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Agora a Nasa vem! Ele leva de guarda-roupa a geladeira em cima da moto

Com a moto Biz, Antonio Cabeludo diz que consegue chegar a locais quase inacessíveis no sertão cearense - Reprodução/Instagram
Com a moto Biz, Antonio Cabeludo diz que consegue chegar a locais quase inacessíveis no sertão cearense Imagem: Reprodução/Instagram

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

16/04/2023 04h00

Um homem de 55 anos vem chamando a atenção dos internautas ao postar vídeos nas redes sociais em que é visto transportando móveis e eletrodomésticos para os moradores da pequena cidade de Cariús, no sertão do Ceará. De forma inusitada, Antonio Pereira da Silva (ou Antônio Cabeludo, como é conhecido) transporta guarda-roupas, fogões, geladeiras e máquinas de lavar sobre uma pequena moto Biz. A "Biz da Mudança", como ele chama.

Em seus vídeos no Kwai, TikTkok e Instagram, que já somam milhões de visualizações, Silva compartilha o dia a dia do trabalho que realiza há 16 anos e no qual se tornou um "especialista". Em um deles, de maior sucesso entre os internautas, ele transporta um guarda-roupas de seis portas, equilibrado sobre o banco da moto.

Com a moto, ele consegue chegar aos locais mais isolados do sertão, acessando estradinhas de terra que ele chama de "caminhos de burros", em que nenhum carro consegue passar. Dessa maneira, ele sobe e desce morros e atravessa regiões isoladas, com solo irregular, típicas da região centro-sul do Ceará.


Silva carrega uma história de luta. Semianalfabeto, ele diz que aprendeu a ler com a ajuda da esposa e que agora começa a ensaiar as primeiras palavras escritas. Ele já morou nas ruas, trabalhou na roça e atuou por duas décadas como servente de pedreiro. Há alguns anos, sem conseguir emprego, teve a ideia de passar a comprar e vender móveis usados. Porém, em pouco tempo, descobriu que os fretes cobrados pelos carretos profissionais consumiriam quase 60% dos valores negociados pelos móveis.

"Eu tinha que dar um jeito. Se eu tivesse que ficar pagando pela entrega, eu não ganharia dinheiro e minha família passaria ainda mais necessidade. Foi quando decidi que ia carregar tudo em cima da moto", contou ao UOL.

Ao longo dos anos, Silva foi testando a capacidade de sua moto. Primeiro ele carregava objetos menores, como televisões e antenas parabólicas. Depois, percebeu que a moto suportava pesos maiores.

A partir daí, comecei a levar fogões, geladeiras, guarda-roupas e máquinas de lavar. Não tem tempo ruim para mim. O importante é trabalhar honestamente e conseguir sustentar minha família".

Nem mesmo o surgimento de uma hérnia inguinal o fez parar. Ele tenta há anos resolver o problema, mas afirma que não consegue marcar um procedimento cirúrgico nos postos médicos em sua região. "Me disseram que pode arrebentar se eu pegar peso e que eu posso até morrer de repente por causa disso. Eu quero operar, mas não consigo. Enquanto isso, continuo carregando peso. Não tenho escolha".

Silva cobra, em média, entre R$ 10 e R$ 30 por cada transporte, dependendo da distância. Mas, como na cidade em que vive muita gente está em situação financeira crítica, alguns transportes acabam não sendo pagos.

Antonio Cabeludo mostra o estado atual da motocicleta, que está precisando de reparos urgentes - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Antonio Cabeludo mostra o estado atual da motocicleta, que está precisando de reparos urgentes
Imagem: Arquivo Pessoal

Como consequência, ele está enfrentando dificuldades financeiras e sequer consegue consertar sua moto, que está com o banco quebrado e problemas na partida. Ele ainda consegue, com muito esforço, ligar o motor, mas não sabe até quando o veículo vai aguentar. O pneu traseiro, que furou recentemente, foi comprado em vezes e Silva só conseguiu pagar uma parte até agora.

"Meu sonho era ter um carrinho com caçamba atrás, tipo uma Fiorino ou algo assim, mas eu não estou conseguindo consertar nem a moto, quem dirá comprar um carro, mesmo usado. Eu tenho até vergonha de dizer, mas se alguém pudesse me ajudar pelo menos a consertar a moto, ficaria muito agradecido. Uma vez quiseram fazer vaquinha online para me ajudar, mas queriam cobrar 40% pelo que eu conseguisse. Queriam lucrar em cima. Mas eu sou honesto, não aceito esse tipo de maracutaia".

Risco e precaução

Questionado se considera o tipo de transporte que realiza perigoso, ele diz que não e afirma que toma muitas precauções quando carrega as mercadorias e que só usa estradas de terra, por onde "só jumento passa". Quando tem que pegar uma estrada asfaltada, o que segundo ele acontece muito raramente, ele só o faz em dias e horários em que sabe que o tráfego de veículos é menor.

Cariús é uma cidade muito afastada. É um carro ou outro passando na semana. Em 16 anos trabalhando com a Biz, eu nunca sofri um acidente. As autoridades daqui me conhecem, acabei me tornando conhecido na região. Todos sabem que eu sou muito honesto e responsável".

O que diz a legislação

Segundo o advogado cearense Lucas Pinheiro, especialista em Direito de Trânsito, a legislação brasileira prevê uma série de restrições quanto ao transporte de cargas e mercadorias sobre motocicletas. Porém, ele acredita que nas regiões mais afastadas do estado, principalmente no sertão, é possível ocorrer uma "flexibilização" maior da fiscalização.

"Aqui no Ceará, principalmente no interior, é costume do pessoal levar sofá em cima de uma moto, é algo bem corriqueiro. Porém, à luz do Código Brasileiro de Trânsito, essa não seria uma atitude correta. A lei prevê, por exemplo, um tamanho máximo para o que pode ser levado em cima de uma moto. E, se for levado, tem que ser em um baú, uma grelha, ou aquelas bolsas laterais, destinadas para cargas. Além disso, o transporte em motos precisa de autorização das autoridades locais para se regularizar o serviço de frete".

@antoniocabeludo

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? som original - Antonio Cabeludo

Jumentos e motocicletas

Pinheiro acredita que as mudanças na legislação estadual, ao proibir o uso de animais no transporte de cargas, no caso os jumentos, pode ter contribuído para que a população passasse a enxergar as motos como substitutas dos animais. O que antes era carregado em carroças colocadas no lombo dos jegues passou a ser levado em cima dos bancos das motos.

Apesar de entender que a flexibilização da fiscalização no sertão é uma possibilidade, o advogado alerta que, caso um condutor seja flagrado carregando objetos de tamanho inadequado ou sem licença para transportar mercadorias com a moto, estará sujeito a sanções, como a apreensão do veículo, multa de R$ 195,23 e a perda de cinco pontos na carteira.

"No campo ideal das coisas, no ordenamento jurídico, é obrigação das autoridades de trânsito zelarem pela vida do condutor e minimizarem os riscos a terceiros. Mas existe o mundo real e ele é completamente diferente do que dizem as nossas leis", declara Pinheiro.

"O mundo real é aquela pessoa que vai se colocar no meio da piçarra do sertão, o sol matando, levando uma geladeira nas costas. Se as autoridades são tolerantes, o que não é o correto do ponto de vista do ordenamento jurídico, é porque devem de alguma maneira avaliar que, apesar dos riscos possíveis, essa pessoa está preenchendo um espaço que o Estado não consegue acautelar".