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'Invadiram meu apê pra ver novela': relatos chocantes rondam prédio Redondo

O Condomínio Edifício Constância, conhecido na região central de São Paulo como "Redondo" - Pietra Carvalho/UOL
O Condomínio Edifício Constância, conhecido na região central de São Paulo como "Redondo" Imagem: Pietra Carvalho/UOL

Do UOL, em São Paulo

24/04/2023 04h00Atualizada em 24/04/2023 11h15

Na avenida Ipiranga, a poucos metros do Copan, um prédio icônico chama a atenção no centro de São Paulo: é o Condomínio Edifício Constância, mais conhecido como Redondo.

Ao contrário do vizinho que ganhou fama por sua arquitetura, o prédio de quitinetes e fachada arredondada virou lenda na capital com histórias marcadas por violência, desorganização e mistérios ao longo de 60 anos de existência.

Na época da ditadura militar, o edifício abrigava um bar no térreo — chamado Redondo — frequentado por pessoas engajadas em experiências artísticas ligadas à resistência.

O bar, em frente ao Teatro de Arena, foi palco de debates e encontros políticos. Depois, fechou, e as histórias do prédio se transformaram junto com o entorno e com os seus moradores.

Depoimentos de moradores e vizinhos ouvidos pelo UOL, que preferiram o anonimato, confirmam informações que viralizaram recentemente nas redes sociais.

Os relatos vão de objetos jogados pelas janelas — como fralda suja e botijão de gás — à segurança reforçada nos apartamentos, com portas "armadas" com oito trancas. Até vizinho "invasor" faz parte das histórias do Redondo.

"A gente vê coisas caindo, latinha de cerveja, garrafa d'água, mantimentos. E bate polícia todo dia, tem muita confusão, mas tem muita gente boa", disse uma comerciante, que trabalha na rua do Redondo há 15 anos.

Assassinato e mulher pela janela

Entre os casos de violência no Redondo, um é presença constante em conversas entre os vizinhos: o assassinato do jornalista Felipe Ary de Souza, 25, morto a facadas durante uma festa em um dos apartamentos, no dia 8 de março, após uma discussão.

Quem acompanha o dia a dia do prédio destaca que violências fazem parte da rotina, ainda que vários moradores "não tenham nada a ver com isso".

"Hoje mesmo tinha duas viaturas na frente, é raro uma semana em que não tenha ocorrências, a maioria à noite. Quem acaba sofrendo são os moradores que não têm nada a ver com isso", diz E.D., que tem uma loja nos arredores há 27 anos.

Ele lembra ainda uma das histórias mais faladas nas redes sociais: a de que uma mulher já foi jogada de uma das janelas.

É verdade, foi há mais de 30 anos. É consequência de como o prédio funciona, mas pode acontecer em qualquer lugar. Presto serviço lá dentro e tem controle de entrada, o corredor e as escadas são normais. Só não posso dizer como é final de semana, mas dizem que as festas começam na sexta e terminam domingo à tarde, e às vezes tem de chamar o porteiro para intervir

Uma policial militar alocada no prédio do Tribunal de Justiça de São Paulo, vizinho ao Redondo, também confirmou a presença constante de colegas, especialmente da Civil, chamados para verificar denúncias que vão de violência a tráfico.

Esquema 'pagou, morou'

A mistura de idades e rendas dos moradores do Redondo é facilitada por um modelo: o "pagou, morou", adotado pelos proprietários.

pagou morou redondo - Pietra Carvalho/UOL - Pietra Carvalho/UOL
Placas na entrada do prédio avisam sobre apartamentos disponíveis no esquema "pagou, morou"
Imagem: Pietra Carvalho/UOL

Os inquilinos não precisam apresentar fiador ou pagar seguro fiança. A "simplicidade" da negociação também facilita a compra de quitinetes por um preço competitivo.

S.C., de 34 anos, comprou um imóvel no edifício em 2011. Ela sonhava em se mudar para o centro para eliminar as muitas horas no transporte.

"Não ganhava nem dois salários mínimos, e pelo que eu podia pagar, só encontrava uns 'cativeiros'", lembra.

Me encantei pelo Redondo, porque tinha espaço, sacada, era um apartamento que 'respirava'. Óbvio que naquela época eu queria comprar no Copan, mas era o triplo do preço por metade do tamanho
S.C., dona de um apartamento no Redondo

Ela diz que foi "muito bem acolhida" e não teve grandes problemas em seus quase oito anos no prédio — S.C. contava com a proteção das garotas de programa que ocupavam muitos dos apartamentos.

"Tinha um ponto pesadíssimo de tráfico e roubo nos arredores, mas morava no Redondo, e se eu morava lá, conhecia as meninas, e ninguém mexia com as meninas."

