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PCC recruta venezuelanos para ampliar 'exército' em Roraima e no exterior

Penitenciária de Monte Cristo, em Boa Vista, Roraima, visitada pela Comissão de Direitos Humanos da OEA - Thiago Dezan FARPA CIDH
Penitenciária de Monte Cristo, em Boa Vista, Roraima, visitada pela Comissão de Direitos Humanos da OEA Imagem: Thiago Dezan FARPA CIDH

Do UOL, em São Paulo

03/07/2023 04h00

O PCC tem recrutado a mão de obra de pessoas de origem venezuelana para atuar no tráfico de drogas em Roraima e aumentar o número de membros batizados na Venezuela. Autoridades e pesquisadores consultados pelo UOL afirmam que o estado tem uma importância estratégica por fazer fronteira com a Venezuela e estar próximo da Colômbia.

O que acontece

O recrutamento de venezuelanos para fazer parte do PCC ocorre dentro e fora dos presídios de Roraima. O promotor de Justiça do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público de São Paulo, Lincoln Gakiya, afirma que o batismo de venezuelanos faz com que a facção amplie a presença também na Venezuela.

A droga que o PCC exporta para a Europa vem da Colômbia e do Peru. "O olhar sobre Roraima é pela proximidade da fronteira com a Colômbia sem tomar o Amazonas, cuja presença maior é da FDN (Família do Norte) e CV (Comando Vermelho)", diz o promotor.

É dentro dos presídios que acontece uma parte dos batismos, os rituais da facção para oficializar o vínculo e tornar os membros "irmãos". "Na medida que essas pessoas vão para a prisão, elas criam relações e são batizadas", diz o sociólogo Rodrigo Chagas, pesquisador do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Fronteiras da UFRR e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Mas hoje, a formalização dos vínculos com a facção ocorre também nas ruas. O procurador de Justiça Criminal, Márcio Sérgio Christino, afirma que, na maioria dos casos, os venezuelanos chegam às prisões já envolvidos com o PCC.

"A relação [com venezuelanos] se dá muito mais por causa do tráfico. A maior parte deles são ligadas ao PCC antes de chegar à prisão. A formalização do vínculo ocorre no sistema prisional porque ali há o domínio físico da facção."
Márcio Sérgio Christino, procurador de Justiça Criminal

Números indicam integrantes do PCC em Roraima, segundo apuração do MP-SP - Ministério Público de São Paulo - Ministério Público de São Paulo
Números indicam integrantes do PCC em Roraima, segundo apuração do MP-SP
Imagem: Ministério Público de São Paulo

Roraima, um estado estratégico

A localização geográfica de Roraima é dos fatores que coloca o estado como um dos mais importantes para o crime organizado. Dados do Ministério Público de São Paulo, de novembro de 2021, mostram que Roraima é o 6º estado com maior presença da facção, com 1.601 integrantes batizados.

A mão de obra venezuelana para o tráfico de drogas é mais barata do que a nacional, segundo o procurador Christino. "Por isso, o PCC cria uma relação de oportunidade com a região."

Há interesse do PCC em manter e ampliar a presença em Roraima, mais do que em outros estados da região norte. Segundo Gakiya, Roraima é uma rota "interessante" para o tráfico internacional de cocaína.

Apesar da hegemonia do PCC no estado, há registros de grupos venezuelanos também presentes no território. Chagas, que pesquisa o narcogarimpo na região, afirma que há indicadores da presença de membros do grupo venezuelano Tren de Aragua em Roraima, mas não há uma disputa de poder.

"O crime fortalece o crime". O lema do PCC, lembra Gakiya, indica que o PCC só "entra em rota de colisão" se algum líder declarar guerra contra a facção paulista. Segundo Christino, as organizações locais acabam suprimidas pelas ações do PCC.

Outras organizações se expandem até que seja conveniente para o PCC, segundo o procurador. "O PCC não permite que cresçam além do que seja conveniente para eles", diz Christino. Uma das formas de controlar a influência de outros grupos é vazar informações para a polícia.

