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Após briga judicial, SP paga remédio mais caro do mundo a menino de 7 anos

Cauã Sugawara é a criança mais velha a receber o medicamento Zolgensma no país - Arquivo pessoal
Cauã Sugawara é a criança mais velha a receber o medicamento Zolgensma no país Imagem: Arquivo pessoal

Andressa Rogê

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/01/2022 04h00

Após uma batalha judicial, o menino Cauã Sugawara, 7, recebeu o medicamento Zolgensma, considerado o mais caro do mundo, na quinta-feira (20). Portador de atrofia muscular espinhal (AME), com a dose única do remédio, ele tem esperança de poder brincar sem se cansar, como seus amiguinhos, e ter uma vida mais independente.

A aplicação foi em um hospital de São José dos Campos (SP) e levou duas horas. O remédio foi aplicado na veia, aos poucos, como se fosse um soro. Cauã é a criança mais velha do país a receber a medicação, o que só foi possível depois de uma ação, na Justiça, contra o estado de São Paulo.

Dezenas de crianças com a mesma doença conseguiram na Justiça o custeio do remédio pelo governo federal, mas esta é a primeira vez que o estado é obrigado a pagar o Zolgensma para um paciente.

Quando o dinheiro entrou na conta judicial para pagar o remédio, o Cauã disse que preferia andar do que ser rico."
Renata Sugawara, mãe de Cauã

O caso chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) —o ministro Luiz Fux, presidente da Corte, decidiu que o governo paulista é obrigado a bancar o medicamento para Cauã, mas o estado recorreu e não pagou.

Como o recurso do estado não tem efeito suspensivo da decisão de Fux, o juiz Marco César Vasconcelos e Souza, da Vara da Infância e Juventude de São José dos Campos, então, decidiu bloquear R$ 8.797.500 das contas do estado —valor usado para comprar o remédio.

A decisão abre portas para que outras famílias possam conseguir o mesmo direito em São Paulo e em outros estados.

O Zolgensma é um medicamento novo e foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uso no Brasil há um ano e meio. Como ele ainda não consta no rol de medicamentos do SUS (Sistema Único de Saúde), as famílias precisam entrar na Justiça para consegui-lo.

A doença

A atrofia muscular espinhal é uma doença genética rara que afeta os neurônios controladores dos músculos. Ela é degenerativa, prejudica os movimentos, a respiração e a capacidade de engolir, podendo levar à paralisia completa e até à morte.

Cauã Sugawara e sua mãe, Renata - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cauã Sugawara e sua mãe, Renata
Imagem: Arquivo pessoal

A mãe de Cauã, Renata, descobriu a doença quando o filho tinha 1 ano e três meses, porque ele nunca andou. Cauã só chegou a ficar em pé no andador, mas, com a evolução da doença, até essa habilidade ele perdeu.

A espera pelo medicamento foi angustiante, diz Renata —quanto mais velho, menor o resultado do tratamento. Para ela, nessa semana, começou uma nova fase na vida da família.

"Eu acho que estou mais feliz do que no dia que o Cauã nasceu! Agora ele pode conseguir tomar banho na cadeira sem ajuda, ir ao banheiro sozinho, comer sozinho sem dificuldade...então ele vai ganhar mais força, força pra escrever, fazer as atividades da escola, brincar", conta Renata. "Ele não vai ficar tão cansado."

A AME afeta um a cada 11 mil nascidos vivos. No Brasil, nascem cerca de 250 crianças com a doença por ano. Na maioria dos casos, são bebês que têm uma mutação no gene chamado SMN1, responsável por produzir uma proteína fundamental para os neurônios motores, a SMN.

O Zolgensma é considerado revolucionário porque muda o DNA e repõe parte desse gene SMN1 no doente com apenas uma dose, levando à melhora na qualidade de vida. Os resultados dependem do grau da doença e da idade e, por ser uma medicação recente, ainda não há estudos dos efeitos a longo prazo.

No Brasil, o medicamento foi aprovado para uso em crianças de até dois anos de idade, porém, em alguns países da Europa, a regra de corte é por peso: até 21 kg. A regra da idade ou do peso foi estabelecida porque o remédio usa um vetor viral para levar o pedaço do gene faltante para o paciente. Então, quanto mais jovem, menor a carga de vírus necessária e também é mais baixa a chance de desenvolver algum efeito colateral.

