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Na Bahia, homem prega em frente a terreiro e caso para na delegacia

Com um carro de som em frente ao terreiro, o homem interrompeu uma atividade religiosa e gerou confusão. - Reprodução
Com um carro de som em frente ao terreiro, o homem interrompeu uma atividade religiosa e gerou confusão. Imagem: Reprodução

Alexandre Santos

Colaboração para o UOL, em Salvador (BA)

01/02/2022 04h00

Uma pregação feita por um homem evangélico em frente ao terreiro de candomblé Ilè Alaketú A?sé Omí TOgun, em Vitória da Conquista (BA), gerou indignação e foi parar na delegacia. Além do som alto, que interrompeu as atividades religiosas no local, os candomblecistas disseram que ele tentava "exorcizar" quem chegava ao terreiro. Um boletim de ocorrência por discriminação e intolerância religiosa foi registrado na quinta-feira (27). Uma denúncia também foi feita na Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo do Ministério Público baiano, nesta segunda (31).

Havia cerca de 30 pessoas no Ilè Alaketú, no dia 24 de janeiro, quando o homem chegou ao local dentro de um Fox preto, acompanhado de uma mulher e uma criança. Com o som do carro em alto volume, ele usou o aparelho para proferir palavras como "Jesus salva. Jesus liberta. Jesus transforma".

Ao UOL, Pai Loro, fundador do Ilê Alaketú e líder do terreiro há 19 anos, explicou que estavam no meio da cerimônia religiosa e, ao cessar do toque de um atabaque, um barulho muito alto foi percebido. Depois disso, conta ele, foi preciso interromper as atividades para checar o que acontecia do lado de fora.

"Ele tirou a nossa paz. Todas as pessoas saíram do terreiro. Eu soube que ele exorcizava todo mundo que chegava no terreiro"
Pai Loro, babalorixá do Ilè Alaketú A?sé Omí TOgun

O pai de santo conta que, ao se aproximar do homem, tentou dialogar para que ele saísse do local. "Ele só fazia pregar a palavra, exorcizava e nos agredia verbalmente. Dizia que éramos 'anticristos', do 'demônio' e que habitamos as 'trevas'. Que ele estava ali para purificar", lamenta.

O homem permaneceu durante cerca de uma hora e meia no local, foi filmado por diversas pessoas e questionado sobre saber ou não que sua ação poderia configurar crime de ódio. Segundo Pai Loro, ele teria respondido que estava apenas "pregando o evangelho". As testemunhas do local alegam que o homem era um pastor. O UOL não conseguiu identificá-lo.

Durante a confusão em frente ao terreiro, a Polícia Militar foi acionada, mas não compareceu ao local, segundo o babalorixá. Procurada pelo UOL, a corporação respondeu em nota que havia outras ocorrências em andamento na ocasião e que, assim que o atendimento anterior foi encerrado, a equipe disponível, uma guarnição da 78ª CIPM, se dirigiu ao local indicado. "Ao chegarem, os policiais não encontraram o fato narrado, nem o solicitante", justificou.

O boletim de ocorrência sobre a situação foi registrado na 10ª Coorpin (Coordenadoria Regional de Polícia do Interior) da cidade. Procurada, a Polícia Civil não informou se conseguiu localizar o acusado.

O advogado Guilherme Ribeiro, que representa o terreiro Ilè Alaketú A?sé Omí TOgun, disse ao UOL que buscará enquadrar o autor dos ataques na Lei de Racismo (7716/89), que prevê reclusão de um a três anos e multa a quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional; e no artigo 208 do Código Penal, cuja pena é detenção, de um mês a um ano, ou multa, para quem escarnecer de alguém publicamente por motivo de crença ou função religiosa, bem como impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso.

Ribeiro também pretende ingressar com um pedido de danos morais. "Além do racismo institucional com o qual vivemos, uma vez que os órgãos não acolhem a denúncia, não botam os casos pra andar, o cara está vendo que há um estímulo nacional pra isso e não é punido. É uma propagação de ódio muito grande que o coloca em abstração diante da realidade", afirma o advogado.

Na sexta (28), o Comec (Conselho de Ministros Evangélicos de Vitória da Conquista) se manifestou e emitiu uma nota de repúdio em que afirmou não compactuar com atos de intolerância religiosa.

"A liberdade de escolha individual é um princípio bíblico e constitucional, e assim todos são livres para seguir suas crenças religiosas. Continuaremos levando a palavra de Deus com verdade e amor, respeitando o limite e a decisão do outro", diz o texto, que é assinado pelo pastor George Costa Oliveira.