'Entrega agora': mulheres presas relatam como perderam guarda de filhos

Mães privadas de liberdade batalham na Justiça para não perderem a guarda dos filhos para familiares que não mantêm contato com elas ou para casas de acolhimento e processos de adoção.

Uma pesquisa da Defensoria Pública de São Paulo — obtida pelo UOL com exclusividade — mostra que 22% dos casos de mulheres atendidas pelo órgão terminam em afastamento das crianças, apesar do direito à prisão domiciliar ter sido assegurado por um habeas corpus coletivo.

O que diz a pesquisa

234 mulheres presas ficaram sem a guarda de seus filhos no estado de São Paulo. A Defensoria Pública de SP ouviu 1.072 mulheres no estado de São Paulo entre julho de 2022 e agosto de 2023.

Número deve ser maior, porque o estudo desconsiderou casos com advogados particulares. Com isso, é possível afirmar que os casos em que mães são afastadas dos filhos são ainda maiores do que aponta a pesquisa.

Seis em cada dez casos analisados envolvem a suposta prática de crimes sem violência ou grave ameaça.

Já na etapa do cumprimento da pena, 47% dos casos se relacionam à condenação com base na Lei de Drogas de 2006. Elas são atendidas pelo programa Convive, criado para dar assistência a presas gestantes, mães ou responsáveis por crianças, adolescentes e pessoas com deficiência.

As condições de vida das mulheres que cuidam dos filhos enquanto cumprem prisão domiciliar precisam ser aprimoradas. "É preciso criar possibilidades de trabalho, acesso à saúde e assistência social de forma articulada. Essas mulheres não têm uma rede de apoio quando deixam a prisão", afirma Viviane Balbuglio, advogada e pesquisadora doutoranda da Escola de Direito da FGV.

O STF decidiu, em fevereiro de 2018, que gestantes, puérperas e mães de crianças até 12 anos em prisão preventiva, que não tenham cometido crimes violentos ou de grave ameaça, aguardem o julgamento em prisão domiciliar.

Algemada durante o parto

"Me disseram 'entrega agora'. