Racismo e 'orgulho de ser macumbeiro'; veja episódio 3 de Preto no Branco

"Negro falava de umbanda, branco ficava cabreiro. 'Fica longe desse negro, que esse negro é feitiçeiro'". Com os versos do compositor e militante negro Geraldo Filme, Maria Gal introduz o terceiro episódio de Preto no Branco, que foi ao ar nesta quinta-feira (9), na Band News. O papo sobre religião e racismo contou com os convidados Julio Cezar de Andrade, ativista social e babalorixá, e Erica Malunguinho, educadora e deputada estadual de São Paulo.

Durante o programa os convidados contaram suas relações pessoais com as religiões de matriz africana, sobretudo o Candomblé. Para Malunguinho, essa conexão ocorreu por conta do resgate da história negra e indígena de seus antepassados. A partir dessa aproximação, conheceu o ritual dos "reis malunguinhos", que a ofereceram o "Malunguinho", de seu nome.

Já o ativista social Júlio César é filho de uma Ialorixá. Inserido nesse contexto desde criança, contou sobre o racismo religioso que sofreu durante a infância. "A gente não podia brincar na rua porque nós éramos 'os filhos da macumbeira'", disse. Atualmente, ele é babalorixá da casa Ile ASÉ Ayedun, localizada na Zona Leste de São Paulo, no bairro de Guaianases.

Orgulho de ser macumbeiro

De acordo com o babalorixá, o termo "macumba" pode ser usado de forma pejorativa e racista dependendo da forma como é usado.

"O racismo se dá nas relações sociais no processo de inferiorização de uma raça sob a outra. No cotidiano ele se manifesta pelas linguagens. Uma coisa é falar 'eu sou macumbeiro' e afirmar a minha identidade. A outra é apontar o dedo e dizer 'macumbeiro!'. Isso é reprodução do racismo", pontuou Andrade.

Para Malunguinho a afirmação da identidade é algo fundamental: "Poder dizer 'sou de axé, sou macumbeira, sou do terreiro' é muito importante".

O Candomblé e a Umbanda

No programa, o babalorixá reforçou que as religiões de matriz africana no Brasil possuem grande riqueza e diversidade. Com isso, explicou quais são as diferenças entre as duas manifestações mais populares.

"A Umbanda é uma religião originalmente brasileira, que nasce de um processo de articulação das várias religiões dos povos originários indígenas, do culto aos orixás africanos e do espiritismo kardecista. Já o Candomblé é uma religião africana, também criada no Brasil, com elementos das nações africanas de Jeje, Ketu, Efon e os vários outros grupos étnicos que se instalaram no país", sintetizou.

Racismo religioso

Os convidados explanaram sobre a forma como as religiões de matriz africana se instalaram no Brasil, marcadas pela perseguição no período da escravidão. Nessa época, o culto aos orixás foi legalmente proibido, assim como a capoeira e o samba, que também são manifestações culturais do povo preto. Com isso, os praticantes eram impedidos de demonstrar a sua fé e disfarçavam os seus cultos para não sofrerem retaliações.

"Meu avô praticava algo chamado de 'jurema de mesa', que era a jurema tradicional, mas sentado e sem tambores, para não chamar atenção dos vizinhos. A conexão espiritual se mantinha", contou Erica Malunguinho.

A educadora reforçou que para se ajustar ao poder colonial, as práticas religiosas dos negros escravizados precisaram mesclar seus símbolos com o das religiões cristãs. "Houve um processo de embranquecimento. As religiões africanas precisaram fazer associação aos santos da igreja católica para serem aceitos. Isso ocorreu para desassociar a ideia de que era 'coisa do demônio'", disse.

Segundo o babalorixá Julio Cezar de Andrade, a perseguição das religiões afro-brasileiras respaldada pela lei pode ser lido como racismo institucional religioso, que é, explicou ele, "o processo de criminalização do direito de manifestação de fé ao sagrado das tradições africanas". Com o olhar de ativista social, acrescenta que a violência contra os terreiros e seus frequentadores é uma forma de genocídio da população negra.

Maria Gal e os convidados também falam sobre apropriação cultural dos ritos religiosos do Candomblé e quais são os caminhos para um país com menos racismo e intolerância religiosa.

O programa "Preto no Branco" é uma série semanal liderada pela produtora e atriz Maria Gal. No último episódio, a apresentadora recebeu Renato Meirelles, fundador do Instituto Locomotiva, especializado em pesquisas sobre a classe C, D e E, sobre o potencial de consumo das periferias brasileiras e o empreendedorismo nas favelas. Nas próximas semanas, o programa irá debater temas como racismo no esporte, racismo e música e como ser antirracista.