Sem garantia, 526 mil famílias na miséria tentam receber Auxílio Brasil
Há 526 mil famílias brasileiras em extrema pobreza que entraram no cadastro federal à espera de entrada no programa Auxílio Brasil, mas sem garantia de sucesso. Os novos cadastros começaram a ser recebidos em novembro de 2021, quando o substituto do Bolsa Família foi colocado em prática.
Entre novembro e dezembro, o governo recebeu a inscrição de cerca de 1.104.069 milhão de famílias no Cadastro Único. Além de mais de meio milhão em situação de extrema pobreza, há outras 165.199 em situação de pobreza, ambas elegíveis para o Auxílio Brasil. Como o governo não divulga um balanço mensal de quantas famílias saíram do programa e quantas entraram, não é possível saber exatamente o número daquelas já cadastradas, mas ainda à espera do benefício.
Em janeiro, o programa alcançou 17,5 milhões de famílias. Tanto o ingresso e quanto a permanência no programa dependem dos dados do Cadastro Único.
O Ministério da Cidadania informou ao UOL que a inclusão no novo programa depende de algumas condições e não ocorrerá de forma automática e depende de disponibilidade orçamentária. (Leia mais abaixo a resposta da pasta)
Na teoria, famílias extremamente pobres têm prioridade para inclusão no programa e deveriam ser incluídas imediatamente. Já as famílias pobres têm direito se tiverem gestantes, nutrizes ou pessoas com até 21 anos que concluíram a educação básica ou que estejam matriculadas.
Até o ano passado, o valor base era de renda per capita de até R$ 89 para definir extrema pobreza e de R$ 89,01 a R$ 178 para pobreza. Com a sanção do programa pelo presidente Jair Bolsonaro, em 30 de dezembro de 2021, esses valores passaram a ser de até R$ 105 e de R$ 105,01 até R$ 210, respectivamente.
O Cadastro Único é coordenado pelas prefeituras, que lançam os dados das famílias para subsidiar o Ministério da Cidadania —que é quem faz a gestão e organização dos benefícios. Já a Caixa é o banco que executa o pagamento às famílias.
Novas famílias sem certeza de entrada
Com a inclusão de 3 milhões de famílias no programa em janeiro, o governo anunciou que teria zerado a fila de espera. Entretanto, como o governo usou dados de referência de meses anteriores ao Auxílio Brasil, as famílias que conseguiram recentemente entrar no cadastro não têm previsão de quando vão receber o benefício. Durante o Bolsa Família, antes da pandemia, a fila de espera para ingressar no programa chegou a durar 10 meses.
Quando sancionou a lei do Auxilio Brasil, o presidente Jair Bolsonaro vetou o trecho que previa a entrada automática de famílias que preenchessem os critérios de inclusão.
"Isso se deu porque a vinculação de atendimento de todos os elegíveis, de forma automática, altera a natureza da despesa do programa de transferência de renda do governo federal e acarreta, consequentemente, ampliação das despesas sem a devida previsão orçamentária", afirmou a nota do governo justificando o veto.
Com o orçamento aprovado do programa para 2022 de R$ 89,1 bilhões não há brecha para ampliar o número de beneficiários —exceto em caso de abertura de crédito extraordinário.
Ao longo do governo Bolsonaro, o número de famílias em extrema miséria vem crescendo e alcançou, em dezembro de 2021, o maior número da história do Cadastro Único: 15,6 milhões.
Alta após fim de Auxílio Emergencial
Em novembro, o Cadastro Único atingiu um recorde no saldo de novas inscrições, somando mais de 716.580 famílias. O mês coincidiu em ser o primeiro do fim do pagamento do Auxílio Emergencial. Como os cadastros eram diferentes, os dados de quem estava no Auxílio Emergencial não foram usados para incluir as pessoas no Cadastro Único.
Para a economista e professora visitante da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), a busca recorde se deu porque o governo "cortou sem qualquer avaliação, critério ou piedade" todos os beneficiários que estavam inscritos e cadastrados no aplicativo do Auxílio Emergencial.
"Foi um cancelamento de CPF, como gostam de dizer, de mais de 26 milhões de beneficiários", diz Campello, que foi ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome durante o governo Dilma Rousseff.
Eles afirmam que zeraram a fila. É mentira. Eles sequer deram oportunidade para que os milhões de famílias --que foram eliminadas na passagem do Auxílio Emergencial para o Auxílio Brasil-- fizessem a inscrição no Cadastro Único. O certo teria sido abrir um período de transição, em que as famílias que continuam em vulnerabilidade e pobreza pudessem comprovar sua situação".
Tereza Campello, economista
Demanda reprimida
Na prática, o número de famílias no Cadastro Único deve seguir crescendo porque há uma demanda reprimida das que recebiam o Auxílio Emergencial —e que agora buscam os CRAS (Centro de Referência da Assistência Social).
Severino Miquelino Ferreira, 48, mora em Maceió e está desempregado. O ajudante de serviços gerais contou ao UOL que fez o pedido de inclusão no CRAS do Conjunto Selma Bandeira há duas semanas e ainda aguarda o chamado para levar os documentos e entrar no Cadastro Único.
"Eles só pediram o nome completo e o CPF para agendarem. Estou aguardando entrarem em contato por telefone ou WhatsApp", diz.
Ele afirma que chegou a receber Bolsa Família antes da pandemia, quando era casado, mas descobriu após o fim do pagamento Auxílio Emergencial que não tinha mais inscrição válida no Cadastro Único. "Minha ex-esposa deve ter atualizado e falado que não estávamos mais juntos, e o meu NIS [Número de Identificação Social] foi excluído. Procurei então o CRAS, e me informaram que por isso eu não estava no cadastro do auxílio novo", explica.
Busca é por inclusão, diz ministério
Ao UOL, o Ministério da Cidadania informou que "tem adotado as medidas necessárias para alcançar, com o Auxílio Brasil, o maior número de famílias em situação de extrema pobreza e em situação de pobreza". "Nesse sentido, foram incluídas mais de três milhões de novas famílias no programa em janeiro", diz.
Segundo a pasta, com o Auxílio Brasil, o público que aguardava a concessão em 2021 foi contemplado, e o número de beneficiários saltou para 17,5 milhões.
Sobre a habilitação de novas famílias no programa, o ministério diz que a seleção é realizada todos os meses, "de forma automatizada e impessoal, por meio do Sistema de Benefícios ao Cidadão (Sibec)".
"Para que a família seja habilitada ao Auxílio Brasil, além de apresentar perfil para o programa e ter os dados atualizados no Cadastro Único nos últimos 24 meses, é importante que não haja divergência entre as informações declaradas no cadastro e registros presentes em outras bases do Governo Federal", diz.
O ministério explica ainda que a seleção de beneficiários é feita considerando "a estimativa de pobreza, a quantidade de famílias atendidas em cada município e o limite orçamentário anual do programa".
Como mostrou o UOL em novembro, a estimativa de famílias atendidas pelo ministério usa dados antigos, do Censo de 2010, que em muitos casos geram distorções entre cidades que ganharam ou perderam moradores desde então. Os dados, diz a pasta, devem ser atualizados ainda este ano.
"Os critérios de elegibilidade e de priorização, bem como os procedimentos de habilitação, seleção e concessão estão listados na Portaria nº 711/2021", finaliza o ministério.
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