Família negra acusa PM de racismo em ação por barulho com 5 feridos em SC
Uma família negra afirma ter sido vítima de racismo e abuso de autoridade em uma abordagem policial com uso de bala de borracha e spray de pimenta que deixou cinco pessoas feridas em uma casa em Criciúma (SC).
A ação ocorreu durante uma festa de aniversário, quando policiais militares foram ao local, no bairro do Comerciário, verificar uma reclamação de barulho.
A PM contesta o relato da família. O caso será apurado pela Corregedoria da Polícia Militar de Santa Catarina.
O que aconteceu
No início da madrugada de sábado (2), dois policiais chegaram para atender uma solicitação por perturbação ao sossego. No local, segundo os moradores, estavam cerca de 20 adultos e sete crianças. Segundo a servidora pública Daiane Damázio, 28, que ficou ferida na ação, não havia som alto e os convidados apenas conversavam no local.
Daiane diz que os agentes bateram nas janelas e deram socos na parede de madeira, pedindo para falar com o proprietário. Os familiares ouvidos pela reportagem disseram que um dos policiais que estava com a voz alterada, pediu para que todos saíssem com as mãos para cima, e todos deixaram o local de forma pacífica.
Os PMs não usavam câmeras no uniforme e chegaram a ofender os presentes com palavras de baixo calão, diz Daiane. Ainda segundo ela, os policiais informaram que haviam chamado reforço policial.
Ela pediu aos agentes que aguardassem do lado de fora do terreno. "Nesse momento ele me ameaçou e disse 'se prepare para o que vai acontecer com vocês', e pediu que se eu tivesse coragem repetisse o que eu tinha dito", conta a servidora.
Não tive tempo de dizer nada, jamais imaginei que ele atirasse, mas ele me deu um tiro de borracha à queima roupa [entre a barriga e a perna]. Meu marido foi me socorrer e quando estava me levando para dentro de casa, foi atingido por um tiro de borracha nas costas. Não houve reação.
Daiane Damázio, 28, servidora pública
O padrasto tentou ajudar, diz ela, mas acabou atingido por tiros: dois no cotovelo, outro na mão e uma quarta bala na região das nádegas. Foram mais de dez disparos, disse Daiane. As pessoas começaram a entrar no imóvel. "O policial mandou voltar, foi até a janela e jogou gás de pimenta lá dentro", afirma.
Quatro crianças dormiam na casa, duas no sofá da sala onde o spray foi lançado. Segundo Daiane, elas acordaram chorando, com tosse e atordoadas. Uma chegou a vomitar após inalar o produto.
Pedro Damázio, 26, que também participava da festa de aniversário, passou a transmitir a situação ao vivo no Instagram quando novas viaturas da PM chegaram. "Nos sentimos com nossos direitos violados enquanto cidadãos. Queríamos ligar para a polícia para nos socorrer, mas era um policial quem estava atirando."
De acordo com os entrevistados, eles são a única família negra da rua no bairro de classe média alta de Criciúma. Também afirmam que, diferente de outras abordagens ocorridas na região por conta do barulho, com eles não houve tentativa de conversa ou pacificação. "Sentimos o racismo quando ignoraram uma família inteira e partiram, sem dó, para cima de mulheres e crianças", diz Pedro.
A família nega desacato e diz que houve gritos de desespero para tentar entender o que acontecia. Eles contam que procuraram uma advogada e vão buscar a responsabilização do policial que atirou contra eles nas esferas cível e militar. Boletins de ocorrência online foram registrados. Os cinco feridos, incluindo duas crianças, farão exame de corpo de delito, segundo a família.
O que diz a PM
Em nota, o comando da PM contesta a versão da família e diz que pedirá abertura de investigação à Corregedoria da Polícia Militar de Santa Catarina. "Em nenhum momento se observa a fala ou atos discriminatórios por parte dos policiais militares", diz o texto enviado ao UOL e assinado por Mário Luiz Silva, tenente-coronel e comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar. A resposta veio após análise preliminar dos vídeos divulgados sobre o caso.
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Quero receber"O único fundamento apresentado pelo denunciante é que na residência havia apenas pessoas de cor negra. Respeitosamente, essa alegação - friso: apenas essa isoladamente - não se reveste de ato de racismo por parte da Polícia Militar"
Nota assinada pelo tenente-coronel Mário Luiz Silva, comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar
Os policiais alegam que foram ignorados propositalmente pelos participantes da festa. A versão dos dois PMs foi registrada na nota do comando. Eles alegam que houve toques de sirene e chamados à porta, que é de vidro, e permitiu ver a movimentação na casa. Os PMs afirmam que foram atendidos após abordarem os participantes por uma janela aberta.
Os agentes dizem que a porta foi aberta por pessoas alcoolizadas, que os ofenderam e que alegaram que não havia ordem judicial para entrarem no terreno. O reforço foi chamado, segundo o texto, quando as pessoas "partiram em direção aos policiais" para retirá-los do local.
Os PMs afirmam ainda que o disparo de tiros de borracha foi motivado pela "desobediência e resistência dos moradores contra os policiais". Cinco adultos que estavam na residência assinaram termo circunstanciado e foram liberados no próprio local, também segundo a PM.
A Policia Civil de Santa Catarina informou que intimará um dos familiares na segunda-feira (4) para comparecer à delegacia e avaliar se dará sequência ao caso.
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