Indiciamento de atirador bolsonarista pode incluir crime político? Entenda
Após matar o guarda municipal Marcelo Arruda durante uma festa com temática do PT, o atirador bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho foi indiciado hoje (15) por homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e por causar perigo a outras pessoas. No entanto, a delegada Camila Cecconello, responsável pela investigação, afastou hipótese do crime ter tido motivação política. A pena pode variar de 12 a 30 anos de prisão.
Especialistas consultados pelo UOL explicam que o indiciamento foi feito com base em um crime que existe no Código Penal brasileiro —já que o "crime político" ou por "motivação política" é um conceito aberto a interpretações e não existem como tipificação penal. Mas afirmam que os relatos sobre o assassinato indicam motivações políticas por parte de Guaranho.
Em entrevista, mais cedo, Camila Cecconello, que é chefe da DHPP (Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa), disse que se baseou no relato da esposa de Guaranho para afastar a hipótese de crime de ódio.
"É difícil falar que ele matou pelo fato de a vítima ser petista", argumenta a delegada.
Apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), Guaranho estava em um churrasco e foi informado por um amigo sobre a festa temática, segundo as investigações. O boletim de ocorrência diz que, ao chegar ao local, Guaranho gritou "aqui é Bolsonaro".
Para você enquadrar em crime político contra o Estado Democrático de Direito, tem alguns requisitos, como impedir ou dificultar a pessoa de exercer seus direitos políticos. Quando [Guaranho] chegou [ao local do crime], ele não tinha a intenção de efetuar os disparos. Esse acirramento da discussão fez com que o autor voltasse e praticasse o homicídio."
Camila Cecconello, delegada
De acordo com a delegada, embora a investigação tenha concluído que o atirador foi ao local por motivação política para "provocar" os participantes da festa, a Polícia Civil entende não haver provas suficientes para constatar que houve crime de ódio —aqueles cometidos quando o criminoso seleciona intencionalmente a vítima porque ela pertence a um certo grupo.
A motivação do crime
Advogados ouvidos pela reportagem dizem que, até 2021, crimes considerados "crimes políticos" eram entendidos pelo Supremo Tribunal Federal como violações dos artigos da Lei da Segurança Nacional. Ela foi revogada ano passado.
Alexis Couto de Brito, doutor em Direito Denal pela USP (Universidade de São Paulo) e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Fadisp (Faculdade Autônoma de Direito), afirma que os crimes considerados políticos tinham motivação ideológica e que encontravam na Lei da Segurança Nacional sua previsão legal.
"Eram assim chamados pois a divergência política poderia transformar um crime comum previsto no Código Penal em outro previsto na Lei da Segurança Nacional. É uma nomenclatura antiga e que, com a revogação da lei, não teria mais um correspondente, salvo se os novos crimes contra o Estado Democrático de Direito puderem assumir esse papel", disse Brito.
No caso específico sobre a morte de Arruda, André Kehdi, ex-presidente do Conselho Consultivo do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), vê uma óbvia motivação política.
"O crime claramente foi praticado por motivação política, que é a intolerância em relação ao Partido dos Trabalhadores. Isso é óbvio e inegável. Juridicamente falando, a motivação política não muda a definição do crime praticado [homicídio duplamente qualificado]. Mas é um crime comum praticado com motivação política", afirma Kehdi.
O móvel do crime é a questão política. O que há é uma disputa de narrativa."
ndré Kehdi, advogado criminalista
Advogado criminalista formado pela USP, Pedro Martinez concorda e diz que a delegada errou ao dizer que a motivação política inicial se desenvolveu para uma motivação pessoal na hora de cometer o crime.
"Segundo a delegada, o autor estava em um churrasco e um amigo mostrou pelas câmeras que estava ocorrendo uma festa com o tema do Partido dos Trabalhadores. Então, o autor foi ao local com música alusiva a Bolsonaro e armado, apontando ainda no primeiro momento sua arma aos presentes", descreveu o advogado, citando a entrevista desta manhã. "Depois [Guaranho] retornou sem a esposa e a filha e já entrou no local atirando. Como dizer que isso não se trata de um crime por motivação política? Não preciso que um artigo do Código Penal especifique isso para que a sociedade veja a conduta dessa forma."
Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello afirma que "de início" é difícil apontar que um crime tem motivação política e diz que o caminho ideal é aguardar a coleta de provas.
"Precisamos verificar o inquérito policial para elucidar certos fatos e também aguardar a denúncia do Ministério Pública, como o órgão irá tipificar o crime. É muito cedo para enquadrarmos. Não podemos supor o extraordinário, o extravagante. De início, para mim, fica um crime comum", disse.
A Polícia Civil levou cinco dias para concluir o inquérito, que contou com 17 depoimentos e a análise das imagens captadas pelas câmeras de segurança no local do crime, que registraram o assassinato.
Os representantes legais da família de Arruda criticam o que entendem ter sido uma "conclusão apressada" do inquérito, sem que ao menos fosse analisado o conteúdo do celular do atirador. No entendimento dos advogados que representam os interesses da família do petista morto, é necessário investigar se há a eventual participação de terceiros no crime.
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