Topo

Itamaraty fecha acordo e reavaliará duas candidatas negras a diplomata

Rebeca e Verônica devem se juntar a outros candidatos e disputar ingresso por cotas em junho - Arquivo pessoal
Rebeca e Verônica devem se juntar a outros candidatos e disputar ingresso por cotas em junho Imagem: Arquivo pessoal

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

01/06/2022 04h00Atualizada em 01/06/2022 06h12

O Itamaraty fez um acordo para reavaliar duas candidatas negras que haviam sido rejeitadas como cotistas há cinco anos. Verônica Tavares, ex-militante do movimento negro, e Rebeca Mello, quilombola, vão ser avaliadas no próximo dia 17 por uma comissão que vai indicar se considera elas negras ou brancas.

A proposta, que, segundo as mulheres e a defesa delas, contou com a participação do ministro das Relações Exteriores, Carlos França, foi homologada pela ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Assusete Magalhães.

Verônica e Rebeca foram aprovadas no concurso do Itamaraty como cotistas negras em 2017. Mas, depois disso, em 2018, o Itamaraty criou outra comissão de verificação para ambas e outros candidatos. As duas foram rejeitadas por essa nova equipe, que as considerou brancas.

Em troca da nova reavaliação, elas se comprometeram a cancelar todos os processos na Justiça e em outros órgãos públicos. Também abrem mão de exigir o pagamento de salários que deixaram de receber entre 2018, ano da posse que nunca aconteceu, e hoje. Também não poderão exigir tempo de carreira para obterem promoções mais vantajosas.

Se forem aprovadas, vão se tornar diplomatas. Caso contrário, também perdem o direito de recorrer.

27.mai.2022 - Verônica Tavares fez acordo com Itamaraty - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"Sou mulher negra: não há dúvidas", diz Verônica
Imagem: Arquivo pessoal

"Eu sou uma mulher negra", disse ao UOL Verônica, que é publicitária e tem 38 anos. "Essa é a obviedade. Não há por que ter dúvidas disso." Ela contou que assinou o acordo com certo temor, porque entende que ele é muito vantajoso para o governo, mas arriscado para as candidatas. No entanto, preferiu correr o risco a aguardar uma desgastante espera no Judiciário.

"É muito mais benéfico a eles. Eu fico com muito medo, porque, de tudo o que a gente passou, eu estou desconfiada de absolutamente tudo. Sempre acho que tem uma agenda ali para nos prejudicar. Fiquei com essa coisa."

A quilombola kalunga Rebeca Mello, 28 anos, disse que há o risco de não ser aceita pela nova comissão do Itamaraty, mas avalia que é o melhor caminho. "Estamos abrindo mão de tudo, mas já estamos na Justiça há tanto tempo que tem que acabar essa história de um jeito ou de outro", disse ela à reportagem.

Vai significar uma vitória muito grande para minha comunidade. Serei a primeira quilombola diplomata, um marco grande neste país, ainda mais sendo mulher"
Rebecca Mello, economista

Batalha judicial

As tratativas começaram no ano passado. O pai da economista Rebeca Mello, o consultor legislativo da Câmara, advogado e ex-presidente do sindicato dos servidores do Congresso Magno Mello procurou o chanceler Carlos França e explicou a batalha na Justiça. Ele chegou a mostrar um vídeo de sua filha para o ministro.

"O ministro Bruno [Bianco], da AGU [Advocacia Geral da União], e o Carlos França se desdobraram para que esse acordo acontecesse na esperança de que finalmente se possa fazer Justiça", contou Rebeca.

O UOL pediu informações à assessoria do Itamaraty e ao ministro Bruno Bianco. A assessoria do Ministério das Relações Exteriores disse que não comentaria o tema "por se tratar de um processo judicial". Bianco não quis conversar com a reportagem.

O exame, marcado para 17 de junho, não será exclusivo para Rebeca e Verônica. Elas vão ingressar junto com candidatos cotistas do último concurso do Ministério das Relações Exteriores.

"Não vão fazer comissão para me aprovar", disse Rebeca. "Vão me dar uma chance e das pessoas virem a injustiça cometida e talvez consertar isso. Como vai ser um processo imparcial."

Rebeca já foi aprovada em outros concursos como cotista negra. Em um deles, porém, a Justiça entendeu que ela foi barrada porque era "bonita".

27.mai.2022 - Rebeca Mello fez acordo com Itamaraty - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"Marco no país": quilombola pode virar diplomata
Imagem: Arquivo pessoal

Verônica se preparou cinco anos e enfrenta um processo há outros cinco. "Parei minha vida para isso." Segundo ela, a briga vai torna-la uma profissional mais resistente.

"Vou ser pessoa bem mais resiliente, resistente, mais preparada para estar dentro dessa Casa [Itamaraty] , que a gente sabe que é muito política, sim, e que tem lá os seus meandros."

Esse processo deixou muita casca"
Verônica Tavares, publicitária

Em nota enviada ao UOL, Magno Mello disse que "há um ministro de Estado de elevada estatura no comando do Itamaraty e ele saberá blindar a comissão, para fazer com que cumpra o que foi reduzido a termo: julgar Rebeca e Veronica com os mesmos olhos e da mesma forma com que será apreciada a autodeclaração dos candidatos inscritos no concurso em andamento". "É o que nos basta."

Ele destacou que as duas chegaram a ser eliminadas do concurso por supostamente não sofrerem preconceitos. Mello disse que isso não é critério para cotas. "O preconceito é cada vez mais combatido. Conseguiremos vencê-lo em algum momento e este sonho, quando for realizado, nem resgatará o prejuízo imposto aos negros nem os tirará deste mundo, graças a Deus."