Adolescente afastada da mãe por ritual de candomblé passa 40 dias em abrigo
Uma adolescente de 13 anos passou 40 dias em um abrigo da prefeitura de Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, após o Conselho Tutelar denunciar a mãe da menina por sequestro e cárcere privado, que teriam acontecido em um ritual de iniciação espiritual no candomblé, que durou três dias.
A cerimônia aconteceu em janeiro deste ano. Na época, a garota sofria com desmaios, o que levou a mãe a procurar ajuda religiosa. "Ela dava aquela crise, desmaiava, depois voltava. Eu perguntava se estava bem e ela respondia: 'Tô bem, mamãe'", detalhou a mãe da adolescente em entrevista ao "Fantástico", da TV Globo, exibido ontem.
Orientada pela mãe, a menina passou pelo processo de iniciação no candomblé, como uma opção alternativa de ajuda, mas os problemas surgiram quando a adolescente voltou às aulas, na Escola Estadual João Lopes Gontijo. Segundo a família, a aluna passou a sofrer preconceito na instituição por usar vestimentas ligadas à religião de matriz africana.
"Depois que ela fez essa limpeza espiritual, ficou uma semana na escola, de turbante e de contas e, de acordo com o depoimento da mãe, a escola informou que a filha não precisava mostrar aquilo", afirmou Isabela Cristina Dario, advogada da família, também em entrevista ao programa dominical.
Escola acionou Conselho Tutelar
Apesar da busca da mãe por ajuda, a adolescente continuou a ter crises convulsivas. Em fevereiro, após passar mal na escola, ela foi levada por funcionários até a UPA Acrízio Meneses, em Justinópolis, distrito de Ribeirão das Neves. Após avaliação na unidade de pronto atendimento, um laudo não atestou problemas neurológicos, mas recomendou que a paciente fosse avaliada por um especialista.
A mãe afirma que imediatamente iniciou uma busca por um médico da área indicada pelo posto.
"Só que no SUS eu não encontrava. Eu estava juntando dinheiro para procurar esse médico, mas não deu tempo", justificou a mulher, detalhando o que aconteceu até o dia 18 de maio deste ano, quando a filha foi retirada da casa da família após denúncia do Conselho Tutelar.
Na ocasião, a menina teve um outro desmaio na escola, que decidiu acionar agentes do órgão. Em um Boletim de Ocorrência, duas conselheiras tutelares que compareceram ao colégio relataram ferimentos nos braços da menina — que seriam recorrentes do processo de iniciação espiritual — e crises de convulsão, além de "comportamento de resistência da mãe", que, segundo a denúncia, acreditava que a filha sofria de um problema espiritual.
O Conselho Tutelar acionou o Ministério Público de Minas Gerais, que pediu à Justiça o "acolhimento" da adolescente. Ela foi retirada da casa da família dois dias após o registro do Boletim de Ocorrência, em 20 de maio, e levada para um abrigo da cidade, onde ficou 40 dias.
O exame de corpo de delito para investigar os supostos maus tratos relatados pelas conselheiras foi feito apenas em 15 de junho, quase um mês após o recolhimento e quase cinco meses após o retiro.
Os advogados da família da menina afirmam que a ação do Conselho Tutelar foi "precipitada".
"Existem outras medidas que o Conselho Tutelar pode tomar, comparecendo a casa da criança para ver como está a situação da infante, como estão as notas na escola, acompanhar a mãe e se ver se tem algum problema, fazer um encaminhamento pra psicóloga ou pra uma neurologista e não foi feito nada disso", afirmou Dario, defensora da mãe.
Em nota à TV Globo, o Conselho Tutelar de Ribeirão das Neves disse não se pronunciaria para preservar o sigilo do caso, mas alegou que "continuará atuando com a finalidade de garantir a proteção e os direitos de crianças e adolescentes".
Já o MPMG reafirmou que o afastamento de mãe e filha foi causado "pela violação de integridade física, restrição de liberdade e omissão de busca por tratamento de saúde". A escola em que a adolescente estudava não quis se manifestar.
Parecer vê preconceito religioso
A menina voltou para a casa da família na última quarta-feira (29), após a assistência social da prefeitura divulgar um relatório que enxergou preconceito no caso.
"Embora evidenciada a legítima intenção de proteger a adolescente, a ação dos agentes públicos revelou autoritarismo e racismo religioso", destacou o documento.
Entrevistada pelo "Fantástico", a sacerdotisa Iya Andréa de Oya, que realiza iniciações espirituais, afirma que o isolamento exigido no candomblé durante o processo não pode ser considerado cárcere privado.
"As pessoas que são iniciadas ficam em contato com o sagrado e nós não queremos que a energia do portão para fora venha nos atrapalhar, uma energia de tristeza, de confusão, até mesmo de tristeza", explicou a religiosa, que ainda negou que as marcas nos braços da menina fossem resultado de agressão. "São pequenos riscos que se faz sobre a pele do iniciado, seja ele adulto ou criança. São pequenos traços, nada de tortura, para machucar ou fazer mal".
Alexandre Marcussi, professor de História da África na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) também defendeu a história por trás do rito.
"São práticas que várias religiões tem e eu acho que ninguém chamaria de cárcere privado um retiro espiritual para o qual alguém foi para se purificar, ou algo do tipo", exemplificou.
Agora, assistentes sociais de Ribeirão das Neves devem monitorar o estado de saúde e psicológico da adolescente. A família vai pedir indenização pelos danos causados pelo episódio.
"Eu agora tô me sentindo livre, aqui dentro de casa. Aqui eu posso brincar na rua, né? Posso mexer no celular, lá não podia fazer essas coisas, não podia nem chegar no portão. De noite, tinha vez que eu chorava. Dormia chorando e acordava chorando de saudade", declarou a menina, que teve a identidade preservada.
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