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'Minha luta': Grupo tenta proibir obra nazista em SP; no RJ, já é lei

Edição alemã do livro "Mein Kampf" (Minha Luta) de Adolf Hitler - Tobias Schwarz/AFP
Edição alemã do livro "Mein Kampf" (Minha Luta) de Adolf Hitler Imagem: Tobias Schwarz/AFP

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

03/08/2022 20h09

Desde janeiro deste ano, no Rio de Janeiro, a proibição de venda e circulação do livro "Minha Luta" (ou "Mein Kampf, em alemão), escrito pelo ditador nazista Adolf Hitler já é uma realidade. Porém, entidades ligadas à comunidade judaica de outros estados brasileiros, como a Fisesp (Federação Israelita do Estado de São Paulo), ainda lutam para conseguir banir a obra das prateleiras das livrarias. O assunto voltou a ser discutido após os ataques racistas de um homem na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo — ele acabou preso em flagrante.

A proibição ao livro, que alguns chegam a considerar uma incitação ao genocídio, não chega a ser inédita. Lançada pela Editora Globo em setembro de 1934, em Porto Alegre, a obra acabou proibida pela ditadura Vargas em 1942. A tiragem impressa foi queimada por ordem do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) do governo.

"Minha luta", porém, foi reimpresso em 1962, pela paulista Mestre Jou. Mas a edição acabou proibida e seus exemplares, apreendidos graças a uma portaria publicada no mesmo ano. Quando os militares assumiram o poder, o livro permaneceu vetado, pois era considerado "subversivo" pelas autoridades à época.

Em 1983, apesar da interdição, foi republicado pela Editora Moraes. A partir daí, outras editoras de diversas partes do Brasil se interessaram em replicar o material. Hoje ele é facilmente encontrado à venda pela Internet, seja em pequenas livrarias virtuais ou em grandes magazines.

No Rio de Janeiro, a lei que proíbe a circulação da obra partiu de projeto dos vereadores Teresa Bergher e Prof. Célio Luparelli e já foi sancionada pelo prefeito Eduado Paes. O entendimento pela proibição, no entanto, veio antes. Em 2016, uma decisão da Justiça do Rio proibiu a comercialização de "Minha Luta". Na ocasião, a Justiça entendeu que a obra incita práticas de intolerância contra grupos sociais, étnicos e religiosos.

Leitura com "efeitos colaterais"?

Ricardo Berkiensztat, presidente executivo da Fisesp (Federação Israelita do Estado de São Paulo), considera que a comercialização de conteúdos como o de "Minha Luta" pode configurar algo nocivo para os leitores, principalmente aqueles cujo interesse pela obra não se origina no debate histórico.

Ele diz que, por várias vezes, tanto a Fisesp quando a Conib (Confederação Israelita do Brasil) tentaram demonstrar a influência negativa que o livro de Hitler pode ter sobre uma pessoa. Porém, quase todas as tentativas de criminalizar o conteúdo caíram por terra. A justificativa estaria na "liberdade" que as pessoas teriam de utilizar o livro como objeto de interesse histórico.

No Rio de Janeiro, a força do protesto das entidades judaicas teve um impacto maior, afinal, lá, eles conseguiram proibir sua circulação. Mas não conseguimos fazer o mesmo em São Paulo. Esse livro é como um manual das práticas genocidas defendidas por Hitler. Se ele cai nas mãos de pessoas com uma certa inclinação de espírito para o ódio, para a radicalização, é claro que ele pode ser perigosíssimo.
Ricardo Berkiensztat, presidente executivo da Fisesp

Berkiensztat afirma que, apesar das dificuldades, continuará lutando contra o preconceito e os discursos de ódio. "Sejam eles contra judeus, negros, homossexuais, não importa. Se eu assisto um ato de ódio contra um ser humano e não faço nada, me torno conivente", afirma.

O ex-presidente da Conib e atual comissário da Organização dos Estados Americanos (OEA) para Monitoramento e Combate ao Antissemitismo, Fernando Lottenberg, acredita que uma prova da nocividade da obra está no fato de que o próprio Estado da Baviera, herdeiro dos direitos autorais após a guerra, tenha se recusado a republicar a obra. Quando permitiu uma publicação, após anos de proibição, incluiu comentários de acadêmicos e contextualização, além de manter a circulação limitada.

Não é uma questão de censura versus liberdade de expressão. Estamos assistindo com preocupação uma expansão do interesse pelos ideais nazistas na América Latina nos últimos anos. São movimentos espasmódicos e não lineares, mas o fato é que ainda existem grupos que cultuam os mesmos hábitos, símbolos e filosofia dos nazistas.
Fernando Lottenberg, comissário da Organização dos Estados Americanos (OEA)

Segundo Lottenberg, os brasileiros nunca deveriam se esquecer de que, durante o período da Segunda Guerra, o maior partido nazista fora da Alemanha estava exatamente aqui, no Brasil, com mais de 3 mil membros ativos.

Além disso, a América Latina se tornou refúgio de vários criminosos de guerra, como Josef Mengele, o médico conhecido por suas experiências desumanas com os prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz. Ele viveu escondido no Brasil por quase 20 anos.

"Acredito que só existem duas maneiras de mitigarmos o avanço dos ideais nazistas e o primeiro deles passa pela educação. Temos que ensinar às pessoas o que foi esse movimento e o terror que ele provocou nas vidas de milhões de pessoas", opina Lottenberg.

"O segundo é continuarmos pressionando pela formação de leis que de fato possam prevenir a circulação desse tipo de obra e punir quem insista em disseminá-la. Pelo que tenho conhecimento, apenas o Rio de Janeiro conseguiu esse feito. Outros estados devem continuar insistindo para que essa proibição se estenda a todo o território nacional".