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Capitólio: após acidente, cidade fica entre luto e debandada de turistas

Turistas em Capitólio (MG) após o acidente que matou dez pessoas - Lucas Borges Teixeira/UOL
Turistas em Capitólio (MG) após o acidente que matou dez pessoas Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, enviado especial a Capitólio (MG)

15/01/2022 04h00

Uma semana depois do desmoronamento da rocha que matou dez pessoas nos cânions no dia 8, Capitólio (MG), a 280 km de Belo Horizonte, se equilibra entre o luto pelas vítimas e a preocupação com os impactos no turismo, principal fonte de renda da região.

Na cidade e nas vizinhas São José da Barra e São João Batista do Glória, pousadas relatam cancelamentos após o acidente —em alguns casos, de 100% dos quartos. O tempo chuvoso também atrapalha. A prefeitura não passou números oficiais.

As imagens do desmoronamento circularam o país e tornou-se o principal assunto da cidade, que tomou para si o luto dos mortos. "Foi muito impactante. Assim que começou a circular [a imagem do desmoronamento pelo WhatsApp], todo mundo ficou assustado, [os turistas] começaram a voltar. Ninguém estava entendendo direito o que estava acontecendo", conta a dona de casa Francisca Santos, 52, moradora da cidade.

Na última quinta (13), um grupo de barqueiros e moradores deu uma volta pelo lago de Furnas para prestar homenagem às vítimas. Só não foram ao local do acidente porque ele segue interditado pela Marinha do Brasil, que toca a investigação no local.

Em meio ao luto, surgiu uma nova preocupação entre trabalhadores da região: o cancelamento das reservas desde a noite do sábado (8), dia do acidente.

A recepcionista de um dos hotéis da região, que disse não poder passar o nome, conta que, no estabelecimento, cinco quartos foram cancelados no fim de semana e outros três na segunda. Segundo ela, alguns hóspedes justificavam que não havia segurança, outros diziam que não tinham clima para curtir a cidade.

Em uma pousada considerada de luxo (diárias em torno de R$ 700) localizada entre Capitólio e São José da Barra —cidade que também margeia o lago e tem com o turismo uma das principais fontes de renda, atrás apenas da represa de Furnas—, a dona conta que todas as seis reservas para esta semana foram canceladas.

Segundo ela, os hóspedes que estavam, deixaram o local no domingo (9), mas novos não quiseram fazer o check-in.

O aposentado Alberto Teófilo, 71, que nos períodos de alta temporada trabalha como ambulante no mirante da represa de Furnas, a cerca de 10 km do acidente, diz que o movimento está fraco.

"Quase não passa carro. Era para a estrada aqui estar cheia nessa época, mas a chuva também não ajuda", conta Teófilo, que tem vendido mais picolés a funcionários da represa do que água de coco a turistas.

"Dá medo, mas já que estamos, ficamos"

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Vista da praia artificial de Capitólio, em Minas Gerais
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

O casal de namorados José Eduardo, 33, e Luciene Camargo, 29, chegou a Capitólio vindo de Araçoiaba da Serra (SP) na tarde do acidente. Eles dizem que estão receosos, mas, depois de dirigirem por mais de cinco horas e meia, iam tentar aproveitar a viagem. Eles ainda veem a disponibilidade de passeios.

Antes de chegar, a gente já começou a receber os vídeos pelo WhatsApp. Parente perguntando onde a gente estava. Na estrada, tinha muita movimentação de ambulância, bombeiros. É uma sensação estranha, né?"
José Eduardo, turista

O lago de Furnas ficou totalmente interditado até terça (11), quando os bombeiros suspenderam as buscas. Alguns trechos já estão liberados, mas a região dos cânions, onde houve o acidente, segue interditada pela Marinha.

Parte das cachoeiras, outro atrativo da região, também ficou fechada durante a semana por causa das chuvas, sob risco de cabeça d'água (quando uma grande quantidade de água desce de uma vez).

Chuvas também atrapalham

"Choveu 15 dias seguidos, com pancadas fortes. De balde. Parava por uma horinha e voltava. Isso também atrapalha demais. Quem quer fazer passeio de barco na chuva, com vento frio? Aí, com o acidente....", diz a garçonete Eliana Vale, 26.

Ela trabalha em um restaurante na parte central da cidade desde a reabertura do comércio, no ano passado, e diz que este período está semelhante à retomada, quando o número de turistas voltou a crescer, mas seguia baixo.

"Muita mesa vazia. Desde segunda [10, pós-acidente], não sei se é impressão, mas parece que piorou. Acho que as pessoas estão com medo", sugere.

Apesar da diminuição das chuvas, a região de Capitólio deverá alterar entre dias nublados e chuvas leves até o fim de janeiro, de acordo com o ClimaTempo.

Causa está sendo apurada, diz polícia

As causas do desmoronamento ainda não estão claras. No início da semana, a Polícia Civil começou, com a Marinha e o Corpo de Bombeiros, uma investigação para determinar se o caso foi um acidente natural, causado pelas chuvas que assolam o estado, ou teve interferência humana, influenciado pela construção de um mirante na rocha superior.

"O foco agora não é procurar culpados, mas sim respostas. Estamos trabalhando ao lado da ciência. Além do nosso núcleo de peritos, estamos com diversos especialistas e geólogos", afirmou o delegado Marcos Pimenta, de Passos (MG), que comanda a investigação.

Sem definição, os dez mortos não estão computados entre os 25 óbitos causados pelas chuvas no estado desde outubro — só neste ano, foram 19, segundo a Defesa Civil. Ao todo, as tempestades já tiraram mais de 30 mil pessoas de suas casas em Minas Gerais no período chuvoso.

O empresário Renato Gavião, 59, dono de uma cervejaria no centro de Capitólio, diz que este foi um caso inédito e isolado e não devia afugentar turistas.

Eu moro aqui a vida inteira, pesco lá tem 40 anos e nunca vi isso. Meu pai nunca viu isso. Foi um acidente, uma fatalidade muito triste, mas um acidente. As autoridades têm de fazer o trabalho deles de vistoria, mas não podem também ficar nesse sensacionalismo de que tudo pode cair a qualquer momento."

No último domingo, o prefeito de Capitólio, Cristiano Gerardão (PP), declarou que a prefeitura estava encomendando um estudo geológico para avaliar a segurança das rochas ao redor do Lago de Furnas.

O UOL questionou a Prefeitura de Capitólio sobre o impacto do acidente no turismo no local, como pretende lidar com a situação e como amparar os negócios prejudicados, mas não teve retorno. A Secretaria de Desenvolvimento Econômico, responsável pelo turismo, também foi contatada, mas sem resposta.