Topo

PE: 'Nem consegui recuperar o que perdi e já está tudo alagado de novo'

3.jun.2022 - A dona de casa Emanuelle Marinho teve a casa alagada de novo após chuvas intensas - Rodrigo de Luna/UOL
3.jun.2022 - A dona de casa Emanuelle Marinho teve a casa alagada de novo após chuvas intensas Imagem: Rodrigo de Luna/UOL

Rodrifo de Luna

Colaboração para o UOL, no Recife

03/06/2022 16h40Atualizada em 03/06/2022 17h50

Chuvas fortes e ao menos dois deslizamentos de barreiras (sem vítimas) voltaram a assolar hoje o Grande Recife após a tragédia da semana passada, que deixou ao menos 128 mortos. A chuva forte associada à maré alta obrigou moradores de comunidades ribeirinhas a deixarem novamente suas casas.

"No último fim de semana, eu saí de casa de bote com meu marido que usa cadeira de rodas. Ele ainda levou um choque e por pouco não morreu. Só deu tempo de salvar a vida. Agora a gente nem conseguiu recuperar o que perdeu e já está tudo alagado novamente."
Emanuelle Marinho, moradora do bairro de Rio Doce, Olinda

Hoje ela só conseguiu retirar da casa o filho e o cachorro. O marido está na residência de parentes.

A situação é ainda mais difícil para os mais velhos que há anos sofrem com o mesmo problema. Só que dessa vez a chuva foi mais forte e o nível da água do Canal do Fragoso, que corta o bairro, aumentou demais.

"Na minha casa, a água chegou na altura do teto há uma semana! Só consegui sobreviver porque meus vizinhos me tiraram de bote por cima do telhado. Até agora nada de equipes de prefeitura para ajudar a gente. Só vieram bater foto", reclamava hoje Lindinalva de Barros, que só não teve mais perdas nas chuvas de hoje porque o que tinha já havia sido perdido no sábado (28).

Quem ainda vê sua moradia em risco não sabe como será o futuro. O recomeço é algo que parece distante para moradores que ainda não conseguiram voltar a dormir em casa.

"Na minha casa estava tudo o que eu construí ao longo da minha vida. Era pouco, mas era meu. Agora não tenho mais nada, nem cama e nem geladeira. Não consigo voltar pra cá porque a água subiu novamente. Estou dormindo e comendo de favor na casa da minha vizinha", disse a marisqueira Maria Francisca Coelho, também em Olinda.

A Apac (Agência Pernambucana de Águas e Clima) divulgou que a previsão de tempo é de mais chuvas para o fim de semana.

Sobreviventes de tragédia com 12 mortos da mesma família não têm para onde ir

Uma semana depois da tragédia que resultou em 17 pessoas mortas em um único deslizamento de terra no Jardim Monte Verde, entre o Recife e Jaboatão dos Guararapes, os sobreviventes vivem dias de incerteza.

No sábado passado, Thiago Estevão e a mãe, Rosenilda Maria de Oliveira da Silva, 42, tinham ido até a barreira da rua da Capela —onde o primeiro deslizamento aconteceu— para ajudar os parentes.

Ele queria salvar os avós que estavam soterrados. Antes de chegar até o ponto onde estava José Estêvão de Aguiar, 71, e Maria Vandeilsa Ramos de Aguiar, 59, a barreira deslizou novamente deixando o próprio rapaz ferido.

A gente correu muito, ainda conseguimos tirar, das primeiras residências atingidas, algumas pessoas mais velhas, que estavam bem. Deixamos todos numa casa que, naquele momento, parecia segura. Mas aí o barro desceu e acabou com tudo. Matou todo mundo."
Thiago Estevão, morador do Jardim Monte Verde

"Para o hospital que eu fui levado, chegavam feridos a todo momento e muita gente morta também, até pessoas da minha família. Eu pensava: 'Meu Deus, o mundo está acabando'", diz ele, que está deixando a casa dele em busca de um local seguro para morar.

