Capitólio: mergulhadores procuraram vítimas a até 25 m de profundidade
As buscas às vítimas do acidente de Capitólio (MG), após o desprendimento de um paredão nos cânions do Lago de Furnas há dez dias, ficaram a cargo de 12 mergulhadores do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. Foram três dias de trabalho com mergulhos de até 25 metros de profundidade para recuperar os corpos dos dez mortos na tragédia.
"Fomos [para lá] preparados para o pior", afirmou o sargento Flávio Lima. Ele e outros dois colegas do 3º Pelotão de Piumhi foram os primeiros a chegar ao local.
Mas o pior que sargento Flávio imaginava passava longe do que realmente tinha acontecido por volta das 12h daquele sábado (8). O sargento só se deu conta do cenário que enfrentaria ao aportar na marina com sua viatura, a 2 km do local do acidente. Um barqueiro exibiu um vídeo que, àquela altura, já havia se espalhado pelas redes sociais, mostrando a queda da rocha. "Fiquei assustado", afirmou o sargento, "porque nunca tinha visto nada do tipo".
Nessa marina, o bombeiro encontrou algumas vítimas leves, deixadas aos cuidados de uma unidade do Samu. Os feridos mais graves já tinham sido levadas por populares a hospitais da região.
O sargento e sua equipe, então, subiram no barco de um dos guias turísticos do local e rumaram em direção aos cânions. Chinelos, sapatos, coletes salva-vidas e bancos de embarcações boiavam em meio a outras dezenas de objetos pessoais e destroços. Enquanto verificavam se mais alguma estrutura poderia ruir, procuravam por sobreviventes que pudessem ainda estar à espera de socorro.
Não havia mais ninguém vivo.
Avistaram dois corpos sobre a água e alguns segmentos de corpos, recolhidos e levados para um clube náutico a 4 km, onde mais bombeiros e policiais já haviam chegado para instalar o posto de comando da operação.
Logo depois, outros quatro mergulhadores chegaram. Três saíram da cidade de Passos e um de Piumhi, o sargento Wevertton de Andrade, que aproveitava o dia de folga quando soube da ocorrência e se prontificou a ajudar.
Os sete mergulhadores passaram a tarde fazendo buscas, interrompidas perto de escurecer. Localizaram os corpos de sete vítimas.
Ainda no fim da tarde, outros cinco mergulhadores se juntaram ao grupo, entre eles o capitão Márcio Augusto, comandante operacional da 1ª Companhia Independente de Poços de Caldas. Ele estava de férias, mas abortou os planos do fim de semana para assumir os trabalhos nos cânions. No dia seguinte, um domingo, às 5h30, as buscas recomeçaram.
Mergulhadores fazem buscas por corpos de vítimas em Capitólio (MG)
Os mergulhos
No segundo e no terceiro dia de buscas, os 12 mergulhadores foram divididos em seis duplas. Cada uma fazia de 4 a 5 mergulhos por dia, com duração entre 30 e 35 minutos. Eram utilizados cerca de 30 cilindros de mergulho diariamente.
Apesar da chuva intermitente, a visibilidade debaixo d'água era boa e facilitou as buscas, segundo o capitão Augusto. "O fundo daquela área é composto de areia e pedra. O que faz a visibilidade ficar ruim é barro, porque levanta suspensão — o que não era o caso ali. A areia decanta muito rápido", diz.
Segundo o sargento Flávio, havia um raio de visão de cerca de dois metros, o que é considerado favorável. "Como trabalhávamos em dois, o raio se ampliava."
A situação só se alterou ao fim de cada tarde de buscas, quando os mergulhadores observaram o aumento repentino de volume das duas cachoeiras do cânion, provocado pelas chamadas cabeças d'água —fenômeno comum na região e que teria ocorrido, inclusive, horas antes do acidente.
A forte queda de água remexe os sedimentos do fundo, provoca correnteza e traz consigo galhos e troncos, turvando a água. É uma situação que atrapalha o serviço e leva riscos aos mergulhadores.
De acordo com o sargento Andrade, no dia seguinte ao acidente, quando desceu para seu último mergulho do expediente, as cachoeiras estavam com vazão normal. Cerca de 30 minutos depois, ele e seu parceiro de mergulho perceberam tanto a turbidez da água aumentar quanto a correnteza — o que não é comum, por ser um local de água parada. Emergiram rápido. Era efeito de uma cabeça d'água.
