Governador de SC manda PM 'avaliar capacidade moral' de major travesti
Uma oficial travesti com 25 anos de carreira pode ser expulsa da PM (Polícia Militar) de Santa Catarina após o governador Jorginho Mello (PL) mandar a corporação "avaliar a sua capacidade moral e profissional" e a "convivência de sua permanência nas fileiras" do quadro militar.
O que aconteceu
Após pedido da PM contra a major Lumen Müller Lohn, 44, o governador de SC determinou a formação do Conselho de Justificação. O colegiado é o responsável por julgar eventuais transgressões morais de oficiais.
O ato assinado por Jorginho foi publicado no DOE (Diário Oficial do Estado) na segunda-feira (24).
O governador tinha a opção de arquivar o pedido da PM. Questionada, a assessoria de Jorginho disse que as respostas sobre o caso são de responsabilidade da Polícia Militar.
Segundo a PM, o processo está em segredo e não há relação com identidade de gênero. "Foi instruído em virtude de fatos relatados e apurados a respeito da conduta profissional da policial militar."
É difícil imaginar que não tenha alguma conexão, porque iniciei a transição de gênero em setembro, inclusive com requisição do nome social em outubro. Há elementos que deixam claro para mim que essa é a real motivação.
Lumen Lohn, major da PMSC
O que mais diz a major da PMSC
Lumen, que se identifica como travesti, afirma que ela e sua defesa ainda não têm acesso aos autos do processo e por isso não sabe qual transgressão moral pode ter cometido. A oficial declara que não existiu fato recente capaz de colocar em dúvida a sua permanência na corporação.
Parece que estão tentando achar uma justificativa para isso. (...) Sempre há um fato que faz iniciar um processo. Eu não tenho qualquer um, mas já estava em transição [de gênero] quando o processo iniciou."
Travesti e lésbica, Lumen é casada e tem três filhos. A Polícia Militar foi o último círculo social em que decidiu expor sua identidade de gênero.
Há uma vontade para que eu não permaneça na polícia. Mas, ao mesmo tempo, me sinto acolhida no local onde trabalho. Agora a corporação em si tenta me tirar, isso parece ser bem claro. O Conselho de Justificação é um sinal.
PM nega relação com gênero
Em nota ao UOL, a Polícia Militar diz que o processo "originou-se na administração anterior em virtude de relatos de condutas profissionais consideradas inadequadas, e que serão apuradas no decorrer do processo".
Questionada sobre a relação de gênero com o processo, a PM nega. A corporação afirma que "a comunicação da policial militar sobre sua transição ocorreu somente em 23 de janeiro de 2023. Portanto, posterior aos encaminhamentos [para o governador] para abertura do Conselho de Justificação em 21 de dezembro de 2022".
Advogada cita "julgamento moral"
Mariana Lixa, que atua na defesa de Lumen, diz que a instauração do processo ocorreu antes da oficialização da transição, em janeiro. Mas afirma que "a transição iniciou antes, em setembro", ou seja, já era fato público dentro da corporação.
Não posso dizer que uma coisa tem relação com a outra, mas afirmo que ela não tem qualquer histórico funcional que justifique um Conselho de Justificação, que avalia as condições morais de um oficial. Como se trata de um julgamento moral, não há fato grave suficiente para abertura. Causa muita estranheza.
Mariana Lixa, advogada especialista em direito militar
Como funciona o conselho
O Conselho de Justificação é composto por três oficiais. Os escolhidos para analisar o caso de Lúmen são os tenentes-coronéis José Ivan Schelavin (presidente), Vinícius Valdir de Sá (relator) e Charles Garcia de Souza (escrivão).
O colegiado tem 30 dias, a contar da data de sua constituição, para a conclusão de seus trabalhos. O prazo pode ser prorrogado pelo governador por mais 20 dias.
A formação do conselho contra qualquer oficial ocorre pelos seguintes motivos: incorreto desempenho no cargo; conduta irregular; ato que afete a honra pessoal; o pundonor policial-militar ou o decoro da classe; demonstração de incapacidade no exercício de funções militares a ele inerentes.
O relatório sobre o caso será votado pelos três oficiais do conselho, sendo aprovado por maioria simples, e em sessão secreta. O documento deve dizer se o julgado é culpado ou se está habilitado para o cargo.
O resultado será enviado para Jorginho, que terá 20 dias para decidir se o aceita, optando por arquivar ou aplicar a pena sugerida pelo colegiado.
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