Silêncio e som de máquinas: Morro da Oficina tem debandada após tragédia
Pelas ruas e vielas do Morro da Oficina, em Petrópolis (RJ), poucos sons se distinguem além das máquinas trabalhando. O silêncio só é quebrado por equipes que buscam moradores soterrados na montanha de lama.
Nove dias após o deslizamento de parte da encosta, a área parece uma cidade fantasma —os poucos moradores que permanecem no local mais atingido pelo forte temporal do dia 15 se preparam para deixar o bairro.
Mais de 200 pessoas morreram em Petrópolis, parte considerável delas no Morro da Oficina. Ao menos 33 pessoas são consideradas desaparecidas, segundo a Polícia Civil.
O professor Edilson Alves de Alcântara, 56, vive no Morro da Oficina desde que nasceu. Na tarde de ontem, olhava a destruição da janela de casa. Envolvido nas buscas por sobreviventes desde as primeiras horas, tirou da lama os corpos de amigos e parentes.
"Desde a primeira noite, é pior que um cenário de guerra. Eu resgatei sete pessoas só da minha família, mortas. Na primeira noite, foram [achadas] algumas pessoas vivas, depois só mortas", diz Alcântara.
Além do luto pelas mortes, ele lida com a dor de ver o cenário de toda sua vida destruído. Da casa da mãe, no alto da comunidade, só restou o alicerce. Ele quer deixar o Morro da Oficina.
Enquanto não consegue um novo lugar para morar, segue a rotina de ir duas vezes ao dia à antiga residência —uma casa espaçosa de dois andares na entrada da comunidade— para alimentar seus gatos.
"A maior vontade é sair, mas não é tão simples. Falam que vão tirar a gente daqui, pagar um aluguel social durante seis meses em outra área de risco. Aconteceram as tragédias de 2011 e foi prometido fazer casas ou dar condições aos moradores. Mas pagam um aluguel social por seis meses, com um valor irrisório", diz ele, com um misto de indignação e resignação.
Michele Stanzani, 61, também manifestou o desejo de ir embora o mais rápido possível enquanto esperava a chegada do corpo do irmão, Leonardo, em uma funerária vizinha ao cemitério de Petrópolis. Leonardo morreu ao lado da mulher, Graziele, e do filho Enzo, de 6 anos.
Eles são apenas três da série de amigos e parentes que Michele perdeu no deslizamento.
"Não tem como [morar no Morro da Oficina], nem voltar para o mesmo bairro. É um trauma muito grande", diz ela, que também viveu no local desde que nasceu.
"Lá eram só famílias, pessoas que cresceram juntas. De uma hora para outra, tudo muda. Parece que nascemos grandes, vamos ter que começar tudo de novo", lamenta.
Moradores retiram o que sobrou em casa
Nos últimos dias, foi frequente a cena de moradores, inclusive das áreas atingidas pela lama, carregando móveis e eletrodomésticos pelas escadarias do Morro da Oficina.
Também havia um fluxo de pessoas com bolsas de roupas e outros pertences. Ontem à tarde, contudo, o movimento caiu drasticamente.
Pedro Henrique Silva, 21, era um dos poucos fazendo esse tipo de atividade. Junto com dois outros homens, colocava móveis e eletrodomésticos na caçamba de uma caminhonete na parte baixa do morro. A família, que não foi diretamente atingida, deixou a casa, que estava sem energia elétrica e foi classificada como em área de risco pelas autoridades.
Ele conta que só percebeu o deslizamento por conta do desespero dos vizinhos do conjunto habitacional que fica em frente do Morro da Oficina.
"Estava chovendo, mas não deu para escutar nada. Só vi quando o pessoal do condomínio começou a gritar: 'Sai do morro, sai do morro'", recorda.
Por meio de seu relato, é possível entender que o silêncio no Morro da Oficina é uma paz sem voz diante do luto da tragédia.
"As pessoas sentem muito medo. Já é um abalo tanto mental quanto sentimental para as famílias que foram atingidas e para a gente que viu. É um choque e uma dor muito grandes."
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