Com o tempo, as garotas de programa saíram do prédio — e houve uma mudança de perfil dos moradores. Imigrantes passaram a ocupar vários apartamentos e até os avisos do condomínio eram enviados em outras línguas, além do português, aos moradores.

É a personalidade do prédio. Ele é mutante e vai se reconstruindo
S.C.

Oito trancas na porta

D.C. também era um jovem recém saído da adolescência quando decidiu se mudar para o Redondo anos atrás, acompanhado do namorado e de dois amigos.

Não demorou muito para perceberem que o prédio tinha uma rotina agitada. Assim que entraram na quitinete, os novos moradores notaram que a porta estava protegida não apenas por chave, mas por oito trancas.

Fetiche e 'escalada' para ver Avenida Brasil

Os ex-moradores disseram ter vivido experiências bizarras no Redondo. Para S.C, o susto veio em 2012.

Ela foi surpreendida por um homem desconhecido que "invadiu seu apartamento".

Cheguei em casa umas 21 horas e logo depois apareceu um homem na minha sacada. Tive um pequeno 'infarto', óbvio, mas era meu vizinho

E o que ele fazia lá? "Ele tinha pulado de uma sacada para a outra porque tinham cortado a luz dele, estava nos episódios finais de Avenida Brasil e ele estava se esticando para colocar a tomada da TV na minha extensão."

"Eu deixei, disse que não tinha problema, e quando terminou o capítulo ele voltou, de novo pendurado. No fim, até fiz amizade."

Já D.C. passou por momentos tensos ao confundir um fetiche sexual com violência doméstica. Ele ouviu pancadas e gritos e pensou que um homem estivesse apanhando no apartamento ao lado. Mas logo descobriu que a "performance" fazia parte dos desejos de um cliente da vizinha, que era garota de programa.

Em uma madrugada de sábado teve um estrondo enorme, parecia que o prédio estava caindo, e depois a gente começou a ouvir alguém chorando, um choro desesperado. Ficamos em silêncio ouvindo os barulhos dos tapas e alguém pedindo: 'para, você vai me matar', enquanto outra pessoa falava 'seu safado'

"Depois descobrimos que do lado direito da nossa quitinete tinha uma garota de programa que atendia lá e recebia um cliente que gostava de apanhar", destacou o rapaz, arquiteto de formação.

redondo térreo - Pietra Carvalho/UOL - Pietra Carvalho/UOL
Área no térreo do Redondo já foi restaurante e, mais recentemente, uma agência de banco; hoje, ela está fechada
Imagem: Pietra Carvalho/UOL

Calçada é ponto de perigo

Além das histórias dentro do prédio, a calçada em frente ao edifício também é descrita como ponto de perigo.

Fernando* tinha ido a um teatro do outro lado da avenida Ipiranga, quando observou de camarote a queda de objetos "vindos do céu" pela primeira vez. Em outras visitas à região, a cena se repetiu.

"Fui tomar uma cerveja antes da peça e a atendente do teatro falou para tomar cuidado porque caíam coisas de lá. Achei engraçado mas fiquei observando. Tinha até uma parede escrito "cuidado", mas não liguei", diz.

Aí percebi que começaram a cair coisas: de melancia a aparelho de TV. Na primeira vez achei engraçado, mas foi tanta coisa que me assustei

Já Gabi* não apenas testemunhou a queda de objetos como quase foi atingida por um.

Ela chegou a visitar um apartamento no prédio, em busca de um novo lar, mas desistiu ao saber que os elevadores do Redondo tinham problemas de manutenção, com filas demoradas.

Ia estacionar o carro na rua do prédio e esqueci que as pessoas jogavam coisas lá de cima. Passei pela calçada e meu sogro avisou: 'não passa aí porque jogam coisas'. Nisso que ele falou, automaticamente caiu uma fralda suja entre mim e ele e respingou um 'tico' no meu pé, fazer o quê?

A policial do TJSP também confirma: "às vezes, é como se tentassem acertar alguém específico mesmo".

Quem manda?

O UOL esteve no edifício e tentou falar com o responsável pelo prédio, sem sucesso. As tentativas seguiram por telefone.

O porteiro de plantão negou afirmações de vizinhos de que o Redondo não teria síndico, mas o síndico não apareceu no horário indicado à reportagem.

S.C, que ainda tem apartamento no local, diz que paga condomínio todo mês, mas não sabe qual é a administradora do prédio. O imposto está congelado há cinco anos.

"Nunca vi uma reunião, não sei quem manda, me vem um boleto e eu pago, mas eu sei que têm pessoas que organizam", afirma.

Um prédio com quitinetes no centro, mobiliadas, sem ter de comprovar renda, você espera o que? É um universo, com muitas pessoas maravilhosas. Tentam trazê-lo para um lugar de depravação que não enxergo.
S.C., dona de apartamento, ela diz que saiu do Redondo apenas por querer espaço maior