Renata, que é advogada e se especializou em casos de saúde para poder lutar na Justiça pelo filho, reuniu pareceres de médicos de São Paulo, Paraná e Distrito Federal, além de estudos internacionais com evidências de que o Zolgensma pode melhorar os movimentos de crianças dentro deste peso e com mais de dois anos de idade.

Aos 7, Cauã pesa 19,5 quilos, por isso tomou uma dose maior que a dos bebês.

"É emocionante! Na comunidade cientifica, na comunidade médica, ainda temos muito receio nas crianças maiores em receber o medicamento. Agora vamos observar no próximo mês, se não vai ter nenhum efeito colateral, mas é gratificante ver que, por enquanto, está ocorrendo tudo bem e ele vai ter benefícios", diz a médica Adriana Banzatto Ortega, neuropediatra, responsável pelos ambulatórios de doenças neuromusculares no Hospital de Reabilitação do Paraná e no Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba. Ela é especialista na medicação e fez metade das 53 aplicações do Zolgensma do Brasil.

A expectativa é que o ponto alto da melhora de Cauã ocorra em cerca de seis meses. Mas a aplicação já trouxe benefício porque, a partir de agora, ele não precisa mais tomar um outro remédio, o Spinraza, que requer internação no hospital, anestesia e uma injeção direto na medula espinhal a cada quatro meses.

E as outras crianças com AME?

De acordo com Carina Galvão, coordenadora do movimento Zolgensma Para Todos, que reúne informações sobre a AME e luta pela distribuição gratuita do medicamento no país, ao menos 40 crianças aguardam uma resposta da Justiça para ter acesso ao tratamento.

Cauã Sugawara, que nasceu com atrofia muscular espinhal (AME) e foi diagnosticado depois de completar um ano - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cauã Sugawara, que nasceu com atrofia muscular espinhal (AME) e foi diagnosticado depois de completar um ano
Imagem: Arquivo pessoal

Já o processo para que o remédio seja fornecido de graça pelo SUS está parado na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, a CMED, que estabelece limites para o preço dos medicamentos.

De acordo com Carina, a Novartis, farmacêutico dona do remédio, sinalizou que poderia estabelecer um preço em torno de R$ 6 milhões, mas a CMED fixou o preço máximo em R$ 2,8 milhões e o laboratório recorreu.

Enquanto isso, hoje, o estado desembolsa cerca de R$ 8,7 milhões para cada paciente que consegue o medicamento na Justiça —montante bem acima dos valores que poderiam estar sendo praticados, na avaliação de Carina.

"Na Justiça, já pagaram R$ 9 milhões para pelo menos 50 crianças. Se o Ministério da Saúde já tivesse cedido aos R$ 5,5 milhões ou R$ 6,5 milhões, quantas crianças eles não teriam salvado como mesmo valor já pago? É uma conta básica", diz ela.

Outro ponto é que o remédio para AME oferecido hoje no SUS, o Spinraza, também não é barato —custa cerca de R$ 150 mil a dose e requer aplicações a cada quatro meses durante a vida do paciente, o que, a longo prazo, custa bem mais que a dose única do Zolgensma.

Na Câmara dos Deputados, líderes de partidos assinaram um requerimento de urgência para votação de um projeto de lei que inclui o Zolgensma na lista de medicamentos distribuídos pelo SUS. O projeto já conta com a assinatura de 442 deputados —mais que o necessário para ser aprovado—, mas está parado.

Ainda que a inclusão do medicamento no SUS seja uma premissa do Poder Executivo, a aprovação do projeto seria uma forma de pressionar o Ministério da Saúde. "O medicamento está registrado, as vaquinhas conseguem arrecadar dinheiro para duas, três crianças no ano, que possivelmente consigam comprar [o Zolgensma] e o restante vai pela Justiça, que gera um outro custo ao país, onera o Judiciário também", diz Carina.

Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu a solicitação do UOL sobre a negociação no preço do Zolgensma.

A Novartis disse que não comenta rumores sobre processos em andamento, embora afirme que se comprometeu em trazer o menor preço praticado em outros países, para adequar às condições econômicas do Brasil. Além disso, afirmou que espera que o Zolgensma seja acatado pelo conselho da CMED.