Topo

Esse conteúdo é antigo

TV: mulheres denunciam abusos de 'gurus espirituais' em SP e PA

Paulo Paumgartten (esquerda) e André Lanzoni estão presos por suspeita de violência sexual após denúncias de mulheres - Reprodução/Fantástico
Paulo Paumgartten (esquerda) e André Lanzoni estão presos por suspeita de violência sexual após denúncias de mulheres Imagem: Reprodução/Fantástico

Do UOL, em São Paulo

08/05/2022 23h41

Dois supostos "gurus espirituais" de diferentes regiões do país enganavam mulheres e se aproveitavam da vulnerabilidade delas para isolá-las de familiares e amigos e cometer abusos sexuais, relataram vítimas ao Fantástico, da TV Globo, neste domingo (8). Eles estão presos desde março.

As vítimas pediram para não mostrar seus rostos ou vozes. Elas relatam processos de lavagem cerebral e se culpavam pelas violências sofridas.

Especialistas lembram a necessidade de estar atento aos sinais de que "pode ter algo de errado" nessas relações. Segundo eles, a dificuldade de relatar os acontecimentos a amigos e familiares pode ser um indicativo.

Missão do Espírito Santo

As investigações da polícia tiveram acesso aos sinais do poder de influência psicológica do líder religioso Paulo Paumgartten, da "Missão do Espírito Santo", em Belém, sobre as vítimas. Em diários encontrados na casa dele, há juramentos de devoção escritos por diferentes mulheres: "meu único dono" e "meu senhor", eram referências ao "guru".

Uma mulher contou à reportagem que Paulo sugeriu "reproduzir as cenas dos abusos" sofridos por ela na infância, para que o trauma fosse curado. Para isso, disse que iria se "passar pelo abusador" e a fez reviver aqueles momentos: "E aí foi quando eu nunca mais voltei para lá", conta a mulher.

Paumgartten foi preso preventivamente em Marudá (PA) no dia 18 de março. O guru é suspeito de violência sexual mediante fraude contra pelo menos quatro mulheres. Após a detenção, outras 10 vítimas buscaram a polícia para denunciar os abusos. Paulo morava com oito mulheres e uma adolescente de 13 anos na mesma casa na qual aconteciam as reuniões.

Em Belém, as vítimas participavam de encontros em uma casa comandada pelo homem que era chamado de "pai Paulo''. De acordo com as vítimas, Paulo usava elementos de diferentes religiões, com conceitos de ciência e terapias alternativas.

"Era uma grande salada. Ele trazia coisas da física quântica, trazia coisas da doutrina espírita, da umbanda, do cristianismo", diz uma vítima.

Outra mulher completa: "Neurociência, psicologia... Aromaterapia, cromoterapia... Colocou isso tudo dentro de um caldeirão." E explica: "Para explicar para a gente que era uma prática muito antiga e que não é falada no mundo, porque o mundo não quer que a gente conheça."

Paulo convencia as vítimas da necessidade de passar por uma evolução espiritual através do que chamava de "frequência" — quanto mais alta, mais próxima a pessoa estaria de alcançar uma suposta paz espiritual, que ele dizia ter alcançado.

"Ele me afastou do meu filho por um certo tempo, porque o meu filho era gay e ele achava que a 'frequência' do meu filho não era boa para as minhas filhas, nem para mim", relata uma das vítimas.

O advogado de Paumgartten disse ao Fantástico que "em momento algum aconteceu isso". Omar Sarê criticou a prisão e disse que Paulo é "um homem de 68 anos, um idoso".

Clínica Semear

Dono da clínica "Semear", o terapeuta André Lanzoni está preso em Campinas (SP) desde o dia 10 de março. Ele é alvo de 11 inquéritos por suspeita de crimes sexuais.

Lanzoni levava as mulheres a acreditarem no método criado por ele. A uma delas, disse que seria preciso "liberar traumas" ligados à sexualidade e, para isso, tocou o corpo da paciente.

Aqueles que frequentavam a clínica eram convencidos de que o tratamento dependia de uma dedicação total e exclusiva. O terapeuta se dizia criador de um método revolucionário.

"Você fica [pensando]: 'Será que ele realmente ele estava me ajudando, e eu que tenho a cabeça muito fechada e acho que isso está errado'?", questiona a mulher abusada por André durante uma sessão com o terapeuta.

Um casal que frequentava a clínica contou sobre a dificuldade de deixar o grupo. A mulher foi expulsa por questionar os métodos, mas o marido continuou por um tempo e chegou a culpá-la. O homem conta que foi orientado a se separar. "Por ter uma pessoa próxima que saiu de lá, eu era um risco para eles", diz.

Frequentadores da Semear também relataram chantagens financeiras em troca de "evolução espiritual" por meio dos cursos da clínica. O casal que conversou com o Fantástico disse ter gastado cerca de R$ 100 mil nos anos que frequentaram a casa.

Os advogados de André Lanzoni disseram à TV que "tudo será esclarecido no momento processual oportuno".

Lavagem cerebral

O psiquiatra Gilberto d'Elia explicou à reportagem como acontece o processo de "lavagem cerebral". Segundo o médico, os métodos carecem de base científica, mas o charlatão tem "um discurso que envolve", a partir da ideia de que ele fez "uma descoberta sensacional" e que "domina uma técnica que mais ninguém domina", levando a vítima a se sentir como "escolhida".

"Talvez a característica mais importante desse abusador seja conseguir identificar as pessoas que ele vai conseguir seduzir", ressaltou o psiquiatra.

Segundo a psiquiatra forense da USP (Universidade de São Paulo) Jacqueline Segre, as pessoas são envolvidas já no primeiro contato simplesmente por uma "escuta receptiva e acolhedora". O problema está no desenrolar desses atendimentos.

"Ele faz uma conexão de que 'só a gente sabe que isso acontece' e, na verdade, isso acaba aproximando mais ainda essas pessoas que compartilham dessa mesma crença", explicou ao Fantástico.

Como denunciar violência contra a mulher

Mulheres que passaram ou estejam passando por situação de violência, seja física, psicológica ou sexual, podem ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo WhatsApp no número (61) 99656-5008.

Se houver intuito de denunciar, a orientação é buscar uma delegacia especializada em atendimento a mulheres. Caso não haja essa possibilidade, os registros podem ser feitos em delegacias comuns.