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Mais de 100 pedidos de ajuda: o que levou à crise que matou yanomamis

Médicos reforça necessidade de ajuda humanitária após saída de garimpeiros de terras yanomami - Expedicionários da Saúde
Médicos reforça necessidade de ajuda humanitária após saída de garimpeiros de terras yanomami Imagem: Expedicionários da Saúde

Laís Seguin

Colaboração para o UOL

24/01/2023 12h14

O governo federal declarou situação de emergência em saúde pública nas terras yanomami, localizadas no estado de Roraima. No local, uma crise humanitária foi identificada, com problemas como desnutrição e infecções respiratórias em cinco mil crianças.

Júnior Yanomami, presidente do conselho distrital de saúde indígena de sua aldeia, diz receber ameaças de morte desde 2019 e relatou ao jornal Estado de S. Paulo que já fez 100 pedidos de ajuda para o Ministério da Saúde, Funai, além de denúncias protocoladas no Ministério Público Federal. Segundo ele, nenhum desses pedidos foi atendido.

Números recentes e apagão de dados

  • Nos quatro anos da gestão Bolsonaro, ao menos 570 crianças yanomamis morreram, em sua maioria de fome ou doenças curáveis como malária e diarreia, 100 delas apenas em 2022;
  • O número pode ser ainda maior, devido a um apagão nos dados de saúde dos povos originários.
  • Uma mulher morreu no domingo (22), de desnutrição, após ser resgatada e ter sua imagem amplamente compartilhada nas redes sociais;
  • 11.530 casos de malária foram confirmados apenas neste mês. As faixas etárias mais afetadas estão entre os maiores de 50 anos, seguidas dos 18 a 49 anos e cinco a 11 anos;
  • O Ministério da Saúde pretende oferecer atendimento aos mais de 30,4 mil indígenas que vivem no território.

Entenda a crise sanitária nas terras yanomami

  • O território dos yanomamis tem sido alvo de garimpo ilegal desde a década de 70. A atividade busca a extração de ouro, cassiterita e outros minérios;
  • Com isso, o povo yanomami é exposto aos resíduos deixados pela atuação dos invasores das terras, principalmente a contaminação por mercúrio nos rios;
  • Os mais afetados são Uraricoera, Parima, Igarapé Inajá, Igarapé Surucucus, Mucajaí, Couto Magalhães, Apiaú, Novo, Catrimani e Lobo d'Almada.

Em 2019, um estudo da Fiocruz alertou que 56% dos indígenas apresentavam concentrações do elemento no sangue acima do limite. Dados do portal The Intercept Brasil demonstram que a cada dez crianças yanomamis menores de cinco anos nessas áreas, oito sofrem de desnutrição crônica com déficit de altura e cinco a cada dez sofrem de desnutrição aguda, ou seja, têm déficit de peso para a idade. Além disso, quase 70% sofrem de anemia, tudo isso em consequência da ausência de água potável.

A presença dos garimpeiros ilegais também leva à transmissão de doenças virais e infecciosas aos yanomamis, que vivem isolados geograficamente. Entre elas, a covid-19. Relatório da Rede Pró-YY de 2020 apontava que 1.202 indígenas da aldeia foram contaminados de abril a outubro do primeiro ano da pandemia.

Também em abril daquele ano, o governo federal exonerou o diretor de proteção ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Olivaldi Azevedo, além de dois fiscais do órgão — Renê Luis de Oliveira e Hugo Loss — duas semanas após eles realizarem uma megaoperação para fechar garimpos em terras indígenas do Pará.

Em janeiro de 2021, o Conselho Distrital Indígena Yanomami e Ye´Kuana denunciou a morte por covid-19 de nove crianças de um a cinco anos em menos de um mês, além de 25 outros casos infantis nas aldeias, mas nenhum profissional de saúde foi enviado ao local. Isso porque a ida de profissionais da saúde às aldeias yanomamis foi bloqueada nos últimos anos por garimpeiros, que assumiram o controle de polos de saúde e de pistas de pouso.

O relatório Yanomami Sob Ataque, da Hutukara Associação, publicado em abril do ano passado, denunciou ainda que garimpeiros haviam tomado polos de saúde indígena que atendiam mais de cinco mil indígenas por mês. O levantamento também apresentou casos de casamento forçado entre garimpeiros e indígenas em troca de comida.

Os adultos não têm mais força para abrir uma roça e plantar. Também não há mais peixe e camarão para pescar porque os garimpeiros estão destruindo os rios. Também quase não tem mais proteína, porque o barulho das máquinas no garimpo faz as caças fugirem para longe.
Junior Yanomami à Deustche Welle