Por reparação, DP-BA investe contra nome do pai da eugenia no Brasil em IML
O IML (Instituto Médico Legal) Nina Rodrigues, de Salvador (BA), virou alvo de um debate no estado por receber o nome do médico que é considerado o pai da eugenia no Brasil. Na semana passada, a Defensoria Pública da Bahia fez uma recomendação pedindo a troca de nome do órgão como uma forma de "reparação" diante do que considera racismo estrutural e institucional.
O documento foi enviado ao governador Rui Costa (PT) e ao secretário de Segurança Pública, Ricardo Mandarino, no dia 21 de março. Procurados pelo UOL, governo e secretaria não se manifestaram a respeito da proposta. O IML é vinculado ao DPT (Departamento de Polícia Técnica) do Estado da Bahia.
Considerado fundador da antropologia criminal moderna no país, Raimundo Nina Rodrigues, médico maranhense radicado na Bahia, é autor de teorias que o fizeram ser reconhecido como o "pai da eugenia" no Brasil. O conceito foi criado na Inglaterra e se difundiu no início do século 20, especialmente nos Estados Unidos e na Alemanha. Com roupagem científica, os eugenistas defendiam a ideia de que as qualidades raciais das futuras gerações dependiam de um controle social para "melhorar" a espécie humana, o que significava impedir que "maus elementos" se reproduzissem, sobretudo indivíduos de raça negra.
Entre outras análises presentes nas obras de Nina Rodrigues, ele afirmava que negros e "mulatos" possuíam capacidade mental incompleta, de modo que deveriam ser aplicadas regras diversas a essas pessoas na sociedade.
A recomendação que defende a mudança do nome do IML da capital baiana foi enviada à gestão estadual e à Secretaria de Segurança Pública pela coordenação da Defensoria Especializada em Direitos Humanos.
"A gente precisa combater o racismo de todas as formas. Tanto na forma individual, em que precisamos ter a punição adequada, quanto em sua modalidade estrutural, principalmente no caso de instituição pública em Salvador, a cidade mais negra do mundo fora da África", disse ao UOL a defensora pública Lívia Almeida, coordenadora da especializada responsável pela recomendação.
Almeida afirma que, inicialmente, a ideia é convencer o governo estadual, por meio do diálogo, que há algo equivocado em nomear a instituição com o nome do médico. Caso o pleito não seja atendido, Almeida não descarta judicializar a questão.
"Hoje não cabe mais esse tipo de homenagem. Essas pessoas, declaradamente racistas, que defendem teorias absurdas sobre superioridade da raça branca, não podem ser homenageadas. Vamos aguardar um posicionamento do governo. Mas, se não houver postura proativa, vamos estudar a possibilidade de propor uma ação judicial coletiva por meio do nosso grupo de trabalho sobre equidade racial"
Lívia Almeida, coordenadora do núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública da Bahia
A ideia da recomendação partiu de reivindicações antigas dos movimentos sociais e da academia. O coletivo antirracista Maria Felipa, por exemplo, é uma das entidades que apoiam a proposta da Defensoria. Para a entidade, embora seja consenso entre teóricos que reverências à figuras contestáveis não devam existir, a permanência de tal homenagem a Nina Rodrigues num lugar como o Instituto Médico Legal, que recebe indigentes e pessoas vítimas de violência, de maioria preta, mantém o "espírito" perverso do racismo científico.
"Diante disso, verifica-se a necessidade de reparação das consequências negativas que essa teoria trouxe para nós negros, quando pelas características físicas, biológicas e sociais, associados ao crime e ao atraso social", defende o coletivo em nota.
Contribuição
Apesar de Nina Rodrigues ser apontado como representante da teoria eugenista no Brasil, a historiadora Vanda Fortuna Serafim afirma que não se pode negar a validade de sua obra para a academia. Autora de uma tese de mestrado sobre estudos do médico acerca das crenças religiosas afro-brasileiras, a professora da UEM (Universidade Estadual de Maringá) destaca que Nina teve contribuição pioneira a respeito do tema. Serafim respondeu à reportagem por meio de um texto, intitulado "Nina Rodrigues, deuses e hierofanias para além da histeria".
Nascido em 4 de dezembro de 1862, em Vargem Grande (MA), Raimundo Nina Rodrigues iniciou seus estudos de medicina na Bahia e concluiu a vida acadêmica no Rio de Janeiro em 1888. Em 1891, contudo, voltou à capital baiana para assumir uma cátedra na Faculdade de Medicina, de onde promoveria a nacionalização da medicina legal brasileira, até então fiel seguidora dos padrões europeus.
Desenvolveu pesquisas sobre as origens étnicas da população e a influência das condições sociais e psicológicas acerca da conduta do indivíduo. Com os resultados de seus estudos, propôs uma reformulação no conceito de responsabilidade penal, sugeriu a reforma dos exames médico-legais e foi pioneiro da assistência médico-legal a doentes mentais, além de defender a aplicação da perícia psiquiátrica em manicômios e nos tribunais.
Em "Mestiçagem, Degenerescência e Crime", Nina Rodrigues descreve o mestiço e o negro como "naturalmente delinquentes". À luz de tal premissa, ele propôs uma reforma penal que atribuísse penas mais rígidas para africanos e seus descendentes.
Sobre culturas e etnias oriundas da África, as quais enxergava como selvagens e intelectualmente subdesenvolvidas, O médico via uma conotação científica no alegado atraso de culturas e etnias oriundas da África, as quais enxergava como selvagens e intelectualmente subdesenvolvidas. Eram, conforme escreveu em 1922, "produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade".
As convicções eugenistas do médico ganharam corpo nas faculdades de medicina e de psiquiatria. Raimundo Nina Rodrigues — que dá nome também a um hospital em São Luís do Maranhão — adaptou à realidade brasileira as ideias de teóricos como Cesare Lombroso, criador da teoria do "criminoso nato".
"Autores contemporâneos discutem a influência por ele exercida nos trabalhos e estudos posteriores, ora criticando, ora dirigindo-lhe elogios, porém sem jamais negar a validade de sua contribuição. Embora o classifique como representante de uma teoria racista no Brasil, Thomas E. Skidmore atribui às obras de Nina Rodrigues, qualificações de 'séria' e 'respeitável'", defende a professora Vanda Serafim.
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