Por essa razão, os mergulhos foram suspensos por volta das 16h30, com os bombeiros prosseguindo apenas com buscas superficiais. Até esse horário, porém, os três corpos que ainda estavam desaparecidos já haviam sido encontrados. Assim como os sete corpos retirados no dia anterior, pertenciam aos passageiros da lancha Jesus, a mais atingida no acidente.
As buscas prosseguiram na segunda-feira (10), e a operação foi encerrada na manhã de terça-feira (11).
Passo a passo das buscas
Os mergulhadores atuaram em duas frentes: uma onde a rocha caiu e outra mais afastada, à frente dela. Visto do alto, o local do acidente tem o formato de um coração, compreendendo uma área equivalente a seis ou sete campos de futebol. Considerando que a ponta desse coração é a entrada do cânion, a rocha despencou do lado direito.
Enquanto uma dupla mergulhava desse lado, perto da rocha que ruiu, outra dupla fazia buscas do lado esquerdo, local onde os bombeiros acreditavam que podiam estar vítimas ejetadas do barco Jesus. De fato, corpos foram encontrados nesse trecho, a cerca de 50 metros de distância do local em que a ponta da rocha teria tocado a água, acertando a lancha Jesus.
Segundo os bombeiros, toda essa área foi vasculhada até a sua profundidade máxima, de 25 metros. A rocha havia caído num trecho de profundidade de cerca de 8 metros. Com exceção dos corpos encontrados na superfície pela equipe do sargento Flávio no início das buscas, os demais corpos e segmentos foram localizados entre 3 e 12 metros de profundidade.
"No dia a dia do bombeiro, a gente se depara com vítimas em óbito. Mas mergulhar e localizar partes de corpo é algo muito forte. No calor do momento, é a nossa missão. A gente faz. Mas não é agradável", contou o capitão Márcio Augusto.
As lanchas EDL (que aparece no vídeo do início da matéria) e Porto Capitólio, que afundaram após serem atingidas indiretamente pela queda da rocha, foram encontradas a 7 e a 15 metros de profundidade, respectivamente. Ninguém que estava a bordo destas duas embarcações morreu. No dia do acidente, uma quarta lancha, de cor vermelha, foi atingida indiretamente, mas conseguiu escapar.
Segundo um dos comandantes da operação, major Rodrigo Castro, o trabalho da Marinha de remoção da EDL e da Porto Capitólio começou na sexta-feira (14), com a reflutuação de uma delas, e está sendo acompanhado por alguns dos mergulhadores que atuaram nas buscas e que verificam se há algum pertence das vítimas debaixo delas.
Da lancha Jesus, pouco sobrou. Nem sequer partes do motor os bombeiros conseguiram identificar em meio aos destroços. Uma pequena parte do casco, porém, onde se lê a inscrição Jesus, foi retirada da água. Estava não muito distante da imagem de um Cristo de pouco mais de um metro de altura, cravado na rocha a cerca de 15 metros do nível da água, de braços abertos na direção da queda do paredão.
Ao cair sobre a água represada dos cânions, o paredão de pedra se estraçalhou. Segundo os bombeiros, somente a base ficou um pouco mais preservada, sendo possível visualizar parte dela. Do meio até a ponta, houve um esfacelamento, e fragmentos de tamanhos variados —a maioria medindo não mais que 1 metro de comprimento— foram arremessados pela área.
Familiaridade com a área
Os bombeiros mergulhadores do sudoeste mineiro conhecem bem a região do Lago de Furnas, tanto pelas ocorrências que atendem por lá como pelos treinamentos que realizam em áreas específicas em meio aos 1.440 km² do reservatório, chamado de "mar de Minas".
Em outubro do ano passado, o capitão Augusto coordenou uma capacitação no lago. O trabalho ocorreu em um ponto localizado entre a usina hidrelétrica de Furnas e os cânions, para cerca de cem soldados recém-formados, que receberam aulas técnicas de busca e de mergulho profundo, a até 35 metros.
O Pelotão de Piumhi, que os sargentos Flávio e Andrade integram, realiza parte dos treinos trimestrais de mergulho de sua equipe naquelas águas. O local do acidente, porém, não é usado para esse fim, devido ao movimento de lanchas e turistas.
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