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Idosa morre e Justiça multa filhos em R$ 18 mil por culparem médico no Face

Após suspeita de infarto, dona Maria do Carmo esperou sete horas por uma vaga em hospital   - Arquivo Pessoal
Após suspeita de infarto, dona Maria do Carmo esperou sete horas por uma vaga em hospital Imagem: Arquivo Pessoal

Do UOL, em São Paulo

18/05/2023 04h00

A Justiça Estadual de Mato Grosso do Sul condenou um casal de irmãos a pagar uma indenização de R$ 18,4 mil ao médico Jovino Nogueira da Silva Menezes, apontado por eles no Facebook como responsável pela morte da mãe em 2020.

O que aconteceu

Idosa esperou mais de sete horas por internação, segundo seus filhos. Maria do Carmo de Sousa Oliveira morreu aos 72 anos em uma unidade de saúde em Campo Grande.

Inconformados, os filhos expuseram na rede social o nome e o registro profissional do médico responsável pelo atendimento e o acusaram de assassinato.

"Mataram a minha mãe!", diz uma das postagens, após a morte de Maria do Carmo na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Leblon, na capital de MS.

Segundo o relato, o médico "dificultou a transferência para uma unidade hospitalar onde ela teria ao menos uma chance de sobreviver".

Como o nome do médico foi exposto

Os irmãos tiveram acesso à ficha de atendimento da mãe e depois postaram no Facebook.

O documento constava os horários em que foi pedida ao médico a imagem do eletrocardiograma (às 8h22, 9h21 e 13h12). O envio era necessário para reservar a vaga no hospital.

O médico não respondeu às mensagens, e o óbito foi registrado às 14h32.

O nome do médico e o registro profissional teriam aparecido "acidentalmente" na rede social. Os irmãos diziam na postagem que o médico "se negou a mandar [por celular] a imagem do eletrocardiograma solicitada várias vezes".

ficha up - Reprodução - Reprodução
Ficha da UPA informa os horários em que foto de exame foi pedida ao médico
Imagem: Reprodução

O que diz a defesa do médico

Celular do médico estava no carro. O advogado David Frizzo afirmou ao UOL que seu cliente "deixa o celular pessoal dentro do carro para que não digam que ele estava usando o telefone enquanto trabalha".

Depois das publicações, o médico teria ficado "bastante abalado".

O UOL tentou falar com Menezes, mas ele não quis dar entrevista.

Não é fácil para sua família ver você sendo acusado de 'matar' a mãe de alguém."
David Frizzo, advogado

O que postou um dos filhos?

"Ela ficou infartada das 7h30 até as 15h00 agonizando em cima de uma maca. Reclamava de fortes dores no tórax, braços, cabeça e estômago, e pouco foi feito para reverter o quadro."
Evandro Oliveira, 50, filho de Maria do Carmo e enfermeiro

Nem os chinelos dela haviam sido tirados do pé depois de horas deitada na maca (...) sem nenhum apoio para a cabeça. (...) Hoje faz 13 dias que a NEGLIGÊNCIA de um médico irresponsável matou minha mãe! A justiça virá, principalmente a de Deus!
Evandro Oliveira

A condenação

O médico processou os irmãos. Ele pediu a remoção das publicações e indenização por danos morais.

O juiz Fábio Ferreira de Souza deu razão ao profissional de saúde. Ele escreveu em outubro daquele ano que, apesar "do direito de todos à livre manifestação do pensamento", o uso "arbitrário do direito de opinião (...) deve ser sancionado".

A utilização de expressões como 'assassino' e 'doutor da morte' (...) é suficiente para afrontar a honra e integridade moral de quem ocupa um cargo público."
Fábio Ferreira de Souza, juiz

O magistrado os condenou por danos morais, com uma indenização de R$ 10 mil.

Os irmãos recorreram duas vezes. Alegaram que a sentença não especificou a violação cometida por cada um, nem indicou as postagens nas redes sociais que comprovariam os crimes.

O juiz recusou em fevereiro deste ano o último recurso, ao argumentar que não houve "as apontadas omissões" na decisão. No dia 20 de abril o processo "transitou em julgado" —sem possibilidade de novo recurso.

A Justiça executou a decisão em 2 de maio e deu prazo de 15 dias para os irmãos pagarem R$ 18.456,20. O valor se refere à cifra original (R$ 10 mil) acrescida de juros, correção monetária e honorários.

Pela forma como acusaram o profissional de assassinato, acho que a indenização ficou até abaixo do ideal.
David Frizzo, advogado

"Não temos dinheiro"

A indenização precisa ser dividida pelos irmãos. A irmã emprestou dinheiro do sogro e parcelou o pagamento da sua parte, enquanto o irmão ainda não sabe como conseguirá o valor.

"Não tenho como pagar", diz o enfermeiro Evandro. "Não tenho nada em meu nome nem para leiloar."

Eu achei o valor alto e a condenação injusta porque a gente falou no calor das emoções, e isso deveria ser levado em conta.
Evandro Oliveira

Médico não quer fazer acordo

A suposta negligência foi apurada pela Polícia Civil de Campo Grande, que tomou depoimentos e encaminhou o caso ao Ministério Público.

O MP tentou intimar Menezes para uma audiência de conciliação em 25 de abril, mas o oficial de Justiça diz não tê-lo encontrado em seu endereço. "Fui eu que pedi a resignação [mudança da data] porque eu tinha uma cirurgia para a data", diz o advogado.

A nova audiência foi marcada para 27 de junho. "Não queremos acordo. Vamos deixar abrirem processo."

"Abandono de emprego" do médico

Em março, a Prefeitura de Campo Grande publicou a exoneração de Menezes por abandono de emprego no Diário Oficial.

"Não houve abandono, mas licença de saúde", diz Frizzo. "Ele se afastou para tratamento médico, pediu a substituição de unidade, mas a prefeitura não autorizou a troca e o afastou do trabalho."

"Foi constatada ausência superior a 90 dias", informa a Prefeitura de Campo Grande. "O profissional respondeu processo disciplinar administrativo por abandono de cargo, que apontou que o mesmo não estava cumprindo sua carga horária, sendo deliberado pela exoneração", diz em nota.