Guerra na fronteira começou com morte cinematográfica do 'rei do tráfico'
Colaboração para o UOL*
19/09/2023 04h00
Em áudio inédito, captado em 2016 durante um banho de sol no presídio federal de Porto Velho (RO), o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, isentou o PCC (Primeiro Comando da Capital) de participação no assassinato que deu origem a uma guerra pelo controle do tráfico de drogas na fronteira entre Brasil e Paraguai nos últimos anos.
Na época, o PCC, de São Paulo, e o CV (Comando Vermelho), do Rio, disputavam o domínio da região estratégica. Nos últimos anos, centenas de mortes foram atribuídas à rivalidade entre as duas facções.
Entenda a guerra da fronteira do Paraguai:
Execução de chefe da fronteira iniciou guerra
A primeira vítima dessa guerra entre quadrilhas na fronteira Brasil-Paraguai foi justamente aquele que era apontado como o chefe do tráfico de drogas na região: o brasileiro Jorge Rafaat Toumani, conhecido como "rei do tráfico".
Em junho de 2016, Rafaat dirigia um carro blindado em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia na fronteira com o Brasil. Eram 18h45. O carro de Rafaat foi cercado por outros veículos. Um deles transportava uma metralhadora antiaérea. Os tiros vindos dela romperam a blindagem do carro de Rafaat e o mataram no local da emboscada.
Na época, autoridades do Brasil e do Paraguai apontaram que uma das principais linhas de investigação era que o atentado tenha sido cometido por membros do PCC.
Traficante brasileiro intensifica ofensiva
Um dos suspeitos de planejar a execução de Rafaat é o traficante brasileiro Jarvis Gimenez Pavão, que naquela época cumpria pena por lavagem de dinheiro no Paraguai.
Pavão, segundo investigadores, era sócio de Rafaat e teria decidido comandar sozinho o tráfico da fronteira. Pavão seguiu em ofensiva. Em outubro de 2016, Orlando da Silva Fernandes, apontado como ex-segurança de Rafaat, foi metralhado em Campo Grande (MS).
Em dezembro 2017, Pavão foi extraditado para o Brasil e levado para o Presídio Federal da Mossoró (RN). Antes disso, porém, seu plano de controlar a fronteira já sofria com a ação do PCC na região de Ponta Porã.
PCC inicia movimento por controle do tráfico
Em março de 2017, o irmão mais novo de Jarvis Pavão, Ronny Chimenes Pavão, foi metralhado enquanto caminhava em Ponta Porã. O assassinato foi atribuído ao PCC, que naquela época deixava claro que pretendia controlar o tráfico Brasil-Paraguai. A guerra entre o grupo de Pavão e a facção originada em presídios de São Paulo estava declarada.
O conflito entre os grupos causou dezenas de mortes em 2018. Em novembro daquele ano, a advogada de Jarvis Pavão, Laura Marcela Casuso, foi executada em Pedro Juan Caballero. Segundo a PF, o assassinato foi uma ordem de Minotauro, o homem do PCC que agora já era conhecido na região como o novo chefe do tráfico.
Em 2021, guerra do tráfico já deixou ao menos 160 mortos na fronteira com o Paraguai. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, foram 74 mortes no lado brasileiro e 86 no lado paraguaio.
Prisão de líder abriu vácuo na chefia do tráfico
Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o Minotauro, foi preso em fevereiro de 2019. A prisão foi resultado de seis meses de investigação da PF. Ele foi capturado em Santa Catarina, onde o controle do tráfico de drogas vindas do Paraguai foi do grupo de Pavão.
A ausência do traficante abriu espaço para nova disputa pela liderança na fronteira.
Mas, afinal, como o PCC chegou ao Paraguai?
A atuação do PCC na região de fronteira tem um objetivo: controlar o tráfico de drogas por lá. A hegemonia se consolidou a partir de 2017, mas teve início em meados de 2007, quando o PCC mandou o emissário Vagner Roberto Raposo Olzon, o Fusca, para o Paraguai e a Bolívia.
A fronteira seca entre as cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero é dividida por uma avenida. Pela facilidade na fronteira, o PCC vê o local como um território importante para trazer a maconha que é produzida no Paraguai e a cocaína produzida vinda da Bolívia, do Peru e da Colômbia.
Por isso, Pedro Juan Caballero é utilizada como um local de passagem para o tráfico internacional de drogas e de armas. Uma vez no território nacional, a droga é enviada aos principais portos do país e, de lá, exportada para Europa, África e Ásia dentro de navios, o que é tido como a principal forma de ganhar dinheiro da facção.
Em Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul, a fronteira com o Paraguai tem as polícias Militar, Civil, Federal e a Guarda Municipal de Fronteira atuando na segurança. Já em Pedro Juan Caballero, a cidade paraguaia que faz fronteira com o Brasil, a segurança é feita pela Polícia Nacional, Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) e divisão de investigações da polícia.
*Com reportagens publicadas em 07/02/2019, 13/02/2020 e 05/07/2022