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Convidados ficam presos por 13h após inundação em festa de 15 anos: 'Tenso'

Do UOL, em São Paulo

04/04/2022 19h45Atualizada em 07/04/2022 12h08

A festa de 15 anos de Victoria Martins terminou debaixo d'água após o forte temporal que ocorreu na Baixada Fluminense na sexta-feira (1º). Cerca de 50 convidados ficaram ilhados no salão de eventos aguardando a água baixar para finalmente retornarem para casa. As chuvas deste fim de semana deixaram ao menos 18 mortos no estado do Rio de Janeiro.

A mãe de Victoria, Daiane Da Silva Bispo, 40, contou ao UOL que familiares e amigos passaram a noite no espaço de eventos sem acesso à água potável ou comida. "Foi muito tenso. Foi uma coisa que eu nem consigo acreditar", diz a técnica de laboratório. Além da adolescente, Daiane também é mãe de um menino de 8 anos.

A festa iniciou por volta das 20h40. Na ocasião, ainda não chovia na cidade. "Eram 22h quando eu fui até a recepção porque eu tinha contratado 'anjos' para a festa, que deveriam servir doces, e eles ainda não estavam no salão. Eu fui até a recepção e foi quando eu vi água entrando. No momento, tinha uma funcionária pedindo por um rodo para expulsar a água. Eu voltei para a festa e achei que tinham resolvido o problema", relembra a mãe.

Os cerimoniais da festa estavam previstos para ocorrer por volta das 22h30, momento em que a água já avançava pela recepção. "Quando eu comecei a ver isso, eu apertei o meu marido, estava nervosa", disse Daiane. "O salão percebeu que a água estava avançando muito rápido e então apressou a apresentação dela". Segundo ela, Victoria conseguiu dançar a valsa e realizar uma performance com coreografias do TikTok ao lado das amigas antes da situação piorar."

A água, no entanto, não parou de entrar. A irmã de Daiane chegou a ficar aflita com o cenário. "Pensamos que seria igual o que ocorreu em Petrópolis". A tragédia, ocorrida em fevereiro, deixou 234 mortos e foi a pior registrada na cidade pela Defesa Civil, que faz esse monitoramento desde 1932.

Diante do cenário, alguns convidados começaram a deixar o local. "Os adolescentes estavam brincando com a situação. Não pensavam que seria algo grave. Mas depois, perceberam. Victoria passou pela correnteza e teve uma crise de ansiedade, ficou em pânico", relembra a mãe.

O pai de Victoria, por sua vez, é bombeiro militar e, além dele, ainda havia mais 12 bombeiros na festa. "Nós montamos um plano de ação para tirar o máximo de pessoas lá dentro. O maior problema era o tio, cadeirante." Daiane conta que o marido fez várias viagens para remover adolescentes do local. "Desde esse horário até 11h ficamos tentando resgatar as pessoas. Tiramos os jovens por volta das 3h30. O meu marido fez mais de 20 viagens, cortando por caminhos que ainda não estavam alagados."

Apesar da força-tarefa, alguns dos convidados não tinham como deixar o salão por questões de segurança. "Nós resolvemos passar a noite aguardando a água baixar. Tínhamos um tio cadeirante diabético e uma tia idosa, de 90 anos, que não poderiam enfrentar a enchente. A água estava no joelho em uma parte do salão e, na parte mais baixa, no pescoço. Ficaram mais de 20 pessoas no camarim e 40 na parte do salão com água no joelho", diz Daiane.

Com a cozinha alagada e sem acesso à água potável, os convidados comeram as comidas deixadas em cima da mesa que ainda não haviam sido atingidas. "A água só veio chegar por volta das 10h30 da manhã, quando o DJ do salão conseguiu trazer."

Daiane conta que ainda passou por cada mesa tentando tranquilizar os convidados e que resolveram desligar os relógios de eletricidade da casa a fim de evitar fatalidades. "Passamos a noite no escuro. Sem energia, sem medicação para quem precisava", diz ela.

Ao amanhecer, com a água mais baixa, a família finalmente conseguiu evacuar todos os convidados. "Só agora eu e Victoria estamos entendendo o que aconteceu. A gente não conseguiu pensar em nada, não conseguimos digerir. Era o sonho que ela sempre esperou. Eu planejava isso sem conseguir dormir, dia e noite. Estou impressionada com tudo o que vivemos e lembro da água levando o nosso sonho", relata. "Acaba com a parte financeira, mas também com o coração."

Daiane estima que o prejuízo da família após a tragédia é de R$ 80 mil. A casa dela, que ficava próximo ao local, não foi afetada pelas chuvas. Ela ainda não sabe se fará uma nova celebração para a filha.

Em nota, o espaço 277, onde foi realizado o evento, afirmou que a rua foi tomada pela água por volta das 23h.

"Apesar de não termos conseguido contato por diversas tentativas com o Corpo de Bombeiros, pois a cidade estava caótica, fomos muito bem orientados por alguns convidados que faziam parte da corporação de bombeiros, e nos alertaram e ajudaram a evacuar o mais rápido possível a área por segurança", diz comunicado."Prestamos apoio e solidariedade àqueles que permaneceram no local, ajudando na retirada dos convidados e até carregando no colo aqueles que tinham maiores dificuldades."

O empreendimento ainda disse que os funcionários tiveram prejuízos nas próprias casas, mas "continuaram no espaço e fizeram o seu melhor para ajudar e garantir a segurança de todos."

Em vídeo, publicado nas redes sociais, a responsável pelo espaço 277, Viviane Domingues, 37, afirmou que o estabelecimento ofereceu uma nova festa para Victoria. "É uma forma de dizer o quanto sentimos pelo ocorrido. Fazemos isso porque nos colocamos no lugar do cliente. Vai além de uma festa, é um sonho", disse ela, que ainda lamentou o número de desalojados e desabrigados pelas chuvas do fim de semana.