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Tourette: Jovem faz alerta sobre síndrome que a faz até xingar sem querer

Victoria Fernandes, 15, foi diagnosticada com Síndrome de Tourette e faz vídeos nas redes sociais para falar sobre assunto - Arquivo Pessoal
Victoria Fernandes, 15, foi diagnosticada com Síndrome de Tourette e faz vídeos nas redes sociais para falar sobre assunto Imagem: Arquivo Pessoal

Do UOL, em São Paulo

10/08/2022 11h28Atualizada em 10/08/2022 11h33

Uma adolescente de 15 anos que sofre com a Síndrome de Tourette ganhou mais de 1 milhão de curtidas e mais de cinco milhões de visualizações nas redes sociais após usar o TikTok para expor sua realidade e os problemas com os quais convive desde o seu diagnóstico, que vão desde fazer movimentos involuntários a dizer palavrões sem querer e ter que evitar objetos rotineiros, como uma faca.

Victoria Nobre Fernandes, estudante do ensino médio que mora no Guarujá (SP) com a mãe, o irmão e a avó, começou a mostrar os primeiros sintomas da síndrome, que provoca tiques incontroláveis, em setembro de 2021, mas só foi diagnosticada no começo de 2022.

Entre os movimentos involuntários, a síndrome faz com que Victoria diga "fuck you, bitch", ("vai se foder, vadia", na tradução para o português), além de mostrar o dedo do meio durante as falas rotineiras. No entanto, ela afirma que os tiques não aparecem 24 horas por dia.

Desde que foi diagnosticada, ela começou a usar o TikTok como uma ferramenta de desabafo e conscientização.

Em um dos vídeos da adolescente, no qual ela relata tratamentos pelos quais está passando em um hospital, tem mais de 3 milhões de visualizações. No outro, em que ela pede a divulgação da história dela e de outras pessoas com Tourette para que o problema fosse mais abordado, ela ganhou pouco mais de um milhão.

"Não é um caso muito conhecido, não são muitas pessoas que têm a síndrome. Poucas pessoas comentam sobre. Seria legal se a gente conscientizasse essas pessoas, para que elas soubessem como lidar com as pessoas que sofrem com a Síndrome de Tourette. Parei de trabalhar, parei de tudo. Só tomo medicamentos", contou a jovem na publicação.

Apesar do apelo, Victoria conta que não esperava que os vídeos fizessem tanto sucesso na rede social.

"Eu não imaginava que isso iria acontecer. Muita gente me procurou quando fiz os vídeos", afirma em entrevista ao UOL.

Diagnóstico

A mãe de Victoria, Lucineide Nobre Bispo, 57, conta que os primeiros sinais da síndrome na filha foram imperceptíveis para ela.

"Uma professora da escola que observou [o comportamento], mas a gente, na ignorância do conhecimento, pensou que ela estava ansiosa. Eu ainda brigava com ela, falava 'filha, para de assoviar', ela falava 'mãe, não é porque eu quero'", conta Lucineide em entrevista ao UOL.

Quando a adolescente foi se vacinar, um médico percebeu o comportamento diferente e a encaminhou a uma neurologista, que sinalizou o diagnóstico da síndrome após uma série de análises.

Desde então, Lucineide, que já cuidava da mãe acamada, precisou deixar o emprego como faxineira de lado para acompanhar a rotina da filha em casa e nas idas ao médico.

Entre os tratamentos experimentais para melhorar os sintomas da síndrome, sem cura até o momento, esteve o cannabidiol, que não funcionou para a adolescente. Hoje, segundo a mãe, a garota toma dois medicamentos que melhoram "cerca de 85%" dos sintomas. Ainda assim, Victoria não consegue levar a vida que tinha antes de 2021.

Mãe de Victoria largou emprego para poder auxiliar no tratamento da filha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Mãe de Victoria largou emprego para poder auxiliar no tratamento da filha
Imagem: Arquivo pessoal

"Eu era uma pessoa que trabalhava, estudava, fazia curso, agora não posso estudar direito, não posso trabalhar porque eu faço barulho e me machuco, não posso segurar nem um garfo e uma faca", desabafa a adolescente.

A rotina escolar, que acabara de retornar à normalidade após a pandemia da covid-19, também foi afetada. Para que Victoria frequente as aulas, ela precisa da companhia de um professor auxiliar. O pedido pelo profissional foi feito no mês de março, segundo a família, mas não foi atendido até o momento.

"Fui à escola, levei os documentos, levei até a Victória para que eles vissem que não era brincadeira. Falei com o coordenador, me ligaram, falaram que tinham mandado a papelada para a Secretaria de Educação, mas até o momento nada. Ela chora muito. A médica deu autorização para ela retornar à escola, mas meu medo é como ela vai voltar à escola sem a professora auxiliar", explica a mãe.

O UOL entrou em contato com a Secretaria de Educação de São Paulo, responsável pela administração da escola na qual a adolescente estuda, em busca de informações sobre o trâmite de contratação de um professor auxiliar para as aulas dela e em busca de dados sobre como a contratação desses profissionais é feita e ainda não obteve resposta.

Repercussão dos vídeos

Como boa parte dos conteúdos que "viralizam" no TikTok, o vídeo de Victoria recebeu uma enxurrada de comentários - positivos e negativos. Ela conta que, a princípio, muitos trataram a condição dela como um simples fingimento.

"Percebi que as pessoas começaram a achar que era fingimento, depois vieram as pessoas me defendendo, depois começaram a acreditar", explica. Segundo ela, outras pessoas também compartilharam experiências com a síndrome, que, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), atinge 1% das pessoas no mundo.

A mãe da adolescente analisa, porém, que a maior parte dos comentários foram dando força a ela. "Eu li as mensagens de algumas pessoas. Acho que 90% foram comentários positivos, mandaram muita luz para ela, palavras carinhosas", afirma a mãe.

Mesmo com os obstáculos que dificultam a rotina, Victoria continua a fazer planos para o futuro. "Se tudo der certo, eu quero fazer uma faculdade de psicologia", projeta. "Se tudo der não, vai dar", corrige a mãe.

Entenda a Síndrome de Tourette

A Síndrome se trata de uma doença neuropsiquiátrica, de início geralmente na infância. Normalmente acomete mais os homens e se caracteriza por comprometimento psicológico e social. Segundo Renato A. Chaves, neurocirurgião pela Famerp (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto), especialista em cirurgia de cérebro e coluna, as causas não são 100% conhecidas, mas pesquisas científicas sugerem a existência de componentes genéticos e de anomalias em neurotransmissores cerebrais, principalmente na dopamina.

De acordo com ele, os sintomas mais comuns são fenômenos compulsivos, cacoetes que, muitas vezes, resultam em uma série repentina de múltiplos titiques motores e um ou mais tiques vocais, com duração de pelo menos um ano, tendo início antes dos 18 anos de idade. "Eles são subdivididos em simples e complexos. Começam por tiques simples, evoluindo para os mais complexos, variando de paciente para paciente". Os tiques pioram com situações de estresse e cansaço.

Ainda não existe cura, mas há uma série de tratamentos que controlam o distúrbio. Entre eles estão os medicamentos que regulam a serotonina e a dopamina, e a participação do paciente em processos terapêuticos, como terapias comportamentais e psiquiátricas.