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Jornalista brasileiro que investigava tráfico é assassinado no Paraguai

Jornalista Léo Veras, morto no Paraguai - Reprodução/Facebook
Jornalista Léo Veras, morto no Paraguai Imagem: Reprodução/Facebook

Carlos Madeiro e Luís Adorno

Colaboração para o UOL, em Maceió, e do UOL, em São Paulo

13/02/2020 10h56Atualizada em 13/02/2020 16h05

Resumo da notícia

  • Léo Veras investigava crime organizado na fronteira entre Brasil e Paraguai
  • Jornalista foi morto dentro de casa, com 12 tiros disparados à queima roupa
  • Polícia paraguaia suspeita que mandante seja o principal traficante da região
  • Jornalista vinha relatando que recebia ameaças de morte

O jornalista brasileiro Lourenço Veras, 52, conhecido como Léo Veras, foi assassinado a tiros na noite de ontem na casa onde morava na cidade de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, que faz fronteira do país com o Brasil. Segundo a polícia local, a residência foi invadida por dois homens armados, que dispararam contra o profissional.

Veras era o dono e reportava investigações sobre segurança pública no site Porã News. Nos últimos tempos, investigava o tráfico na fronteira entre Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul. Na terça-feira, em sua última matéria, ele noticiou a ação da polícia paraguaia, que destruiu um acampamento e apreendeu drogas na região.

Segundo a Polícia Nacional do Paraguai, Léo Veras estava em sua casa, jantando com a mulher, quando foi vítima de um ataque. De acordo com a corporação, dois homens encapuzados chegaram à casa dele em um Jeep Cherokee branco, entraram no local, que estava com o portão aberto, e direcionaram as armas contra ele. O UOL tentou contato com a companheira, mas ainda não obteve resposta.

O ataque aconteceu por volta de 20h, segundo a polícia. O jornalista ainda tentou correr pelo quintal da casa, mas foi atingido por 12 disparos de pistola 9 milímetros. Ele chegou a ser socorrido e levado a um hospital particular da região, mas não resistiu aos ferimentos.

Jornalista é morto dentro de casa no Paraguai

Band Notí­cias

Primeiras suspeitas

A suspeita da Polícia Nacional do Paraguai é de que ele tenha sido vítima de um ataque promovido por narcotraficantes locais, que negociam diretamente o tráfico de drogas e de armas com facções brasileiras, principalmente com o PCC (Primeiro Comando da Capital).

Policiais paraguaios informaram que o ataque pode ter como autor intelectual o narcotraficante Edson Barbosa Salinas, conhecido como Ryguasú, preso em Ponta Porã em 18 de janeiro. Ele era acusado de ter assumido o comando do tráfico no local depois de Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o Minotauro, ter sido preso, em fevereiro do ano passado.

Ryguasú era apontado como o braço direito de Minotauro. Investigações das polícias brasileira e paraguaia apontam que ele tem envolvimento nos assassinatos de um traficante e de uma advogada da região da fronteira, além de ser dono de uma casa em Pedro Juan Caballero onde 15 chefes do PCC foram presos em fevereiro do ano passado.

Parte desses homens presos estava entre os 75 fugitivos do presídio regional na cidade paraguaia. A fuga ocorreu na madrugada de 19 de janeiro deste ano. Segundo a Polícia Nacional do Paraguai, a fuga foi estimada em ao menos R$ 6 milhões, sendo que parte dos criminosos saíram pela porta da frente do presídio, após terem ameaçado e pagado propina a agentes.

Ignacio Rodriguez Villalba, chefe da Polícia Nacional, afirmou que a morte está vinculada a publicações feitas pelo jornalista sobre o crime organizado fronteira. Ele afirmou que a corporação está empenhada para encontrar os assassinos e seus mandantes.

Jornalista relatava ameaças

Além de ser dono de um site de notícias local, Léo Veras colaborava com meios de comunicação brasileiros e paraguaios. Era considerado um dos principais jornalistas de segurança pública na região desde que começou a trabalhar na fronteira, há 15 anos. Pelo trabalho, o jornalista relatava constantemente ameaças sofridas por criminosos.

Recentemente, ele afirmou à TV Record que vinha sofrendo ameaças. "Enviam mensagem de texto, falando que estavam a caminho de ir embora, alguém ia sofrer ataque e que era para fechar a boca", afirmou. Ao UOL, o profissional também relatou, dias antes de morrer, que ele e sua família viviam com receio de serem atacados a qualquer momento.

Em outra entrevista, em 2017, ao programa Tim Lopes, do jornalista Bob Fernandes, Léo Veras falou sobre o assassinato de outro jornalista da fronteira, Paulo Rocaro, e 2012. "Peço que não seja tão violenta a minha morte, que não seja com tantos disparos de fuzil", disse à época.

"Se um pistoleiro quer te matar, ele vem na sua porta e quando você abrir, ele vai te dar um disparo. Espero que seja só um disparo, para não estragar tanto", complementou, sorrindo, na entrevista de 2017.

Em nota, o Sindicato de Jornalistas do Paraguai mostrou "indignação e dor" pelo assassinato. "A dor e a raiva nos invadem novamente diante do décimo nono colega assassinado no nosso país. Vemos que mais uma vez os grupos criminosos tentam apagar a voz dos jornalistas através das balas e da violência, perante a cumplicidade de um estado totalmente inficionado pela máfia e pela narcopolítica", informou.

Segundo o sindicato, hoje os profissionais atuam "sem mínimas garantias de segurança." A entidade ainda cobrou das autoridades paraguaias ações de imediato que "garantam a vida e a segurança dos colegas da área, além de conseguir esclarecer este terrível crime e julgar devidamente os culpados, evitando que novamente a impunidade se instale."

Placa em Ponta Porã (MS) que informa divisa entre Brasil e Paraguai - 27.jan.2020 - Marina Garcia/UOL - 27.jan.2020 - Marina Garcia/UOL
Placa em Ponta Porã (MS) que informa divisa entre Brasil e Paraguai
Imagem: 27.jan.2020 - Marina Garcia/UOL

Região dominada pelo PCC

A fronteira seca entre as cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero é dividida por uma avenida. O motorista trafega no sentido norte pelo Brasil, no sentido sul, pelo Paraguai. Não há nenhum tipo de fiscalização no local. Durante cinco dias, o UOL cruzou a divisa, algumas vezes dentro do mesmo dia, e não foi parada por ninguém.

Pela facilidade na fronteira, o PCC vê o local como um território importante para trazer a maconha que é produzida no Paraguai e a cocaína produzida vinda da Bolívia, do Peru e da Colômbia. Para não haver problemas no tráfego, no entanto, a facção paulista paga propina.

Por isso, Pedro Juan Caballero é utilizada como um local de passagem para o tráfico internacional de drogas e de armas. Uma vez no território nacional, a droga é enviada aos principais portos do país e, de lá, exportada para Europa, África e Ásia dentro de navios, o que é tido como a principal forma de ganhar dinheiro da facção.

Em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, a fronteira com o Paraguai tem as polícias Militar, Civil, Federal e a Guarda Municipal de Fronteira atuando na segurança. Os principais crimes registrados na cidade este ano foram violência contra mulher e perturbação de silêncio.

Já em Pedro Juan Caballero, a cidade paraguaia que faz divisa com o Brasil, a segurança é feita pela Polícia Nacional, Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) e divisão de investigações da polícia. Na cidade, no ano passado, houve 150 homicídios ligados ao crime organizado.

Ouça também o podcast Ficha Criminal, com as histórias dos criminosos que marcaram época no Brasil. Este e outros podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts, no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e outras plataformas de áudio.