Médico relata desespero de vítimas na Barra do Sahy: 'Pediu pra morrer'
Foi ao acordar na manhã de domingo (19) e não encontrar alguns funcionários do hotel em que estava hospedado que o cirurgião pediátrico Fernando Piffer percebeu que havia algo de errado na Barra do Sahy, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, que teve 49 mortes devido às chuvas e deslizamentos.
"A gente ia sair na noite anterior, mas como estava uma chuva muito intensa e constante, decidimos ficar no hotel. Quando acordamos, nossos celulares estavam sem sinal e demoramos algumas horas até sabermos o que havia acontecido", conta o médico.
O hotel fica em uma área que não foi afetada pelo deslizamento e pela inundação, mas o grupo decidiu sair de carro para verificar a situação das ruas próximas. Ao se aproximarem das áreas mais afetadas, foram abordados por um policial que fechava a rua para que um helicóptero da polícia pousasse.
"Até então, não tínhamos dimensão do que estava acontecendo, as ruas estavam cheias de galhos, a praia bem suja, mas o cenário era muito pior do que podíamos imaginar", lembra.
Foi então que a família de médicos e os amigos se colocaram à disposição dos policiais para colaborar no atendimento médico às vítimas e foram encaminhados para o Instituto Verdescola —para onde os feridos estavam sendo encaminhados.
Atendimento precário
Ao chegarem no posto de atendimento improvisado, viram um cenário precário e desesperador. Dezenas de pessoas feridas chegando, sendo colocadas no chão, moradores ajudando no atendimento e no transporte de vítimas, e não havia materiais médicos suficientes.
"Os órgãos oficiais como polícia e bombeiros ainda não estavam lá, tinha apenas dois médicos. Colocamos as luvas e já começamos a ajudar a atender quem chegava. Eu e a Karla, minha esposa, íamos fazendo as suturas, imobilização de membros com fraturas e nossa filha Ana Laura, que é estudante de medicina, ia nos ajudando buscando materiais. Enquanto isso, as pessoas da comunidade tentavam organizar uma triagem para as vítimas mais graves fossem atendidas com urgência", recorda o cirurgião.
Ele diz que a maioria das vítimas chegava com traumatismo craniano, cortes profundos e fraturas.
As macas, imobilizadores e itens como linha para "dar ponto" nos cortes mais graves eram insuficientes. Entre os atendidos, havia crianças e idosos. A dor das vítimas, conta, não era apenas devido aos ferimentos: elas estavam muito abaladas emocionalmente pela perda de familiares e amigos nos desabamentos.
"Elas choravam e gritavam demais. Um paciente que atendi estava com uma fratura no quadril grave e, quando fomos atendê-lo, ele pediu para a gente o deixasse morrer, já que a família toda dele havia morrido soterrada", conta o médico.
Cerca de uma ou duas horas depois, médicos, Exército e Corpo de Bombeiros chegaram. Helicópteros da polícia foram direcionados para a região e ajudaram no transporte dos pacientes mais graves.
"Não tenho noção de quantas pessoas atendemos naquelas horas que estivemos ali, mas foram dezenas", diz.
No dia seguinte, o cenário era outro. "As vítimas que chegavam não tinham ferimentos, mas febre e pressão alta, geradas por uma situação de abalo emocional."
O médico conta que as autoridades solicitaram que os turistas deixassem o município para não sobrecarregar o consumo de água e alimentos —o que poderia causar desabastecimento aos moradores. Foi quando o grupo deixou a cidade, na terça —o trajeto até São Paulo, que normalmente leva menos de três horas, durou mais de dez devido às interdições nas rodovias.
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