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Foz: vigilante diz que atirador gritou 'aqui é Bolsonaro' antes de disparar

Herculano Barreto Filho e Saulo Pereira Guimarães

Do UOL, em São Paulo

17/07/2022 04h00Atualizada em 17/07/2022 16h07

Uma vigilante disse ter ouvido o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho gritar "aqui é Bolsonaro" antes de atirar e matar o guarda municipal Marcelo Arruda na noite de 9 de julho, quando ele comemorava o seu aniversário de 50 anos com uma festa temática do PT em Foz do Iguaçu (PR).

Embora conste no inquérito, o depoimento da vigilante não é citado na conclusão do relatório final da investigação. A Polícia Civil do Paraná, que pediu sigilo do processo à Justiça, concluiu na sexta (15) o inquérito com o indiciamento do atirador sob acusação de homicídio qualificado por motivo torpe e por causar perigo a outras pessoas. A pena pode variar de 12 a 30 anos de prisão. Na entrevista coletiva, a delegada Camila Cecconello descartou crime de ódio por motivação política, se baseando no relato da esposa do atirador.

Após a publicação desta reportagem, a Polícia Civil do Paraná enviou nota ao UOL em que afirma que "o indiciamento, além de estar correto, é o mais severo capaz de ser aplicado ao caso". (leia mais abaixo)

O que a vigilante disse

De acordo com a vigilante Daniele Lima dos Santos, que fazia ronda de moto na mesma rua da festa, Guaranho disse "aqui é Bolsonaro" em dois momentos: quando chegou pela primeira vez à chácara onde acontecia a festa, acompanhado da mulher e da filha de três meses, mas não desceu do carro — relato que já era conhecido —, e depois, ao voltar sozinho, instantes antes de disparar contra Arruda.

Em seu depoimento, a vigilante diz ainda que viu pelo retrovisor o veículo de Guaranho voltar em alta velocidade e que quase foi atropelada por ele. "No que ele entrou com tudo na chácara, eu só ouvi nitidamente ele falando 'aqui é Bolsonaro, porra'. Aí, dentro de dois minutos, começou o tiroteio", disse Daniele à polícia.

Segundo ela, os primeiros tiros foram disparados às 23h54. "Procurei achar apoio, ligar para polícia", conta a vigilante, que disse que também mandou uma mensagem de áudio para seu patrão informando sobre a situação.

Daniele afirmou não saber quanto tempo levou para o policial penal voltar ao local, mas, com base em depoimentos de outras testemunhas e imagens das câmeras de segurança, foi possível constatar que ele retornou cerca de 20 minutos depois.

Embora a investigação tenha concluído que o atirador foi ao local por motivação política para "provocar" os participantes da festa, já que é apoiador de Bolsonaro, a Polícia Civil entendeu não haver provas suficientes para constatar que houve crime de ódio, sem citar o vídeo da vigilante.

Em nota enviada à reportagem neste domingo (17), a Polícia Civil diz que "a qualificação por motivo torpe indica que a motivação é imoral, vergonhosa".

"Não há nenhuma qualificadora específica para motivação política prevista em lei, portanto isto é inaplicável", diz o texto. "Também não há previsão legal para o enquadramento como 'crime político', visto que a antiga Lei de Segurança Nacional foi pela revogada pela nova Lei de Crimes contra o Estado Democrático de Direito, que não possui qualquer tipo penal aplicável."

Os representantes legais da família da vítima citam o depoimento da vigilante para contestar a conclusão da Polícia Civil.

"A Polícia Civil ignorou esse depoimento quando da conclusão do relatório e sua divulgação na coletiva. Centrou-se no depoimento da esposa do criminoso, que está envolvida emocionalmente, e depôs acompanhada da advogada do marido", observou o advogado Daniel Godoy, um dos representantes legais da família de Arruda.

Segundo Godoy, o depoimento da vigilante comprova a premeditação do crime e reforça o crime de ódio por motivação política. "Inexplicável que a polícia tenha desconsiderado isso na conclusão da investigação", desabafou.

Na sexta (15), após a entrevista da delegada, especialistas ouvidos pelo UOL explicaram que, embora não haja tipificação penal para o crime com "motivação política", o conceito é aberto a interpretações.

A advogada Poliana Lemes Cardoso, que integra a equipe de defensores do atirador, disse aguardar a conclusão das perícias para verificar a leitura labial dos envolvidos na cena do crime. "A motivação dele efetivamente foi retornar em razão da primeira e injusta agressão que feriu a honra dele."

Inquérito será enviado ao MP

O inquérito agora será encaminhado ao Ministério Público do Paraná, que ficará encarregado de oferecer denúncia à Justiça.

Ao comentar a morte de Arruda ontem, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse se tratar de "uma briga estúpida e sem razão". Durante um discurso a evangélicos em uma igreja da Assembleia de Deus em Natal (RN), o presidente também reclamou de estar sendo associado ao crime.

"Sempre um lado quer culpar o chefe do outro lado: olha, o discurso dele levou à morte daquela pessoa lá em Foz do Iguaçu. Ora, meu Deus do céu. O meu discurso levou à morte daquela pessoa? Uma briga estúpida e sem razão?", questionou o presidente.

Nos dias que se seguiram à morte de Marcelo Arruda, Bolsonaro fez uma chamada de vídeo com familiares bolsonaristas da vítima. Na ligação, intermediada pelo deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), ele afirmou que "nada justifica" o crime cometido por Guaranho, mas reclamou das notícias que vinham associando a morte aos discursos violentos do presidente.