a da Chapada da Diamantina, na Bahia.

As rochas são resultado de milhares de anos de compressão de areia. A formação, no entanto, inclui fendas e fragmentações, estimuladas por fatores naturais —como impacto da água do rio, do mar e da chuva entre eles.

"São formações de milhares e milhares de anos que, por derivarem da compressão de arenitos —areias— formam estes compostos sólidos, duros, mas muito fragmentados e sujeitos ao rompimento. As quedas de rochas, maiores ou menores, são muito comuns, é parte do processo natural", afirma o geólogo Rúbson P. Maia, da UFC (Universidade Federal do Ceará).

Maia pesquisa as falésias nas praias, com formação semelhante à dos cânions, e diz que é exatamente esta característica de fragmentação que pode explicar o fenômeno ocorrido em Capitólio.

Salienta-se que se trata de terreno portador de um complexo e ramificado sistema de rios e cavidades subterrâneas, cujas dimensões variam de alguns centímetros a quilômetros. Tais cavidades são sujeitas a desmoronamentos que provocam afundamentos bruscos na superfície."
Documento "Geodiversidade do Brasil", do CPRM (Serviço Geológico do Brasil)

O processo pode ser acelerado ainda mais pelas chuvas que atingiram a região durante 15 dias seguidos. A Defesa Civil emitiu alerta no dia do incidente, apontando risco de cabeça d'água na região. Segundo o geólogo Luis Fernando Barros, do Departamento de Geografia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), não é surpresa que aconteçam —só não se sabe quando.

"O que assusta é o tamanho do bloco, o que não quer dizer que não pode se desprender. O quartzito é muito fraturado. Quando passa por pressão ao longo dos milhares de anos, vai se quebrando. Naquele caso, há imagens de que existia uma grande fissura que poderia ser vista delimitando aquele bloco, que poderia acontecer o desprendimento do bloco, como aconteceu", avalia Barros.

Esquema interpretativo do desmoronamento em Capitólio, feito pelo geólogo Rúbson Maia, do Departamento de Geografia da UFC - Rúbson P. Maia - Rúbson P. Maia
Esquema interpretativo do desmoronamento em Capitólio, feito pelo geólogo Rúbson Maia, do Departamento de Geografia da UFC
Imagem: Rúbson P. Maia

Características explicam esfacelamento

Quem vê o vídeo da tragédia, com um bloco único tombando, não imagina que, após o impacto com a água, ele se esfacelaria em dezenas de pedaços. A própria perícia da Polícia Civil imaginava, em um primeiro momento, que seria possível analisar a rocha inteira submersa para registrar suas fissuras.

Mas, de acordo com os especialistas, o esfacelamento já era esperado. Maia faz analogia com um salgado folheado para explicar por que alguns blocos podem se desprender com mais facilidade do que outros.

"Se você tentar cortar o salgado no meio, terá mais resistência, mas se abrir camada por camada, consegue com as pontas dos dedos. Os fragmentos dessas rochas também são assim. O rompimento nas fissuras é muito mais fácil e, logo, natural que aconteça, ainda mais se estimulado por outros fatores, como o impacto ou a água", explicou o pesquisador.

Barros diz que, embora o bloco tenha se desprendido de maneira uniforme, a rocha já era formada, na verdade, por diversos pequenos fragmentos rochosos, que, na queda, se separaram, como narraram os bombeiros.

É mais comum que as rochas se desprendam em pequenos blocos. Nesse caso, pode-se imaginar que, naquele imenso bloco, já havia elementos menores pré-definidos, que foram lançados."
Luis Fernando Barros, geólogo da UFMG

Tombamentos são naturais, mas causa segue em averiguação

Apesar de não verem surpresa no fenômeno ocorrido, os geólogos dizem que só uma análise pericial no local —o que nenhum dos dois fez— poderia estabelecer conclusões mais definitivas sobre a causa do desprendimento e se houve ou não interferência humana.

A Polícia Civil de Minas Gerais não descartou essa hipótese. Acima do local de onde a rocha caiu, houve a construção de uma área de lazer com mirante e tirolesa no ano passado.

Na semana passada, o delegado Marcos Pimenta, de Passos (MG), responsável pelo caso, afirmou que um drone está sendo usado na análise da região e ainda não há conclusões.

Dado tipo da construção e a forma como a rocha caiu, Maia diz ser mais provável que tenha sido um processo natural, mas aponta que é preciso verificar se não houve, de fato, uso de técnicas como bate-estaca ou explosões na área, como diz a empresa.

"O tempo da natureza é diferente do tempo do homem. Então, se cai uma rocha dessa a cada 50, 100 anos, para nós pode parecer muito ou incomum, mas a natureza faz em milhares de anos. Se tivesse ocorrido de madrugada e não causado mortes, como infelizmente causou, ninguém teria notado", avalia o pesquisador.

Barros também diz não especular sobre um terreno que não analisou, mas aponta que vários elementos podem ajudar na aceleração do desprendimento rochoso, como a passagem intensa de veículos a poucos metros dali.

"O que pode ser o gatilho são pequenas coisas. O tráfego de veículos pesados pode ser mais prejudicial [que qualquer construção]. É muito comum, em locais de ambientes sensíveis, que o tráfego chegue a transformar. Mas é muito complicado pegar uma única causa", afirma o pesquisador.

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