TV: Ex-funcionária de desembargador diz que mulher era como 'escravinha'
Uma cuidadora que trabalhou na casa do desembargador Jorge Luiz Borba, suspeito de manter uma mulher surda em condições análogas à escravidão, afirmou que a mulher era como uma "escravinha" na casa. O magistrado nega as acusações. As informações são do Fantástico (TV Globo).
O que aconteceu
Em depoimento, a ex-funcionária, contratada entre 2020 e 2021, afirmou que os cachorros da família eram mais bem cuidados do que Sônia, que fazia as refeições com os funcionários e "sempre" depois dos patrões.
A mesma ex-colaboradora relatou às autoridades que Sônia levava uma vida de empregada doméstica, sem receber salário. A testemunha contou ainda que a suposta vítima dormia em um quarto nos fundos da casa e que deu banho em Sônia pois ela sofria de assadura embaixo dos seios porque não tinha sutiã.
Uma ex-faxineira, que trabalhou na casa entre 2015 e 2016, definiu Sônia como "mucama" (escravizadas que faziam serviços domésticos).
Uma ex-diarista ouvida também confirmou as denúncias sobre o caso. Ela disse que via Sônia como uma trabalhadora, que não era da família, já que as filhas do desembargador têm tudo, e Sônia não tinha.
Entenda o caso
A investigação começou após uma denúncia anônima, em novembro de 2022, que reportava a existência de uma trabalhadora sem direitos trabalhistas, segundo o auditor-fiscal Humberto Camasmie. O MPT (Ministério Público do Trabalho) fez diligências, conversou com trabalhadoras que atuaram na residência por diferentes períodos e confirmou a denúncia.
Três funcionárias que trabalham atualmente para o desembargador foram ouvidas e disseram a auditores do Trabalho que Sônia não era obrigada a fazer os trabalhos domésticos, sempre almoçava com os patrões e tinha quarto próprio dentro da casa principal — versão diferente da apontada pelas ex-funcionárias.
Existia uma relação de emprego sem quaisquer direitos garantidos sob o manto de uma pessoa que era quase da família."
Humberto Camasmie, auditor-fiscal
Agora, Sônia vive temporariamente em um abrigo para mulheres vítimas de violência e fará aulas de Libras (Língua Brasileira de Sinais).
A mulher residia na casa de Borba há pelo menos 20 anos sem receber salário e assistência à saúde, segundo a representação do MPF (Ministério Público Federal).
O que o desembargador diz?
À Justiça, o magistrado afirmou que ama Sônia "como se fosse a sua filha" e que já pensou em adotá-la, mas via dificuldades documentais. Há registros de Sônia nas redes sociais da família. "O fato de existir afeto não afasta a exploração, que é o que caracteriza uma relação abusiva", disse Lys Sobral Cardoso, procuradora do trabalho, em entrevista ao Fantástico.
Borba disse também que a filha, que é médica, e amigos atendiam Sônia quando ela precisava de cuidados de saúde. Ele relatou que começou a pagar plano de saúde para a mulher em 2021.
O homem afirmou que tirou o CPF de Sônia há poucos nos e argumentou que não fez antes porque não achava necessário.
O desembargador mandou ao Fantástico uma lista com quatro supostas tentativas de ensino de Libras à mulher, porém não apresentou um documento escolar formal. Ele aponta que a mulher teria "dificuldades cognitivas", mas não mostrou nenhum laudo que comprovasse tal condição.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) disse que vai apurar a conduta do desembargador, que recebeu o salário bruto de quase R$ 63 mil no mês passado. Ele atua no TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) há mais de 15 anos.
Leia a íntegra da nota divulgada hoje pelo desembargador
"Jorge Luiz de Borba, Ana Cristina Gayotto de Borba e seus quatro filhos, Maria Leonor, Maria Alice, Maria Julia e Jorge Luiz, diante da ampla disseminação de notícias sobre operação ocorrida na sua residência, vêm a público esclarecer o seguinte:
1 - Surpreendidos pelo difundido sugestionamento de que estariam a dispensar tratamento análogo à escravidão a [trabalhadora], pessoa com quem convivem há anos, definitivamente jamais praticaram ou tolerariam que fosse praticada tal conduta deletéria, ainda mais contra quem sempre trataram como membro da família;
2 - Na intenção de regularizarem situação familiar, de fato há muito já existente, anunciam que Jorge e Ana Cristina ingressarão com pedido judicial para reconhecimento da filiação afetiva da [trabalhadora], garantindo-lhe, inclusive, todos os direitos hereditários;
3 - Acatarão todas as sugestões emanadas do poder público, além das que a família já tem adotado ao longo da vida, para beneficiar o desenvolvimento da [trabalhadora];
4 - Pretendem colaborar com todas as instâncias administrativas e judiciais, seja para que não remanesçam dúvidas sobre a situação de fato existente em relação a [trabalhadora], seja para que as investigações avancem com brevidade a fim de permitir a retomada da convivência familiar.
Florianópolis, 11 de junho de 2023"
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