'Foi ato político', diz irmão sobre morte de petista em Foz do Iguaçu
Familiares e amigos de Marcelo Arruda realizaram hoje um ato pela paz, em homenagem ao petista assassinado no último sábado (9) na própria festa de aniversário pelo bolsonarista Jorge José da Rocha Guaranho. A Polícia Civil afastou a hipótese de crime de ódio com motivação política, com base no depoimento da esposa do atirador, mas a tese foi contestada por familiares no evento que reuniu dezenas de pessoas na Praça da Paz, em Foz do Iguaçu (PR).
Luiz Donizete, irmão de Marcelo, afirmou que não tem dúvidas de que o homicídio do irmão foi "um ato político". "Aquele camarada [Guaranho] chegou lá e só teve aquela reação maldita porque viu um movimento [político] diferente do dele. E qual é o problema de o Marcelo ter um movimento diferente de qualquer outra pessoa?", questionou.
Todas as falas de familiares de Marcelo e líderes de movimentos sociais que estiveram no local foram na direção de pregar por mais paz e menos violência no contexto político. Havia faixas e cartazes com a expressão "Marcelo Arruda presente".
Na avaliação de Luiz Donizete, barrar a escalada de violência é importante para que outras famílias não sofram perdas. "A gente tem que ter um Brasil único, de brasileiros, que queiramos viver em paz", disse.
Junto com seu irmão José, Luiz conversou por telefone com o presidente Jair Bolsonaro (PL) na última semana. Ambos são simpatizantes de Bolsonaro. Na ocasião, o presidente convidou a família para uma coletiva de imprensa no Palácio do Planalto. O deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), vice-líder do governo na Câmara, chegou a dizer que os irmãos tinham a intenção de ir a Brasília — mas isso ainda não ocorreu.
Independentemente de lado A ou B, [temos que] condenar todo e qualquer ato de violência, seja ele de qual lado for. Isso a gente não pode abrir mão. Não é proibido você ter uma opção política, o que é proibido, é inaceitável é a agressão do ser humano ao ser humano, como meu irmão recebeu naquele momento. Isso tem que ser condenado"
Luiz Donizete, que teve o irmão assassinado em Foz do Iguaçu
Em entrevista ao colunista do UOL Chico Alves, Pâmela Suellen Silva, viúva de Marcelo, disse estar surpresa com o contato entre os cunhados e o presidente.
A viúva afirmou que, apesar de ter posição política divergente, seu marido sempre respeitou os irmãos e eles sempre conversavam. Luiz, inclusive, foi quem providenciou o local para a comemoração do aniversário, e só não esteve presente porque precisou resolver "uma emergência" em outra cidade. A cunhada de Marcelo, esposa de Luiz, contudo, participou da festa.
'Não desejo a ninguém'
No ato pela paz realizado hoje, Luiz reforçou a proximidade com o irmão e disse que diferenças políticas não são motivo para ódio: "Não é porque ele [Marcelo] tinha um lado político, de repente, diferente do meu que o amor de família, de cidadãos, de nós brasileiros, tem que ser diferente".
Pâmella Silva pediu justiça nas investigações e lamentou que o filho caçula, de 45 dias, não pode conviver com o pai.
"Eu não desejo a ninguém essa dor que estamos sentindo. Não sei como vai ser daqui para frente com os meus filhos. O Pedro tem 45 dias e não vai ter nem a chance de ter convivido com o pai. Eu só peço por justiça pelo nome do Marcelo, pela história que ele teve, e pela família do Marcelo, que não pode ser desvinculada do nome do Marcelo. É uma família humilde, mas muito unida e com muito amor", disse a viúva.
Ao final do ato, balões brancos com sementes de árvores foram soltos no céu de Foz do Iguaçu.
Polícia reafirma falta de elementos para classificar como crime político
Em nota divulgada hoje, a Polícia Civil do Paraná reafirmou que o indiciamento por homicídio qualificado por motivo torpe e perigo comum, "além de estar correto, é o mais severo capaz de ser aplicado ao caso".
A instituição também afirmou que seu trabalho é pautado "exclusivamente na técnica", e que opiniões políticas "estão fora de suas atribuições".
Contudo, políticos petistas avaliam que classificar como crime de ódio poderia ser importante para desestimular comportamentos agressivos no período eleitoral. A nota da Polícia Civil ainda diz que "não há nenhuma qualificadora específica para motivação política prevista em lei, portanto isto é inaplicável".
Veja a nota completa:
"A Polícia Civil do Paraná (PCPR) informa que o inquérito policial, da morte do guarda municipal Marcelo Aloízio de Arruda, foi concluído com o autor sendo indiciado por homicídio qualificado por motivo torpe e perigo comum. A qualificação por motivo torpe indica que a motivação é imoral, vergonhosa. A pena aplicável pode chegar a 30 anos. Não há nenhuma qualificadora específica para motivação política prevista em lei, portanto isto é inaplicável. Também não há previsão legal para o enquadramento como "crime político", visto que a antiga Lei de Segurança Nacional foi pela revogada pela nova Lei de Crimes contra o Estado Democrático de Direito, que não possui qualquer tipo penal aplicável. Portanto, o indiciamento, além de estar correto, é o mais severo capaz de ser aplicado ao caso.
A PCPR é uma instituição de Estado e sua atuação é pautada exclusivamente na técnica. Opiniões ou manifestações políticas estão fora de suas atribuições expressas na Constituição Federal."
Vigilante diz que atirador gritou 'aqui é Bolsonaro' antes de disparar
Uma vigilante disse que ouviu Guaranho gritar "aqui é Bolsonaro" antes de matar Marcelo. Embora conste no inquérito, o depoimento da vigilante não é citado na conclusão do relatório final da investigação.
De acordo com a vigilante Daniele Lima dos Santos, que fazia ronda de moto na mesma rua da festa, Guaranho disse "aqui é Bolsonaro" em dois momentos: quando chegou pela primeira vez à chácara onde acontecia a festa, acompanhado da mulher e da filha de três meses, mas não desceu do carro — relato que já era conhecido —, e depois, ao voltar sozinho, instantes antes de disparar contra Arruda.
Em seu depoimento, a vigilante diz ainda que viu pelo retrovisor o veículo de Guaranho voltar em alta velocidade e que quase foi atropelada por ele. "No que ele entrou com tudo na chácara, eu só ouvi nitidamente ele falando 'aqui é Bolsonaro, porra'. Aí, dentro de dois minutos, começou o tiroteio", disse Daniele à polícia.
Segundo ela, os primeiros tiros foram disparados às 23h54. "Procurei achar apoio, ligar para polícia", conta a vigilante, que disse que também mandou uma mensagem de áudio para seu patrão informando sobre a situação.
Daniele afirmou não saber quanto tempo levou para o policial penal voltar ao local, mas, com base em depoimentos de outras testemunhas e imagens das câmeras de segurança, foi possível constatar que ele retornou cerca de 20 minutos depois.
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