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'Soco inglês no bolso': medo no centro de SP faz mulheres se 'armarem'

Soco inglês e spray de pimenta são usados por mulheres para se sentirem mais seguras - Arquivo pessoal
Soco inglês e spray de pimenta são usados por mulheres para se sentirem mais seguras Imagem: Arquivo pessoal

Rebecca Vettore

Colaboração para o UOL

28/04/2023 04h00

A educadora Débora Veruska, 37, carrega na mochila, além de objetos pessoais, um spray de pimenta — para usar em caso de assaltos. Manuela Martins, de 24, leva até um soco inglês e anda rezando e agarrada à mochila.

Ambas passam com frequência pelas ruas do centro de São Paulo — região que, nos últimos meses, tem sido notícia por arrastões em comércios, roubos por gangues em bicicletas e pela movimentação de usuários de drogas da Cracolândia.

Assustadas com a violência, elas decidiram "se armar" para se sentirem mais seguras.

Quem passa pelo centro tem a sensação de "terra arrasada". Além dos saques, há lixo e ruas escuras — o que contribui para aumentar o clima de insegurança.

Segundo dados da SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo), a cada quatro minutos, um assalto é praticado no centro — os números são de 2021.

Só neste mês, um grupo de usuários de drogas fez dois arrastões na região da Avenida São João neste mês. Usuários de drogas também invadiram uma lanchonete na Avenida Rio Branco e tentaram furtar equipamentos.

'Spray na mão'

"Nunca precisei usar [o spray de pimenta], mas de certa maneira me sinto um pouco mais segura por saber que em uma situação extrema terei a mínima possibilidade de defesa", explica Débora, que vive no bairro Santa Cecília há nove meses.

Débora - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Débora mora no bairro Santa Cecília e já presenciou roubos na porta de casa
Imagem: Arquivo pessoal

"Deixo sempre o spray na mão quando estou em pontos de ônibus, tarde da noite voltando para casa", conta. O produto foi comprado por um amigo nos Estados Unidos.

Apesar de comum, o uso de spray de pimenta e de armas de eletrochoque — outro equipamento adotado por mulheres para defesa pessoal — no Brasil é controlado pelo Exército. Para utilizar os dois produtos, é preciso conseguir um certificado. Especialistas em segurança não recomendam reagir a qualquer abordagem.

No caso de Débora, a ideia de comprar o equipamento veio depois que ela teve de parar de treinar karatê por causa de uma cirurgia. A arte marcial era praticada para garantir sua defesa pessoal.

A educadora diz que nunca foi furtada ou roubada, mas já presenciou roubos de celulares perto de casa.

Já passei por situações em que as pessoas não chegam a nos assaltar, mas ficam nos pressionando a entrar no mercado e comprar algo para eles. Apesar de nem sempre ser violenta, a ação às vezes me causa medo e tensão

'Correndo e rezando'

A jornalista Manuela Ferreira Martins caminha por cerca de 10 minutos na volta do trabalho até chegar à estação República quase todos os finais de semana.

Foto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Taser e soco inglês na bolsa da Manuela Ferreira Martins
Imagem: Arquivo pessoal

Para tentar se proteger, ela passou a andar com um soco em inglês e um spray de pimenta há alguns anos.

"Ando correndo e rezando no centro com a mochila na frente e sempre com o soco inglês dentro do bolso da frente da calça. Fico com um dedo para fora, porque é o jeito mais rápido de agir caso algo aconteça."

A jornalista chegou a morar por seis meses com o ex-namorado no bairro da Santa Cecília. Certo dia, quando voltava para casa, Manuela sofreu uma tentativa de roubo.

Estava na frente da casa do meu namorado quando um homem e uma mulher tentaram roubar meu celular. Foi bem na hora que estava guardando ele na bolsa. A mulher tentou tirar o celular da minha mão e o homem me deu um mata-leão. Como lutei muay thai por muito tempo, consegui derrubar a pessoa no chão, coloquei o celular no meio das pernas e gritei por ajuda

O assaltante ainda deu diversos socos no peito da jornalista, até que duas pessoas, que estavam em um ponto próximo, tentaram ajudar e também foram agredidas.

"Depois disso, continuo levando o soco inglês e um taser [uma arma de eletrochoque não letal], que ganhei do meu padrasto, na bolsa. Apesar de não ter sofrido mais nenhuma tentativa de assalto, já presenciei furtos na volta para casa."

'Perdi a sensação de liberdade'

Paolla - Divulgação/@paolladimonica - Divulgação/@paolladimonica
Paolla di Mônica morava no centro de São Paulo, mas se mudou neste mês por medo
Imagem: Divulgação/@paolladimonica

Quem já foi vítima de violência no centro conta que a abordagem deixou traumas. É o caso da modelo e visagista Paolla di Mônica, de 33 anos.

