Crime de ódio x legítima defesa: as versões para o assassinato de petista
Com a conclusão dos depoimentos e da análise do vídeo no inquérito policial do assassinato do guarda municipal Marcelo Arruda, morto a tiros no último sábado (9) enquanto comemorava o aniversário de 50 anos com uma festa temática do PT em Foz do Iguaçu (PR), há duas versões sustentadas pelos advogados envolvidos no caso.
Os representantes legais da família do petista dizem que houve crime de ódio por motivação política, já que o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho deu início à confusão com gritos em referência ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e xingamentos ao PT. Contudo, os advogados do assassino alegam legítima defesa ao citar que Arruda estava com arma em punho quando o atirador voltou ao local.
O advogado Daniel Godoy, um dos representantes da família do petista morto, entende que houve uma escalada de violência, iniciada quando o policial penal foi de carro ao local com música em alusão ao presidente. Ao manobrar o veículo, o policial penal gritou "Bolsonaro mito" e fez xingamentos ao PT, segundo testemunhas ouvidas pela Polícia Civil do Paraná. A esposa e a filha dele de 3 meses estavam no banco de trás.
"Ele [Guaranho] deixou a esposa em casa e voltou para praticar o assassinato. Foi um crime de ódio por motivação política, tipificado como homicídio qualificado por motivo fútil", avalia. Segundo ele, a pena pode variar de 12 a 30 anos de prisão.
A esposa do policial penal confirmou essa versão. "[Os convidados da festa] ouviram essa música e acharam ruim. Meu esposo fez a volta e falou: 'Bolsonaro mito'. A pessoa que estava lá dentro pegou terra e pedras e tacou no nosso carro", disse, em entrevista a uma filiada da TV Globo no Paraná.
Legítima defesa; advogado contesta
Para justificar a tese de legítima defesa, os advogados do policial penal citam as imagens captadas pelas câmeras de vigilância usadas pela Polícia Civil do Paraná como evidências do crime.
"Ele sai de dentro do carro desarmado. Mas já havia uma arma apontada para ele. Só nesse momento, ele saca a arma. Se tivesse intenção de matar, já teria descido atirando", alega o advogado Cleverson Leandro Ortega.
Godoy, um dos representantes da família da vítima, contesta. "Ele já sai do carro com a pistola na mão. A esposa do Arruda [uma policial civil] mostrou o distintivo para tentar impedi-lo. Mesmo assim, ele atirou quando ainda estava do lado externo".
Atirador 'queria conversar', diz defesa
A advogada Poliana Lemes Cardoso, uma das defensoras do atirador, disse que Guaranho só voltou ao local para conversar. Segundo ela, a versão se baseia no relato da esposa do policial penal, internado em estado grave na UTI do Hospital Ministro Costa Cavalcante. Após abrir fogo contra Arruda, ele foi baleado nas duas pernas e no rosto. No chão, levou chutes na cabeça dados por convidados da festa.
"No local, o aniversariante jogou terra no carro dele. [Ao deixar a esposa em casa] ele falou: 'eu vou lá para conversar com esse cara'. Ele estava revoltado com a situação, e voltou por ter se sentido ofendido".
Segundo ela, Guaranho era sócio do clube onde Arruda comemorava o aniversário e costumava fazer rondas no entorno, próximo a uma favela e onde há relatos de roubos, segundo a defensora. "É o local onde ele ia duas vezes por semana para jogar bola, e onde confraternizava com amigos. Era como se fosse a extensão da casa dele", relata a advogada.
Embora as imagens mostrem que o policial penal se aproximou de Arruda para atirar já dentro do local da festa, ela sustenta a tese de que havia um confronto e que Guaranho tentava se defender. "Ambos atiravam um no outro".
'Tiro quase à queima-roupa'
O advogado Daniel Godoy, um dos representantes da família do petista morto, rebate a versão de que Guaranho não tinha intenção de matar.
Legítima defesa se caracteriza como a ação que repele a injusta agressão. Não foi o que aconteceu. Quem chega com a arma em punho e atira é o Guaranho. Ele disse que iria voltar e voltou. É a prova do dolo, da intenção de matar"
Daniel Godoy, advogado da família da vítima
"Ele atirou duas vezes para dentro do salão [onde estava a vítima]. Então, entrou no local e desferiu mais um tiro quase à queima-roupa. Não foi legítima defesa. Só depois de atingido e caído no chão é que Marcelo atira", argumenta.
No atestado de óbito, ao qual o UOL teve acesso, consta que Arruda morreu em decorrência de "lesões intra-abdominais por projétil de arma de fogo", em razão do disparo dado no momento em que Guaranho se aproxima da vítima no chão, como mostram as câmeras que registraram o crime.
'Bolsonaro instiga clima de violência e ódio'
O advogado Daniel Godoy vê com preocupação o cenário de intolerância política a menos de três meses das eleições. No entendimento dele, materializado no assassinato do petista morto a tiros pelo policial penal bolsonarista.
O defensor cita o que entende ser um "clima de instigação à violência e ao ódio" no discurso do presidente. Em 2018, Jair Bolsonaro falou em "fuzilar a petralhada". Na terça-feira (12), disse que a expressão foi usada "no sentido figurado".
"O Brasil é um Estado Democrático de Direito, onde deve haver liberdade e tolerância política sem discriminação. O Bolsonaro instiga um clima de violência e ódio, que se reproduz nas atitudes dos seus eleitores", ataca Godoy. "Vamos ter uma eleição muito violenta se a gente não colocar um fim nesse tipo de ação", complementa.
A Presidência da República não se manifestou após ser questionada pela reportagem sobre as críticas feitas pelo advogado.
Como estão as investigações
A Polícia Civil do Paraná já ouviu 17 pessoas e finalizou a análise técnica das imagens das câmeras de segurança captadas no local do crime. O inquérito foi concluído ontem e será encaminhado ao MP hoje.
O Ministério Público do Paraná solicitou nesta quarta-feira (13) à Justiça que seja decretado sigilo no inquérito. No pedido, a promotoria solicitou à investigação uma série de medidas. Entre elas, o exame do conteúdo do aparelho celular do autor do crime e a requisição da ficha funcional de Guaranho junto ao Depen (Departamento Penitenciário Nacional).
O promotor Tiago Lisboa Mendonça solicita o sigilo do inquérito, para evitar interferência na investigação conduzida pela Polícia Civil do Paraná.
"Trata-se de fato grave, de grande repercussão. O acesso indiscriminado aos autos (...) poderá tumultuar e interferir negativamente nas investigações, sobretudo em razão da existência de diversas diligências investigatórias ainda em curso", diz um dos trechos do documento, ao qual o UOL teve acesso.
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