Marido encontra esposa após 4 dias de buscas em Petrópolis: 'Enterro digno'
No quarto dia de buscas com as próprias mãos, Marcelo Costa, 49, encontrou o corpo de sua esposa, Simone Raesk Moura, 49, próximo ao local em que moravam, no alto do Morro da Oficina, em Petrópolis. Com mais de 150 mortos, o temporal ocorrido na terça-feira (15), é o mais letal da história da cidade.
A reportagem do UOL esteve no alto do Morro da Oficina na quarta (16) e testemunhou, naquele momento, a ausência de bombeiros no local. Marcelo, seu irmão Jucimar Costa e membros da família Menezes, que buscavam outras cinco pessoas, eram quem colocava a mão na lama em busca dos familiares.
Outros moradores também relataram casos de procura solitária de parentes por desaparecidos, sem a presença de equipes profissionais de busca. Num deles, o pai de um rapaz de 17 anos, que desapareceu após o ônibus onde estava ser levado pela enchente, foi içado num rio para tentar encontrar o filho.
Apesar do risco e da chuva que voltou a atingir a a cidade a partir da quinta-feira (17), Marcelo continuou as buscas por conta própria no alto do morro, onde mais de 80 casas foram destruídas pelo temporal. Reportagem do UOL mostrou que, desde 2017, a prefeitura sabia que 729 imóveis da área estavam sob ameaça em caso de chuvas.
Uma sobrinha de Simone, criada como filha de consideração, chegou ao local chorando e gritando. "Simone, eu tô aqui, eu vim te buscar", e assim passaram os dias: com apreensão e esperança.
Ao ser questionado, ainda na quarta, sobre a ausência no Morro da Oficina, o Corpo de Bombeiros afirmou que estava empenhado nas buscas em toda a cidade. Mas a quinta também foi solitária para os familiares. Apenas dois dias depois, na noite de sexta-feira (18), os primeiros militares foram ao local, por volta das 16h.
Na manhã de ontem (19), cães farejadores chegaram à área onde o casal vivia. Antes do meio-dia, um dos cães encontrou o corpo de Simone soterrado a aproximadamente 50 centímetros da superfície. Marcelo criticou governo e prefeitura pela demora em enviar profissionais ao alto do Morro da Oficina.
"Não precisava ter demorado tanto. Basta o governo pensar e trabalhar um pouco, pensar um pouco na população, que as coisas dão certo", disse.
Anteontem, o comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Leandro Monteiro, defendeu o trabalho que vem sendo feito pela corporação e disse que a corporação tem que trabalhar de forma segura e preservar a vida dos moradores e dos agentes. Segundo ele, a quantidade de militares é a ideal e, se houver necessidade, haverá pedido de auxílio. O governado Cláudio Castro (PL) também afirmou que o efetivo é adequado.
Espera para a despedida
De acordo com relatos de voluntários, a posição em que Simone foi encontrada indica que parte da parede de outra casa voou, atingiu a mulher e a derrubou ao chão.
Marcelo até viu o corpo da esposa no momento em que foi encontrada, mas o choque fez com que ele esquecesse detalhes. "Ela estava machucada?", perguntava ao irmão já na porta do IML (Instituto Médico Legal).
Jucimar tentou ser sóbrio e não dar detalhes, mas Marcelo insistiu. Emocionado, vez ou outra apresentava o olhar um pouco perdido enquanto aguardava o corpo da esposa chegar.
A família saiu do alto do Morro da Oficina antes do carro de remoção de cadáveres da Defesa Civil. Com a quantidade de corpos sendo encontrados (só ontem foram ao menos dez), o veículo tem esperado outras vítimas para levá-las ao IML, que fica a 15 km do local.
Marcelo experimentou mais uma vez a solidariedade dos petropolitanos. Depois da busca de voluntários por Simone, agora agradecia a um mototaxista desconhecido que voltou ao morro para buscar os documentos da mulher.
Quando chegou ao IML e tomou conhecimento sobre os trâmites legais, insistiu muito para que pudesse ver a esposa antes do enterro. O protocolo do instituto não permite, mas depois de muita conversa, Marcelo conseguiu uma brecha: o caixão dela terá a área do rosto em vidro, que permite que ela seja vista mesmo com ele fechado.
Após uma hora e meia de espera, Marcelo foi chamado a entrar na sala Lilás, o local destinado a atender as dezenas de famílias de vítimas da tragédia. Ali, ele fez o cadastro de Simone.
Na manhã de hoje (20), Marcelo tentará a liberação do corpo. A fila de pessoas à sua frente tornou impossível fazê-lo ontem, já que o serviço encerra ao fim da tarde, com funcionamento até as 18h.
A tristeza da perda se confunde com o alívio de dar à esposa um enterro digno, como ele quis desde o início.
Eu queria muito dar um enterro digno para ela, o sofrimento é muito quando você encontra, mas nessa hora vemos que nós não somos nada"
Marcelo Costa, marido de Simone Raesk Moura, morta na tragédia
Sem a companheira de passeios, música e vida, agora Marcelo se contenta com as lembranças. Pouco antes de ser chamado a cadastrar os dados da esposa, recebeu uma quentinha de voluntários. Almoçou sozinho, sentado numa calçada. Cansado e ainda sujo de lama, minutos depois, ele falou à reportagem.
"A minha parte com ela eu fiz, ela também comigo. Nós fomos muito felizes um com o outro, não fiquei devendo nada a ela. Infelizmente, a hora dela chegou. Que ela vá com Deus", disse.
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