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O que é o 'alucinógeno do sapo' investigado em Goiás e SP?

O sapo bufo alvarius - Getty Images
O sapo bufo alvarius Imagem: Getty Images

Carlos Minuano

Colaboração para o UOL, em São Paulo

24/04/2023 04h00

A Polícia Civil de Goiânia e de São Paulo investiga o uso da substância popularmente conhecida como "alucinógeno do sapo" em rituais xamânicos.

Que droga é essa?

O alucinógeno contém o composto psicodélico 5-MeO-DMT, também presente em dezenas de plantas. Ele é fumado em pipes de vidro (cachimbos).

O nome remete à secreção do anfíbio Bufo alvarius. O sapo vive no sudeste dos Estados Unidos e no norte do México.

Nos EUA, a droga é chamada de secreção do sapo do rio Colorado. No México, como "medicina do sapo". Há quem se refira como "veneno do sapo".

Uso é proibido no Brasil

A Anvisa informa que o alucinógeno não pode ser comercializado no Brasil com fins terapêuticos. Segundo a agência, o composto 5-MeO-DMT, presente na secreção do sapo, consta da lista F2 (substâncias psicotrópicas proscritas) de drogas proibidas no Brasil.

Qualquer produto com alegação de propriedades terapêuticas só pode ser comercializado no Brasil com autorização da Agência, e devem cumprir com os requisitos estabelecidos para medicamentos, já que substâncias com propriedades terapêuticas são classificadas nesta categoria."
Anvisa, em nota

A agência destaca que representam alto risco de dano e ameaça à saúde das pessoas. São irregulares quaisquer produtos que não atendam às regras definidas pela agência e que não tenham garantia de eficácia, segurança e qualidade

O órgão ressalta ainda que não é de sua competência a fiscalização do uso de compostos psicodélicos em contextos ritualístico e religioso.

Apesar da proibição, experiências para fins terapêuticos e de autoconhecimento são oferecidas por preços a partir de R$ 300.

O alucinógeno do sapo também é proibido nos Estados Unidos e na maioria dos países da Europa.

Quais os efeitos do uso?

O 5-MeO-DMT age no cérebro e provoca alterações na percepção. Atua principalmente nos receptores de serotonina (responsável pelo bem-estar e outras funções).

Quando fumado proporciona uma experiência com duração de 5 a 20 minutos. Isso ocorre em rituais xamânicos, que usam o poder das pedras, plantas e animais para evocar energias que provêm de ancestrais para realizar a cura, transformações emocionais e crescimento na vida das pessoas.

Os efeitos mais comuns são distorções na percepção auditiva e temporal, amplificação de estados emocionais e sensações de dissolução do ego. Também há relatos de contrações musculares, tremores e perda temporária dos sentidos.

Quais os riscos?

Em geral, o efeito psicodélico é subjetivo - uma mesma dose pode causar efeitos diversos, dependendo das condições de quem a usou.

Os problemas podem ocorrer em experiências muito intensas, por exemplo, por dosagem excessiva ou em pessoas com maior sensibilidade.

Há riscos de surtos psicóticos e até de morte, se for utilizado junto com outras substâncias alucinógenas, por pessoas com algum tipo de transtorno mental (como esquizofrenia) ou que façam uso de medicamentos que aumentem os níveis de serotonina, como alguns antidepressivos.

Durante e depois da experiência a pessoa pode ficar vulnerável e sentir dificuldade de lidar com a realidade, por isso precisa estar em um ambiente seguro.

Quais os benefícios?

Estudos observacionais e pesquisas indicam que a 5-MeO-DMT pode causar reduções rápidas e sustentadas nos sintomas de depressão, ansiedade e estresse.

Outro benefício seria estimular a função neuroendócrina, a imunorregulação e os processos anti-inflamatórios, que podem contribuir para a saúde mental.

Até o momento, um ensaio clínico foi publicado demonstrando a segurança da dosagem vaporizada de até 18 mg. Várias empresas de biotecnologia pelo mundo estão investindo no composto psicodélico como um possível tratamento de depressão resistente.