3.jun.2022 - Thiago Estevão, morador do Jardim Monte Verde, que perdeu parentes na tragédia - Rodrigo de Luna/UOL - Rodrigo de Luna/UOL
3.jun.2022 - Thiago Estevão, morador do Jardim Monte Verde, que perdeu parentes na tragédia
Imagem: Rodrigo de Luna/UOL

Além dos avós, ele perdeu a mãe e tantos outros parentes. Foram 12 pessoas de uma mesma família, vítimas de uma única barreira. No bairro, foram mais de 40 mortos.

Os outros sobreviventes da tragédia perderam —além de parentes— as casas onde moravam. Foram nove engolidas pela barreira.

Maria Vaneilta escapou por pouco com o filho Ryan. O sobrinho que ela criava como filho, Richarlyson André Aguiar da Silva, 11, não escapou. Também morreram os dois irmãos dele Rumany Cândido da Silva Júnior, 7, Lucas Ricardo Aguiar da Silva, 9, a mãe, Andreza Carla Aguiar do Nascimento, 31, e o tio Anderson do Nascimento Aguiar, 28.

Todos tinham sido deixados na casa, que parecia mais segura, enquanto os parentes limpavam o caminho para as crianças descerem.

"Meu menino estava com muito medo, ele chorava. A gente achou que iria dar tempo de abrir o caminho para eles passarem. Mas de repente a barreira desceu novamente. Eu saí puxada pelo meu filho, me machucando nas pedras, caindo na lama. Foi desesperador", lembrou, aos prantos, a dona de casa Maria Vaneilta que agora está dormindo na casa da mãe com mais de dez pessoas.

3.junho.2022 - Casas em área de risco no Jardim Monte Verde, entre Recife e Jaboatão dos Guararapes - Sérgio Cadena/Arquivo Pessoal - Sérgio Cadena/Arquivo Pessoal
3.junho.2022 - Casas em área de risco no Jardim Monte Verde, entre Recife e Jaboatão dos Guararapes
Imagem: Sérgio Cadena/Arquivo Pessoal

'A gente só queria voltar a ter um lar'

"Eu perdi tudo, minha casa, meus bens, mas o mais importante foi a vida da minha filha que se foi. Minha esposa, que também foi atingida e quebrou a perna, recebeu alta do hospital. Mas não tem nem para onde ir. A gente só queria voltar a ter um lar", lamentou o motorista Reginaldo Feitosa. A filha dele Thaís Ramos, 32, também morreu soterrada.

Na área do desastre, é praticamente impossível pensar em voltar a morar em uma das casas que ficaram de pé. Algumas residências podem cair a qualquer momento.

A confeiteira Rafaela Aguiar perdeu os amigos com quem conviveu desde criança e foi orientada pela Defesa Civil a sair de casa.

"Eu ainda estou muito abalada. Da minha casa, eu vi a barreira destruir a casa dos meus vizinhos e matar meus amigos. Com a chuva que caiu nesta sexta-feira, eu comecei a me tremer. Estou nervosa. Fui orientada a sair de casa e estou dormindo no terraço da residência da minha mãe. Mas até quando?", indagou Rafaela.

As ruas onde ocorreram grandes deslizamentos de terra com muitas vítimas têm ficado parecidas com as de bairros fantasmas. Muita gente se mudou por medo, deixando para trás o que construiu.

3.jun.2022 - Escombros no Jardim Monte Verde, entre Recife e Jaboatão dos Gararapes - Rodrigo de Luna/UOL - Rodrigo de Luna/UOL
3.jun.2022 - Escombros no Jardim Monte Verde, entre Recife e Jaboatão dos Gararapes
Imagem: Rodrigo de Luna/UOL

O analista de sistemas Bezaleel Lira mora do outro lado da rua. Do primeiro andar que estava construído, viu a tragédia com os vizinhos.

"Todos dizem que minha casa fica longe da barreira e que não tem risco. Mas eu não sei se devo confiar e trazer para cá minha filhinha de quatro meses. Eu trabalho e tenho condições de sair daqui, mas esse é o patrimônio que eu construí, aqui está minha família, meus pais, meus sogros. Não sei o que fazer", disse.

Por conta das chuvas de hoje, a Defesa Civil do Recife registrou outros dois deslizamentos de terra —nos bairros Jardim São Paulo e Córrego da Areia. Não houve feridos.