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Sigilo e armazenamento de 1 ano põem em risco acesso a câmeras da PM no RJ

30.mai.2022 - Claudio Castro exibe câmera acoplável em uniforme da PM - Divulgação/Governo do RJ
30.mai.2022 - Claudio Castro exibe câmera acoplável em uniforme da PM Imagem: Divulgação/Governo do RJ

Ruben Berta

Do UOL, no Rio

31/05/2022 04h00

Apesar do discurso de transparência do governador do Rio, Cláudio Castro (PL), ainda há dúvidas sobre como o sistema de câmeras nos uniformes de policiais militares, lançado ontem, funcionará na prática.

Resolução publicada pela Polícia Militar no dia 2 deste mês estabelece, por exemplo, que as imagens só terão acesso público após um ano, sendo que esse é exatamente o período máximo de armazenamento dos vídeos estabelecido pelo governo.

A princípio, são 1.637 PMs de nove unidades, entre batalhões e uma companhia, que utilizarão os equipamentos. Não há previsão —sequer confirmação— para que o Bope (Batalhão de Operações Especiais) e o Batalhão de Choque, que frequentemente atuam em incursões em favelas, usem as câmeras. O Bope participou há uma semana de operação que deixou 23 mortos na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio.

Veja a seguir o que se sabe até agora:

1-) Como funciona o sistema?

Ao assumir o serviço, os policiais acoplam a câmera ao uniforme após acionamento por reconhecimento facial. As imagens são transmitidas em tempo real para um centro de comando da PM por meio de um sistema montado pela empresa vencedora da licitação, a L8 Group, com o apoio de uma operadora de celular.

2-) Há como interromper a gravação das imagens ou modificá-las?

Segundo a L8 Group, "a gravação inicia com a retirada do equipamento, e a câmera fica ligada o tempo todo, não sendo possível parar". "As imagens são criptografadas e não permitem nenhum tipo de edição, o que garante a idoneidade para fins legais", afirma a empresa.

3-) Qual a autonomia de funcionamento das câmeras?

Com a carga cheia, as câmeras podem funcionar por 12 horas seguidas. De acordo com a PM, é obrigatório que o agente saia da base com ao menos 95% da carga ou deverá solicitar a troca do aparelho a um supervisor.

4-) O que acontece se houver um defeito ou a carga terminar antes do fim do serviço?

Segundo a PM, há "um protocolo em que o policial deverá solicitar a substituição para seu supervisor".

5-) Se a câmera for danificada, as imagens são perdidas?

A L8 Group afirma que não. Segundo a empresa, há duas formas de gravação: em tempo real e, ao fim do dia, quando as imagens são novamente gravadas enquanto os aparelhos são carregados.

De acordo com a empresa, o equipamento resiste bem a "água, quedas e poeira".

6-) Por quanto tempo as imagens ficam armazenadas?

A PM afirma que imagens de rotina, que não envolvem ocorrências específicas, ficarão armazenadas por dois meses. Para imagens de ocorrências, o período é de um ano.

7-) Qualquer cidadão poderá ter acesso às gravações?

Não. Resolução da PM estabeleceu que as imagens são de caráter "reservado", sem acesso público por um período de um ano. O texto cita a LAI (Lei de Acesso à Informação), que por sua vez estabelece o sigilo de documentos de caráter "reservado" por cinco anos. A PM não esclareceu, contudo, a diferença entre os textos da lei citada e da resolução.

O sigilo pode durar, no entanto, mais de um ano. De acordo com a resolução da PM, as imagens que fazem parte de inquéritos, ou seja, de investigações internas da corporação, não poderão ser disponibilizadas até que o procedimento seja encerrado, o que pode durar anos. "A medida visa a assegurar o sigilo das investigações", diz o texto.

8-) Se o sigilo das imagens e o armazenamento delas duram um ano, é possível que nunca se tornem públicas?

Não está claro. O UOL questionou a PM, que afirmou apenas que os detalhes sobre a publicidade das imagens estão em um decreto do governador Cláudio Castro, de março.

O texto é ainda mais restrito que a resolução da PM e fala que as gravações serão cedidas em hipóteses como decisão judicial, pedido fundamentado do Ministério Público ou investigação policial.

Além dessas hipóteses, o decreto também diz que as imagens poderão ser acessadas de acordo com autorização do gestor caso haja "caráter educativo ou orientação à comunidade" e para a "administração da Justiça ou a manutenção da ordem pública".

9-) Quantos policiais militares usarão as câmeras?

Segundo o governo fluminense, desde ontem, são 1.637 agentes dos seguintes batalhões: 2º BPM (Botafogo), 3º BPM (Méier), 4º BPM (São Cristóvão), 6º BPM (Tijuca), 16º BPM (Olaria), 17º BPM (Ilha do Governador), 19º BPM (Copacabana), 23º BPM (Leblon) e 1ª Companhia Independente da Polícia Militar (Laranjeiras).

10-) Serão instaladas mais câmeras? Bope e Choque usarão?

Ao todo, somente na PM, há a previsão de 8.000 equipamentos. O governo ainda não divulgou datas para as próximas etapas.

O governo não confirma se o Bope e o Choque terão câmeras nos uniformes. No processo administrativo que trata do contrato com a L8 Group, não há no cronograma referência a esses batalhões.

11-) Outros órgãos vão usar as câmeras?

Sim. A Secretaria Estadual de Governo, que cuida da Operação Lei Seca e do projeto Segurança Presente, de patrulhamento comunitário nos bairros, também assinou contratos com a L8 Group.

Foram registrados no entanto, diversos atrasos e problemas nesses processos, que adiaram o lançamento, previsto para os próximos dias.

12-) A Polícia Civil utilizará o sistema?

A licitação feita pelo governo do Rio prevê que os órgãos estaduais possam contratar até 21.571 câmeras, num regime de comodato. Ou seja, após o fim do contrato, os equipamentos são devolvidos para a empresa.

A Polícia Civil, cuja unidade de operações especiais (Core) matou 27 pessoas no Jacarezinho, em maio do ano passado, ainda não assinou contrato com a L8 Group.

13-) Quanto custa o sistema?

O contrato com a PM é de R$ 71 milhões por dois anos e meio. Estão previstas até 8.000 câmeras quando a implementação estiver completa. Cada equipamento em atividade custa R$ 296 por mês.

14-) As câmeras reduzem a letalidade policial?

Experiências como a que ocorre em São Paulo apontam que sim.

Especialistas em segurança alertam, porém, que as câmeras, por si só, não resolvem se não estiveram no âmbito de um programa maior de redução de letalidade, com metas bem estabelecidas, e controle eficiente por parte da sociedade civil.

Reportagem do UOL mostrou que mortes em decorrência de intervenção policial caíram 32% entre 2020 e 2021, ano em que PMs começaram a usar câmeras acopladas aos uniformes. Foram 705 mortes em 2020, contra 480 no ano passado, segundo relatório anual da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo.

Primeiro estado a adotar o equipamento, em 2019, Santa Catarina conta com ao menos 2.500 câmeras a serviço da PM. Ao fim do mesmo ano, Rondônia também adquiriu mil bodycams.