Por que Bope, que matou 10 em ação no Rio, não tem câmeras nas fardas

O Bope (Batalhão de Operações Especiais), da Polícia Militar, não usa obrigatoriamente câmera nas fardas — e assim deve permanecer até o fim do ano. Agentes da unidade foram responsáveis pela ação que matou dez homens no Complexo da Penha, zona norte do Rio, na quarta-feira (2).

O que acontece

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), resistiu enquanto pôde ao uso de câmeras corporais pelas forças especiais. Em janeiro, chegou a dizer que "ia até a última instância" contra a instalação do equipamento nos uniformes do Bope.

O governador acabou assinando há pouco mais de um mês um decreto para regular o uso das câmeras. A medida obriga as polícias a criar uma resolução para gerir, monitorar e conceder acesso às imagens dos batalhões especiais, embora não especifique data.

Bope e elite da Polícia Civil não precisavam usar câmeras até esse decreto.

O governo fluminense não conseguiu reverter uma decisão do STF. O último recurso do estado no Supremo foi negado pelo ministro Edson Fachin, que determinou, em junho, a realização de um plano de implementação das câmeras nos batalhões especiais do Rio em até 30 dias.

Ficou estabelecido por Fachin que não haveria uso de câmeras durante ações de inteligência, como infiltração de policiais e oitiva com testemunhas-chave.

A Polícia Militar afirma que o documento está em fase de elaboração e que o prazo para conclusão termina no fim do ano. Em nota, diz que "o cronograma de implantação foi enviado ao tribunal e será respeitado conforme determinado pela Corte" e inclui os batalhões especiais, como Bope e Choque.

Como o cronograma enviado ao STF não foi divulgado, não se sabe se há policiais do Bope usando o equipamento. Atualmente, segundo a PM, há 9.510 câmeras instaladas nos 39 batalhões de área. O objetivo é chegar a 13 mil. Dados do Instituto de Segurança Pública, do governo do Rio, apontam 1.330 mortes por policiais em 2022, 1.356 em 2021 e 1.245 em 2020.

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Governador mandou abrir sindicância

Cláudio Castro afirmou na quinta-feira (3) que uma sindicância vai apurar quais policiais envolvidos na operação que resultou numa dezena de mortos usavam ou não câmeras. Caso a polícia informe que os PMs da ação na Penha não estavam com os equipamento, não estarão infringindo nenhuma pré-determinação do governador.

A orientação é ter câmeras, sim. O que eu defendo sempre é operações com inteligência policial não podem ter [câmeras], mas operações rotineiras têm de ter. Estamos cobrando a polícia e já foi aberta uma sindicância para entender quem estava ou não, e também entender as imagens de quem estava.
Cláudio Castro, governador do Rio, em 3 de agosto ao ser questionado sobre a operação

Relembre a batalha judicial

O STF e o Governo do Rio travaram uma longa batalha sobre as câmeras corporais desde novembro de 2019. À época, o PSB e organizações da sociedade civil abriram uma petição no Supremo para adoção de medidas para reduzir a letalidade policial no estado.

Em maio de 2020, a morte do adolescente João Pedro, 14, pressionou ainda mais as autoridades do Rio. Ele estava no quintal de casa, em São Gonçalo (RJ), quando foi baleado por policiais.

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A partir da morte do menino, o PSB e as organizações voltaram ao Supremo para pedir a implementação das medidas. Naquele momento, Wilson Witzel (PSC) ainda não tinha sofrido o impeachment.

Fachin aceitou a ação em junho, e em agosto de 2020 o STF formou maioria para restringir operações policiais durante a emergência de covid-19. Os principais pontos estabelecidos foram:

  1. não utilizar helicópteros;
  2. não fazer operações à noite;
  3. realizar operações só em caráter de urgência e com a devida comunicação ao Ministério Público do Rio de Janeiro.

A ação no STF não freou as mortes. Quando Castro assumiu o governo durante o processo de impeachment de Witzel, o Rio viveu 3 das 5 maiores chacinas policiais de sua história, inclusive a maior delas: a do Jacarezinho, em maio de 2021, com 27 civis mortos.

O alto número de mortos reacendeu o debate sobre câmeras policiais. Em setembro de 2021, as organizações da ADPF 635 pediram que o Supremo obrigasse o estado do Rio a implantar câmeras corporais em todos os batalhões.

Em dezembro de 2022, Fachin exigiu que o Rio apresentasse em cinco dias um plano para implementação de câmeras corporais na farda de todos os agentes.

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O Rio entrou com recurso. Em resposta ao STF, disse que as câmeras já estavam sendo instaladas, mas que a operação exige recursos e tempo. Em relação aos batalhões especiais, argumentou que colocava a vida do policial em risco.

Castro foi vencido por Fachin. O governo tem até o fim do ano, de acordo com a projeção de sua polícia, para cumprir as determinações jurídicas.

Eu sempre disse que eu era radicalmente contra as câmeras nos batalhões de operação, especialmente os batalhões especiais. Nós não temos maturidade como sociedade nem de guardar coisa em segredo de Justiça, imagina [guardar] imagem que coloque a vida do policial em risco.
Cláudio Castro, governador do Rio, disse na sua posse em janeiro

Como foi a operação

A PM diz que a ação foi pontual a partir de dados de inteligência. Segundo o coronel Marco Andrade, os policiais se deslocaram até uma área de mata no Complexo da Penha após descobrir que membros da cúpula do Comando Vermelho fariam uma reunião. A PM alega que foi recebida a tiros e que houve confronto.

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Nove suspeitos foram mortos. De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde, porém, dez pessoas chegaram sem vida ao Hospital Getúlio Vargas.

Dois policiais do Bope foram feridos e tiveram alta na quinta (3). Segundo a PM, entre os mortos estão os traficantes conhecidos como Fiel e Du Leme, lideranças das comunidades do Juramento e da Chatuba, respectivamente.

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