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Compra de fuzis no RJ é 'viciada' e deve ser anulada, dizem especialistas

Policiais civis do Rio apontam fuzis durante operação na favela do Jacarezinho, em maio de 2021. Ação terminou com 28 mortos - Ricardo Moraes/Reuters
Policiais civis do Rio apontam fuzis durante operação na favela do Jacarezinho, em maio de 2021. Ação terminou com 28 mortos Imagem: Ricardo Moraes/Reuters

Igor Mello e Eduardo Militão

Do UOL, no Rio

31/01/2022 04h00

Especialistas em segurança pública veem motivos para que a compra de 500 fuzis da multinacional Sig Sauer pela Polícia Civil do Rio seja anulada. Reportagem do UOL mostra que a licitação tem série de indícios de direcionamento e conflito de interesses.

Toda a parte técnica da licitação foi assinada pelo inspetor da Polícia Civil Manoel Hermida Lage. Ele é instrutor do campo de tiro da Sig Sauer e acompanha o representante da empresa no Brasil, Marcelo Costa, em apresentações de armamentos para corporações policiais de outros estados, auxiliando nas vendas.

Três fabricantes pediram a impugnação do edital sob o argumento de que diversas especificações técnicas reduziram ilegalmente a concorrência e direcionaram o certame para a Sig Sauer.

Para a advogada Isabel Figueiredo, ex-diretora da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública) e ex-secretária adjunta de Segurança Pública do Distrito Federal, a licitação deve ser anulada por estar "viciada".

"Duas coisas que chamam atenção. A primeira é a falha nos processos de controle interno da polícia. Internamente não se apurou esse vínculo do policial com a Sig Sauer, que é irregular, e se permitiu que ele assinasse o Termo de Referência. Isso mostra não haver nenhum tipo de mecanismo de compliance. O segundo é o vício da licitação em si, por conta desse vínculo do policial com a vencedora", avalia.

Isabel Figueiredo defende que os órgãos de controle revisem a contratação para apurar a existência de eventuais irregularidades.

"A expectativa é que agora o Ministério Público repasse todo esse processo. O próprio Tribunal de Contas do Estado é responsável por verificar esse tipo de processo", completa.

A Polícia Civil do Rio argumenta que o processo foi auditado pela Procuradoria do estado, pelo TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado) e pela Senasp. "Nenhum dos órgãos encontrou qualquer tipo de irregularidade", afirma, em nota.

Possível dano aos cofres públicos

Um dos maiores especialistas em armamentos do Brasil, Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz, avalia que há bons motivos para que as polícias busquem armas com regulagens de coronha e canos mais curtos, como permitir o uso por policiais de tamanhos distintos e melhorar a mobilidade. Ele ressalta, contudo, que isso não pode restringir a concorrência em uma licitação.

Langeani observa que as escolhas feitas no edital afastaram uma série de gigantes do mercado de armamentos —caso das americanas Colt, Bushmaster e Smith & Wesson.

"O low profile no sistema de gases [mecanismo relativo aos disparos] é algo que restringe a poucos fabricantes. Essa questão, junto com o guarda-mão, que menciona duas patentes específicas, não são razoáveis. A inclusão de cano apenas de 14,5 polegadas também me parece uma restrição excessiva. Esta restrição pode ter beneficiado indevidamente a vencedora e gerado um gasto público maior", critica.

A compra dos fuzis, que custou R$ 3,810 milhões, foi viabilizada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) após a liberação de R$ 3 milhões no Ministério da Justiça no final do ano passado. No mercado de materiais bélicos, é corrente o discurso de que o clã Bolsonaro defende os interesses da Sig Sauer Brasil —são citados sempre os nomes de Flávio e Eduardo Bolsonaro

A Polícia Civil do Rio de Janeiro nega que tenha havido qualquer tipo de favorecimento à Sig Sauer na licitação.

A corporação também saiu em defesa de Manoel Lage. Segundo a Polícia Civil, o trabalho no campo de tiros da fabricante é considerado "uma atividade de docência e autorizada para prática particular fora da atividade policial".

Sobre os recursos das concorrentes, a corporação não respondeu os questionamentos enviados pela reportagem.

O UOL procurou Manoel Lage e Marcelo Costa, mas não obteve retorno.