Polícia indicia bolsonarista por homicídio, mas não vê crime político
A Polícia Civil do Paraná indiciou hoje o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho por homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e por causar perigo a outras pessoas. A pena pelo crime pode variar de 12 a 30 anos de prisão. O guarda municipal Marcelo Arruda foi morto a tiros no último sábado (9) enquanto comemorava o aniversário de 50 anos com uma festa temática do PT em Foz do Iguaçu.
Embora a investigação tenha concluído que o atirador foi ao local por motivação política para "provocar" os participantes da festa, já que é apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), a Polícia Civil entende não haver provas suficientes para constatar que houve crime de ódio. Os advogados da vítima contestam a conclusão do inquérito.
"Não há provas de que ele voltou para cometer crime político. É difícil falar que ele matou pelo fato de a vítima ser petista. Ele voltou porque se mostrou ofendido pelo acirramento da discussão", argumentou a delegada Camila Cecconello, chefe da DHPP (Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa) e responsável pela investigação, em entrevista coletiva concedida hoje de manhã em Foz do Iguaçu.
Ela disse ainda ter se baseado no depoimento da própria esposa do atirador bolsonarista para apurar o que motivou o seu retorno ao local do crime. "Ele teria dito [à esposa]: 'isso não vai ficar assim, nós fomos humilhados. Eu vou retornar'".
O advogado Ian Vargas, um dos representantes legais da família da vítima, discorda do indiciamento e disse que irá buscar esse posicionamento durante o processo na Justiça. "A defesa da vítima reafirma que a motivação do crime foi intolerância política. Agora aguardaremos a posição do Ministério Público".
A advogada Poliana Lemes Cardoso, que integra a equipe de defensores do atirador, disse aguardar a conclusão das perícias para verificar a leitura labial dos envolvidos na cena do crime. "A motivação dele efetivamente foi retornar em razão da primeira e injusta agressão que feriu a honra dele".
O inquérito agora será encaminhado ao Ministério Público do Paraná, que ficará encarregado de oferecer denúncia à Justiça.
Crime por 'escalada da discussão', diz delegada
Questionada pelo UOL durante a coletiva, a delegada disse não ter feito o indiciamento por crime político por entender que não há comprovação de que o atirador pretendia impedir a vítima de exercer os seus direitos políticos.
"Para você enquadrar em crime político contra o Estado Democrático de Direito, tem alguns requisitos, como impedir ou dificultar a pessoa de exercer seus direitos políticos. Quando [Guaranho] chegou [ao local do crime], ele não tinha a intenção de efetuar os disparos. Esse acirramento da discussão fez com que o autor voltasse e praticasse o homicídio".
Embora afaste o crime de ódio, Cecconello reconhece que houve desavença política. Contudo, no entendimento dela, o crime ocorreu em decorrência da "escalada da discussão". "Parece algo que virou pessoal entre duas pessoas que discutiram por motivações políticas", explicou.
No indiciamento, a Polícia Civil também citou como agravante do crime a possibilidade de ter atingido de "oito a dez pessoas" que estavam na festa. Um inquérito paralelo foi aberto para apurar a ação de três pessoas que agrediram o atirador com chutes na cabeça quando ele já estava no chão após ter sido baleado no confronto.
"Vai ter de ser determinado se as lesões causadas nele vão evoluir para um óbito. Se sim, qual terá sido a causa, se foram os disparos efetuados pelo Marcelo em legítima defesa ou se os chutes contribuíram para isso", disse Cecconello.
A delegada também descartou a hipótese de legítima defesa, já que o bolsonarista decidiu atirar.
Atirador ficou sabendo da festa em um churrasco
A delegada Camila Cecconello disse que o atirador ingeria bebidas alcoólicas quando ficou sabendo da festa em homenagem ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um churrasco do futebol com amigos. Segundo a delegada, ele então decidiu ir ao local, onde se envolveu em uma discussão envolvendo divergências políticas.
De acordo com a investigação, um dos amigos do policial penal que monitorava a festa por aplicativo do celular mostrou que havia uma festa temática em homenagem ao PT. Com isso, descartou a versão de que Guaranho estava fazendo uma ronda no local.
"O autor dos fatos estava comemorando e ingerindo bebidas alcoólicas. [Ao saber da festa alusiva ao PT] o autor não comenta nada. Apenas pergunta onde está acontecendo a festa", relatou a delegada. "Ele foi lá realmente no intuito de provocar a vítima. Fica muito clara que houve uma provocação e uma discussão em razão de políticas", completou.
A Polícia Civil levou apenas cinco dias para concluir o inquérito, que contou com 17 depoimentos e a análise das imagens captadas pelas câmeras de segurança no local do crime, que registraram o assassinato.
Os representantes legais da família de Arruda criticam o que entendem ter sido uma "conclusão apressada" do inquérito, sem que ao menos fosse analisado o conteúdo do celular do atirador. No entendimento dos advogados que representam os interesses da família do petista morto, é necessário investigar se há a eventual participação de terceiros no crime.
Como foi o crime
Guaranho foi lá de carro com a esposa e a filha de 3 meses no banco de trás ao local da festa. Chegou lá ao som de uma música em alusão ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Após manobrar, gritou "Bolsonaro mito" e fez insultos ao PT, de acordo com o relato de testemunhas.
Arruda saiu da festa com convidados e jogou terra na direção do veículo, como mostram as imagens das câmeras de segurança. Guaranho então mostrou a arma e saiu, dizendo que voltaria.
Ao retornar, desceu do veículo e atirou em direção ao interior da festa. Imagens internas mostram quando ele atirou em Arruda, atingido no peito. O guarda municipal revidou, acertando o atirador nas pernas e no rosto. Após cair, o assassino levou chutes na cabeça dados pelos convidados. Ele está internado em estado grave na UTI de um hospital de Foz do Iguaçu.
Crime de ódio x legítima defesa: versões do caso
Os defensores da família do petista dizem que houve crime de ódio por motivação política. Contudo, os advogados do assassino alegam legítima defesa ao citar que Arruda estava com arma em punho quando o atirador voltou ao local.
O advogado Daniel Godoy, um dos representantes da família do petista morto, entende que houve uma escalada de violência, iniciada quando o policial penal foi de carro ao local com música em alusão ao presidente.
"Ele [Guaranho] deixou a esposa em casa e voltou para praticar o assassinato. Foi um crime de ódio por motivação política, tipificado como homicídio qualificado por motivo fútil", avalia.
Para justificar a tese de legítima defesa, os advogados do policial penal citam as imagens captadas pelas câmeras de vigilância usadas pela Polícia Civil do Paraná como evidências do crime.
"Ele sai de dentro do carro desarmado. Mas já havia uma arma apontada para ele. Só nesse momento, ele saca a arma. Se tivesse intenção de matar, já teria descido atirando", alega o advogado Cleverson Leandro Ortega.
Godoy, um dos representantes da família da vítima, contesta. "Ele já sai do carro com a pistola na mão. A esposa do Arruda [uma policial civil] mostrou o distintivo para tentar impedi-lo. Mesmo assim, ele atirou quando ainda estava do lado externo".
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