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Anotações em presídio de Roraima mostram batismo de venezuelanos
Imagem: Ministério Público de Roraima

Venezuelanos batizados

Em agosto de 2020, o Ministério Público de Roraima denunciou 19 pessoas de origem venezuelana batizadas pelo PCC. As fichas de batismo foram obtidas a partir de anotações encontradas na PAMC (Penitenciária Agrícola de Monte Cristo).

A operação foi a primeira a vincular o PCC a venezuelanos no estado, de acordo com o promotor de Justiça Carlos Alberto Melotto. "Essa denúncia foi o marco inicial. Foi feita uma apreensão de fichas de batismo, com informações sobre quem eram os padrinhos, quando foram batizados e se passaram pelo sistema prisional da Venezuela", afirma.

Entre os denunciados, cinco foram presos por tráfico de drogas em pontos dominados pelo PCC. Segundo o documento, ao menos 13 cumpriam pena na Venezuela, cinco foram presos por homicídio e latrocínio e os demais, acusados de roubos, tráfico de drogas e furtos.

A investigação e a denúncia reuniram anotações com dados de batismo dos denunciados com nome, o vulgo, a referência (pessoa que se responsabiliza pelo batizado), data do batismo e local de origem (país, estado e município).

Um dos denunciados, o "irmão" apelidado de Cabello era o que aparentava ter posição hierárquica superior em relação ao restante do grupo, segundo Melotto. Ele conferia extratos, dava ordem de pagamento de compra de drogas e armamentos e compras de casa de apoio, pagamento para parentes de presos.

Em depoimento à polícia, Cabello disse que havia 740 venezuelanos pertencentes ao PCC em Roraima e que a organização fez uma aliança com a facção venezuelana Tren de Aragua. Ele relatou que ocupava a função de Resumo das FMs de Estados e Países.

[O PCC] continua batizando venezuelanos. É interessante para eles porque passam a ter venezuelanos agindo dentro da Venezuela já batizados com a bandeira do PCC. Aí, o PCC ganha mais um país.
Lincoln Gakiya, promotor de Justiça de São Paulo

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Anotações encontradas em presídio de Roraima indicam batismo de venezuelanos
Imagem: Ministério Público de Roraima

PCC no sistema prisional

A migração venezuelana para Roraima, intensificada em 2015, impactou também nas estatísticas das prisões, segundo Chagas, da UFRR e do FBSP.

O principal presídio do estado, hoje a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo tem 1.731 pessoas privadas de liberdade. Dessas, 304 são venezuelanas. Em dezembro de 2019, eram 265, segundo dados obtidos pelo UOL junto à Secretaria da Justiça e da Cidadania do Estado.

Chagas destaca que, ao entrar na PAMC, aumentam as de esses presos terem contato com a facção de origem paulista — ainda que nem todos os imigrantes venezuelanos privados de liberdade tenham ligações com o PCC.

Em 2023, a população prisional de todo o estado é de 4.666 pessoas. O número é quase o triplo dos 1.604 detentos registrados em 2014.

O governo de Roraima informou que a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo passou por intervenção federal no final de 2019. "Desde então foram implantados procedimentos de segurança para toda a atuação dentro do presídio, desde uma simples abertura de cela para atendimento de rotina como procedimentos para situações mais complexas."

Segundo o governo, a "unidade prisional está controlada por conta desses procedimentos de segurança, que fiscalizados rigorosamente pelos chefes de segurança, deixa o ambiente mais seguro tanto para os internos quanto para os policiais penais e demais servidores que trabalham nesse local."

PCC nas ruas

Diferentemente do CV, que tem autonomia para agir nos estados, o PCC "espelha" em todas as regiões que atua a forma de administrar consagrada em São Paulo. "Em Roraima, a sintonia geral deve satisfação a quem está em São Paulo. Em termos de estatuto, salves, tudo tem que seguir todas as diretrizes do PCC de São Paulo", diz Gakiya.

Contudo, os integrantes podem se dedicar a atividades criminais isoladas. "Eles têm autonomia para fazer o que quiserem dentro do estado. O criminoso vai procurar oportunidades ligadas ao lucro e a um risco baixo de punição. Nunca saiu nenhum 'salve' sobre se dedicar ao garimpo ilegal. Isso vai para o bolso do criminoso."