Menino trans tem casa apedrejada 4 vezes na Bahia: 'Chamam de aberração'
A casa de uma família do município de Poções (BA) foi apedrejada quatro vezes em um intervalo de duas semanas e chegou a ter a energia elétrica desligada depois que uma mãe resolveu pedir para que o filho transgênero, de 12 anos, fosse chamado por nome e pronomes masculinos. Desde então, a janela da sala da família, estilhaçada por pedras, é um lembrete constante de um cotidiano de insegurança.
O problema teve início após dois momentos antagônicos: de um lado, o momento da votação de um projeto de lei que pretende instituir no município normas a serem seguidas no tratamento de alunos trans nas escolas; de outro, a oposição de um conhecido pastor na cidade, cujo áudio passado no WhatsApp para vereadores e sociedade civil pedia por ação contra esse mesmo projeto.
Em um dos áudios, ao qual o UOL teve acesso, o pastor expõe a criança, citando-a nominalmente, descrevendo a questão como "o caso de uma menina que 'não quer ser mulher, quer ser homem'" e chamando o projeto de "aberração".
A mãe da criança, em conversa com o UOL, contou que tudo começou quando o menino começou a se queixar do desrespeito que enfrentava em uma escola municipal de Poções. A criança continuava a ser chamada pelo pronome feminino e pelo seu nome de batismo, apesar dos pedidos feitos aos professores e à direção da unidade.
"Cheguei a visitar a escola para pedir que a resolução do MEC (Ministério da Educação), que trata desse assunto, fosse atendida", diz a mãe. "Segundo a lei, a escola teria um prazo de sete a 10 dias para acatar o uso do nome social. Mas se passaram 15 dias e não tive um retorno", afirmou.
A resolução do MEC em questão foi homologada em janeiro de 2018 e autoriza o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares da educação básica.
"Procurei então a Secretaria de Educação do município, aconselhada pela própria direção da escola. Me deram um prazo para aguardar, que também não foi respeitado. Voltei lá na Secretaria e fui informada de que para o nome social valer na escola, teria que existir uma resolução municipal. Como nada resolvia, decidi procurar a vereadora Larissa Laranjeira, que luta pelos direitos da população LGBTQIA+", declarou.
A vereadora Larissa Laranjeira (PCdoB) afirmou que assim que recebeu a queixa, teve a ideia de criar um projeto de lei que regulamenta normas para a população LGBTQIA+. "Já tínhamos outros casos de crianças e adolescentes enfrentando o mesmo problema e então surgiu a urgência de garantir o direito permanente dessas pessoas". Porém, chegou a ouvir dos colegas que esse projeto jamais passaria pela Câmara da cidade. Insistiu, até que a votação virou assunto entre líderes religiosos da cidade.
"Esses áudios surgiram na segunda-feira da semana passada. A partir daí, eles se espalharam pela cidade e a Janaína e o Levy começaram a sofrer com xingamentos, apedrejamentos, foi algo absurdo. Nossa cidade é conservadora, mas não temos histórico na cidade de violência praticada contra a população LGBTQIA+. Os áudios do pastor incitaram o ódio de uma parcela da população", acredita a vereadora.
Noites sem dormir
A mãe da criança afirma que, desde que os ataques à sua residência tiveram início, ela passa as noites acordada, para proteger o filho. Ela teme que sua casa seja invadida e que a segurança física do filho seja ameaçada.
Primeiro as pessoas passavam de madrugada espancando nossas portas e janelas, xingando meu filho de coisas horríveis, chamam ele de aberração. Teve um dia que cortaram o fornecimento de energia e deixaram um recado com um palavrão no relógio de luz.
A gota d'água, porém, foi quando arremessaram pedras contra o imóvel, o que levou Janaína a procurar o comando da Polícia Militar, com a ajuda da vereadora.
A gente fica com medo. Não esperava que pessoas que se dizem cristãs fossem capazes de coisas horríveis. Se meu filho é diferente, é porque Deus quis que fosse assim. Um menino no corpo de uma menina. As pessoas têm que entender que a criança já nasce assim. Ela não quer trocar de sexo só porque quer. É algo mais profundo.
Sob a mira do MP
No dia 1° de junho, o Ministério Público da Bahia oficiou a Secretaria Municipal de Educação para que o órgão informe, no prazo de dez dias úteis, quais medidas estão sendo adotadas para a proteção do adolescente e se já expediu alguma orientação às escolas quanto à adoção do nome social dos estudantes. No momento, o MP aguarda as informações para dar andamento às investigações.
Por meio de nota, o MP disse que a notícia de fato recebida pelo órgão relata ainda que um pastor estaria incentivando a transfobia e o ódio ao adolescente. "Informamos que o MP também irá apurar eventuais condutas ilícitas e criminais que tenham sido cometidas contra o adolescente, já tendo determinado diligências para a identificação dos autores", conclui o órgão, na nota.
O projeto da vereadora Larissa Laranjeira deve ser colocado em votação novamente na próxima segunda-feira. "Já solicitei inclusive à prefeita Irenilda Magalhães, que intervenha junto ao Legislativo para que possamos aprovar esse projeto".
O UOL ainda não conseguiu contatar a Secretaria de Educação de Poções para obter um posicionamento.
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