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MP investiga suspeita de incitação a crimes em escola de concursos no PR

Professor narrou como trancou homem em viatura e usou spray de pimenta para deixá-lo "mansinho" - Reprodução
Professor narrou como trancou homem em viatura e usou spray de pimenta para deixá-lo "mansinho" Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo*

01/06/2022 21h09Atualizada em 01/06/2022 21h36

O MP-PR (Ministério Público do Paraná) abriu uma investigação para apurar os possíveis crimes cometidos pela Alfacon, uma escola de Cascavel (PR) especializada em concursos públicos. O inquérito foi aberto após circular nas redes sociais um vídeo em que um agente da PRF (Polícia Rodoviária Federal) descrevendo aos alunos a prática de uma tortura durante uma aula para concurseiros de carreiras policiais na escola.

Na gravação, o agente Ronaldo Bandeira, que ministrava uma aula para a empresa Alfacon Concursos, contou como teria colocado um preso em uma viatura e o deixado "mansinho" com uma rajada de spray de pimenta, fechando o compartimento em seguida. Ao UOL, Bandeira disse que a cena descrita foi um "exemplo fictício", que ele nunca praticou, e classificou a fala como "uma brincadeira infeliz de sala de aula".

A gravação foi resgatada depois que Genivaldo de Jesus Santos, um homem negro de 38 anos foi morto durante ação de policiais rodoviários federais em Sergipe, na última semana.

"A despeito dessa apuração, em face dos novos fatos relacionados à empresa, levados ao Ministério Público nesta semana por representantes da sociedade civil organizada, com pedido de providências, a 12ª Promotoria de Justiça de Cascavel, que tem atribuição na área de Direitos Humanos, abriu procedimento para buscar eventual responsabilização dos envolvidos", afirmou o MP-PR.

Segundo o Ministério Público, já existe uma investigação contra o ex-professor da Alfacon Ronaldo Bandeira tramitando no Juizado Especial Criminal, em Cascavel, para tratar da suspeita de apologia e incitação ao crime.

"O trabalho [no MP-PR] será conduzido com suporte do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, unidade especializada do MPPR."

Na última semana, em nota, a Alfacon afirmou que "repudia qualquer tipo de violência, seja física ou psicológica, contra civis", e que o discurso feito por Bandeira não está "em alinhamento com os treinamentos pelos quais todos os educadores são submetidos ao ingressarem no corpo docente". A empresa esclareceu, ainda, que Bandeira deixou de trabalhar para o grupo em 2018.

A Alfacon disse, por meio de nota, que os fatos noticiados são "antigos e isolados" e que não possuem "qualquer
relação com o atual contexto". A empresa afirmou, também, que "repudia qualquer tipo de prática discriminatória ou violência" e que sempre prezou "pela formação apropriada".

"Esclarecemos ainda que o professor Ronaldo Bandeira não faz mais parte do quadro da empresa desde 2018 e que os vídeos em questão são de 2016 - e foram removidos da plataforma na mesma época, tão logo foram identificados. Reiteramos que a empresa vem reforçando orientações e treinamentos direcionados aos times pedagógico e de recursos humanos", diz a nota.

Agente da PRF ensina em aula método de tortura em viatura

No vídeo, Ronaldo Bandeira conta aos alunos sobre uma ocorrência com um preso. "Nesse ínterim, que a gente ficou lavrando o procedimento e ele estava na parte de trás da viatura, ele ainda tentou quebrar o vidro da viatura, com chutes. Ficou batendo o tempo todo. O que que o polícia faz? Abre um pouquinho, pega o spray de pimenta e taca", narrou Ronaldo, gesticulando como se usasse o spray, para riso dos alunos.

E continuou: "Foda-se, caralho. É bom pra caralho! A pessoa fica mansinha! Aí daqui a pouco eu só escutei assim: eu vou morrer! Eu vou morrer! Aí eu fiquei com pena, cara. Eu abri assim [e falei]: tor-tu-ra! Enfim: sacanagem, fiz isso não", completou, sem deixar claro que partes do relato seriam falsas.

Na última semana, Bandeira afirmou à reportagem que toda a cena foi fictícia, e que sua citação foi "uma brincadeira infeliz de sala de aula" que ele fez quando falava sobre a lei 9455/97, que trata dos crimes de tortura. O vídeo, segundo ele, é de 2016, e o trecho integral mostra que ele diz, claramente, que não se tratava de um relato real.

"É um vídeo que está recortado, pinçado, e veio à tona agora por causa dessa situação infeliz [a morte de Genivaldo]. Em nenhum momento eu coaduno com a prática narrada no vídeo, jamais pratiquei essa conduta", afirmou.

Prática recorrente

No vídeo que circulou pelas redes, Bandeira ministrava uma aula para a empresa Alfacon Concursos, que já chamou atenção pela exaltação à brutalidade policial e ao extermínio. Em 2019, o site Ponte Jornalismo revelou o teor de uma aula em que houve a defesa aberta de chacinas. Um professor, ex-policial militar, contou que "matava todo mundo" quando "entrava chacinando" em uma ocorrência.

"Uma vagabunda criminosa só vai gerar o quê? Um vagabundinho criminoso, só isso que vai gerar. Por isso quando eu entrava chacinando, eu matava todo mundo: Mãe, filho, bebê, foda-se. Eu já elimino o mal na fonte. Vou deixar o diabo crescer? Não", disse o instrutor no vídeo que veio à tona.

*Com Rafael Neves, do UOL, em Brasília