Presidente não poderia legalizar aborto e fechar igrejas por conta própria
A possibilidade de um candidato, se eleito, legalizar o aborto e fechar igrejas foi amplamente divulgada durante a campanha à Presidência do Brasil. Mas a verdade é que mesmo se o presidente quisesse liberar a prática não conseguiria. Seria necessária uma mudança na legislação para flexibilizar as leis atuais, e isso não depende somente do presidente.
Uma alteração na lei teria que vir do poder Legislativo, ou seja, da Câmara dos Deputados e do Senado, ou do Judiciário, com uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
Outra informação mentirosa que circula nas redes sociais é a de que o candidato do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silv, "se eleito em 2023, fechará igrejas e prenderá padres e pastores".
Além de Lula já ter afirmado ser católico e pessoalmente contra o aborto, embora entenda existe uma questão de saúde pública e direito à escolha da mulher, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ordenou no dia 4 de outubro que 31 postagens com afirmações do tipo fossem apagadas por serem mentirosas ou difamatórias.
Os posts foram publicados nos perfis do senador Flávio Bolsonaro, do deputado eleito Mário Frias e de Filipe Martins, assessor de Assuntos Internacionais da Presidência.
O UOL Confere ainda desmentiu que prints supostamente publicados por Lula no Twitter afirmavam que, se eleito, fecharia e prenderia padres e pastores que se recusarem a casar pessoas LGBTQIA+.
No perfil oficial de Lula no Twitter —imitado pela postagem falsa—, não há nenhuma postagem no dia 4 de outubro sobre o fechamento de igrejas ou cassação de padres e pastores. Também não há nada em seu Projeto de Governo que se assemelhe à acusação. A assessoria do candidato disse que o candidato "jamais fez essas afirmações".
Mas o presidente pode fechar igrejas?
Thiago Rafael Vieira, presidente do IBDR (Instituto Brasileiro de Direito e Religião), e Jean Regina, 2º vice-presidente do IBDR, explicam que o Estado pode "fechar" um templo de qualquer culto por algumas razões específicas, que nada têm a ver com intolerância religiosa.
Isso pode ser feito quando o local do templo em si enfrenta sanções administrativas ou decisões judiciais que inviabilizam o funcionamento da organização religiosa. Por exemplo, quando há risco de desabamento.
"Fora disso, é ilegal e inconstitucional fechar uma igreja e, inclusive, exigir alvará. O alvará se exige de empresa e associações, nunca de uma organização religiosa", explica o presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião.
Não há espaço nem para o presidente da República ir contra qualquer religião, porque as liberdades de crença (consciência, crença ou fé espiritual individual) e religiosa (expressão, organização e culto individual ou coletivo, assistência e ensino religioso e objeção de consciência religiosa) estão previstas na Constituição Federal.
Além disso, não existe um dispositivo específico que condicione o comportamento de organização religiosa sob pena de fechamento.
Isso vai contra a ideia de laicidade colaborativa brasileira, presente no art. 19 da Constituição, que impede o Estado "embaraçar o funcionamento" da fé religiosa, seja privado ou coletivo, organizado ou não, personalizado ou não.
No Brasil, existem o que os especialistas chamam de leis esparsas que ajudam a concretizar as garantias constitucionais, porém não há uma lei nacional sobre o tema. Em São Paulo, há a lei nº 17.346/2021.
Qual foi a lei que Lula sancionou, então?
Em 22 de dezembro de 2003, enquanto era presidente, Lula sancionou a lei nº 10.825, que define as organizações religiosas e os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado — e garante liberdade para que igrejas sejam criadas.
"São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento", diz o texto.
Penalidades e como denunciar
O desrespeito religioso é considerado crime no país e equipara o preconceito ou a discriminação religiosa ao racismo.
Vieira e Regina reforçam que esse é o mesmo artigo que hoje penaliza a discriminação de orientação sexual ou identidade de gênero. A pena, nesse caso, é a reclusão de um a três anos e multa.
A discriminação deve ser combatida, denunciada e punida.
O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos possui o canal Disque 100 para atender denúncias de casos de discriminação religiosa.
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