'Corretivo por roubar': o que testemunhas ouviram dos agressores de Moïse
Um casal de namorados relatou à Polícia Civil do Rio de Janeiro ter testemunhado parte da sessão de espancamento que terminou com a morte do congolês Moïse Kabagambe, 24. Eles contaram que, ao tentar intervir, ouviram de um dos envolvidos no crime: "Nem olha, ele estava roubando aqui, a gente quer dar um corretivo".
A mulher relatou ter pedido ajuda a dois guardas municipais —que não foram checar as agressões. O casal prestou depoimento na Delegacia de Homicídios, na Barra da Tijuca, na última terça-feira (1º). Moïse foi espancado com um taco de beisebol até a morte por três homens —eles estão presos por suspeita de homicídio duplamente qualificado (impossibilidade de defesa e meio cruel).
Não há qualquer registro de que o congolês estivesse praticando roubos na região. A família de Moïse diz que ele foi ao quiosque Tropicália para cobrar R$ 200 em diárias de trabalho devidas.
Ao relatar o que aconteceu na noite de 24 de janeiro, a testemunha, cuja identidade será preservada pela reportagem, contou que saiu da areia para pegar um refrigerante no quiosque Tropicália quando viu Moïse sendo espancado.
Neste momento, diz a testemunha, uma funcionária estava muito nervosa e disse a ela já ter pedido para que os homens parassem de agredir Moïse. Essa funcionária ainda não foi identificada no inquérito policial ao qual o UOL teve acesso.
Ao voltar para areia, onde estavam seu namorado e dois primos, a testemunha então tentou mobilizar dois guardas municipais —não identificados pela testemunha—, que ignoraram o pedido de ajuda.
A GM-Rio (Guarda Municipal) informou não ter recebido notificação em relação ao testemunho relatado e se disse disponível para cooperar com as investigações.
Sozinho, o casal voltou ao quiosque e encontrou Moïse amarrado. As imagens da câmera de segurança registram a mulher no vídeo, de costas, usando short de cor clara.
Em seu depoimento, o namorado dela corroborou a versão. Ele diz que Moïse já estava com a pulsação fraca. Segundo o rapaz, os agressores tentaram fazer manobras respiratórias, mas sem desatar os nós que prendiam as mãos e os pés de Moïse.
Quando o casal pediu para desamarrarem o congolês, os agressores acataram e saíram de perto. O relato afirma que Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, identificado pela polícia como um dos suspeitos, chamou o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência).
Enquanto Moïse recebia atendimento médico, um carro da Polícia Militar chegou ao local. Os agressores foram questionados sobre o que havia acontecido, mas Brendon Alexander Luz da Silva —outro dos agressores identificado pela polícia— afirmou que não sabia.
Ele é o homem que aparece nas imagens dando uma chave de perna em Moïse e que declarou em depoimento estar com "a consciência tranquila".
Ao final do depoimento, a testemunha relata que viu Brendon e outro rapaz, não identificado, saírem do local em um carro de aplicativo.
Os agressores e comerciantes dos quiosques afirmam que o congolês estava agressivo e embriagado. Os suspeitos, que disseram conhecer Moïse, relataram à polícia que agiram após ele tentar pegar uma cerveja em um freezer.
O UOL não localizou a defesa dos três homens detidos pelo crime.
PM apontado como patrão é intimado
Apesar de a Justiça do Rio de Janeiro ter decretado a prisão temporária dos três homens que aparecem no vídeo, o inquérito continua em aberto na Polícia Civil. O principal objetivo agora é apurar a motivação do crime.
Entre os depoimentos previstos, está o do policial militar Alauir Mattos de Faria. Ele é apontado por dois dos agressores do congolês como dono do quiosque Biruta —onde Moïse trabalhava— e da Barraca do Juninho, estabelecimentos vizinhos ao quiosque Tropicália, onde o rapaz foi morto.
Os funcionários não mencionam participação de Alauir no crime ou a presença dele no local.
A irmã de Alauir afirmou ao UOL que o estabelecimento está no nome de um tio idoso. De acordo com Viviane Faria, Alauir aparece pouco no estabelecimento e é ela quem cuida de tudo.
"Meu irmão nunca respondeu por nada, é uma pessoa íntegra, nunca respondeu por nada nem em briga", disse ela. Apesar de os suspeitos apontarem os dois irmãos como donos, a Polícia Civil intimou somente Aluir até a noite de ontem.
Também na terça-feira (1º), a Polícia Civil colheu o depoimento de Carlos Fábio da Silva Muzi, dono do Tropicália. A polícia disse que não há indícios de seu envolvimento no crime e que ele colaborou com as investigações. Muzi afirmou que deixou o local antes do crime.
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