Mas, o uso terapêutico dessa droga só deve ser feito dentro de protocolos de pesquisas clínicas, com supervisão e indicação médica.

Como estão as investigações?

A Polícia Civil de Goiás apura se substâncias apreendidas são, de fato, o alucinógeno do sapo. Elas foram encontradas em locais voltados para terapia xamânica em Pirenópolis (GO) e no Rio de Janeiro.

Uma mulher teria feito uso do psicodélico e sofrido crises de surto psicótico. Outras duas investigações em São Paulo miram essa suposta ocorrência.

[O alucinógeno] "pode causar a morte dos usuários em doses excessivas, provoca graves problemas respiratórios e cardiovasculares, convulsões, interrupções cognitivas, do sono, ataques de pânico, ansiedade e paranoia."
Inquérito policial

O que diz a defesa?

O UOL conversou com o homem que teve a droga apreendida pela Polícia de Goiás. Ele prefere não ser identificado e afirma que conheceu o Bufo alvarius em 2020.

"Uma amiga que sofria de depressão usou e melhorou muito, foi ela que me apresentou, foi a experiência mais incrível que eu tive na vida".
Homem que teve o alucinógeno apreendido

"Essa substância é usada em rituais xamânicos não só no Brasil, mas em vários países", argumenta o advogado Matheus Guimarães, que faz a defesa do terapeuta. Segundo ele, seu cliente desconhecia a proibição do psicodélico no país.

Para o advogado Emílio Figueiredo, que atua no campo dos psicodélicos e da cannabis, apesar de o terapeuta estar sendo investigado por tráfico de drogas, o entendimento sobre a circulação no país do 5-MeO-DMT deve levar em consideração que as narrativas sobre a substância relatam um uso ritualístico. "Isso é amparado pelo ordenamento jurídico de drogas."

O advogado se refere ao segundo protocolo da Convenção Única sobre Entorpecentes da ONU, de 1972, que prevê o uso ritualístico religioso de substâncias proibidas, do qual o Brasil é signatário.

Divergências sobre o alucinógeno

Especialistas ouvidos pelo UOL esclarecem que a substância presente no sapo Bufo alvarius é bastante semelhante com a ayahuasca, bebida psicodélica usada há milhares de anos por povos originários amazônicos. Grupos religiosos brasileiros, como o Santo Daime e a União do Vegetal, também usam a ayahuasca. O chá é preparado a partir da combinação de duas plantas.

"O 5-meo-DMT e o DMT da ayahuasca são parecidos, existe uma pequena alteração molecular, mas o efeito final é semelhante", diz o médico Dartiu Xavier, que inicia um estudo clínico com ayahuasca para tratamento de alcoolismo na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ele é um dos precursores da pesquisa sobre psicodélicos no Brasil.

A principal diferença entre as duas substâncias está na potência e duração dos efeitos, explica a bióloga Livia Goto, que também se dedica ao estudo dos psicodélicos.

Pesquisas indicam que o 5-MeO-DMT pode causar reduções rápidas e sustentadas nos sintomas de depressão, ansiedade e estresse."
Livia Goto, bióloga

Entretanto, Goto adverte que a substância pode causar efeitos negativos, especialmente se tomada sem os devidos cuidados.

De acordo com o diretor do Laboratório de Biologia Estrutural do Butantan, Carlos Jared, o alucinógeno do sapo não deve ser comparado com a bebida ayahuasca. Ele argumenta que, além do 5-MeO-DMT, responsável pelos efeitos psicodélicos, a droga é composta por outras substâncias.

Segundo o historiador mexicano Alí Cortina, não há evidências claras do uso ancestral indígena.

A crescente oferta e consumo do 'remédio do sapo' em várias partes do mundo têm levado a uma série de afirmações sem respaldo teórico, científico e histórico."
Pesquisador Alí Cortina, em um artigo do Instituto Chacruna, especializado no uso medicinal de plantas psicodélicas