Ela corria no Minhocão — via que liga a Praça Roosevelt à Barra Funda — quando foi parada por um grupo de seis pessoas.

"Estava correndo sozinha em um sábado, como sempre fazia. Era fim da tarde e o Minhocão estava cheio de gente. Até que um grupo, inclusive tinha uma mulher no meio, pediu meu celular", conta ela. O caso ocorreu em 2018.

Como não entendi, começaram a me agredir com socos na cara, tive até fratura no rosto. Tomaram meu celular e foram embora. Me senti muito desprotegida, impotente e triste, porque eu gritei e ninguém veio me ajudar

Foto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Paolla di Mônica depois de ser agredida em 2018
Imagem: Arquivo pessoal

Traumatizada, Paolla chegou a fazer terapia por dois anos e meio, nunca mais saiu sozinha a pé, ia até o mercado de Uber e começou a correr apenas em grupos, longe de casa.

Com a piora no cenário nos últimos meses, disse que ficou insustentável continuar morando no mesmo local. No início de abril, a modelo mudou-se para os Jardins.

Sempre achei o centro perigoso, mas tomava cuidado e nunca pensei que fosse acontecer algo assim comigo. Me sentia muito livre, andava na rua, não tinha medo de ninguém. Mas perdi a sensação de liberdade. Já pensei em usar algum tipo de item de segurança, como spray de pimenta, mas ficava com medo de usarem contra mim

Dicas de segurança

Indagado sobre o uso de itens de segurança pessoal, um delegado da DGP (Delegacia Geral de Polícia), localizada no centro, disse que não é recomendada a reação a assaltos.

Oriento que em hipótese alguma se deve reagir a um roubo seja com conhecimento de técnicas ou objetos para defesa pessoal. Portanto, é dispensável comentar sobre a aquisição de qualquer tipo de objeto
Paulo Sérgio Pilz e Campos Mello, delegado de polícia diretor

A SSP-SP compartilhou um manual com dicas de autoproteção desenvolvido pela Polícia Militar paulista. Entre as dicas, estão:

Ao andar pela rua

  • Tenha especial atenção às pessoas à sua volta. Lembre-se: os assaltantes valem-se principalmente do fator surpresa e da desatenção para atacarem suas vítimas;
  • Aparente sempre calma, confiança e domínio do que está fazendo e de onde quer chegar. Evite demonstrar que está perdido ou procurando por algum endereço ou local;
  • Não ande sozinho, especialmente à noite;
  • Após o trabalho, escola ou festa espere pela companhia de um amigo para saírem juntos;
  • Evite passar por locais desertos e ou pouco iluminados;
  • Entre no primeiro local habitado que encontrar e peça ajuda ao pressentir a aproximação de estranhos em atitude suspeita;
  • Evite cortar caminho por becos, vielas, ruas desconhecidas, terrenos, construções, etc;
  • Bolsas devem ser discretas e transportadas à frente de seu corpo com sua mão sobre seu fecho.

Se for vítima de assalto

  • Mantenha a calma, comunique-se e faça movimentos lentos;
  • Não discuta. Entregue ao criminoso o que ele exigir. Assim, o tempo do roubo será menor;
  • Não olhe diretamente para os assaltantes - isso é visto como uma ameaça;
  • Não tente fugir ou reagir;
  • Ligue para a policia assim que possível transmitindo a descrição exata e o possível trajeto seguido com todos os detalhes;
  • Registre a ocorrência em uma delegacia de polícia;
  • Não ande armado nem tenha armas em casa. Mesmo que você saiba atirar e tenha porte, suas chances de reagir são muito pequenas, e o risco de que a arma seja usada contra você é muito grande.

Patrulhamento e câmeras

Indagada sobre ações para garantir a segurança dos moradores e trabalhadores do centro e sobre atitudes em relação à Cracolândia, a Prefeitura afirmou que o Programa Redenção, na Cracolândia, disponibiliza mil vagas para quem vive em situação de vulnerabilidade.

Sobre a requalificação da região central, a Prefeitura diz que a SMSU (Secretaria Municipal de Segurança Urbana) intensificou o patrulhamento, com mais viaturas e motos em pontos estratégicos.

"Atualmente, a região conta com mais de 1.200 agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana), e destes, 240 atuam no território da Nova Luz e adjacências."

A Prefeitura afirma ainda que prevê a instalação de 2,5 mil câmeras no centro, distribuídas em pontos de maior incidência de criminalidade.

A SSP-SP respondeu que adota medidas para aumentar a segurança na região central — entre elas, o lançamento de uma plataforma com diagnóstico das ações de segurança e delitos cometidos.

Na plataforma serão publicados semanalmente dados de roubos e furtos e ações realizadas pelas polícias, como prisões.

Segundo a SSP, houve aumento de 30% do efetivo no centro, com as alterações de horários, escalas e PMs de outras regiões.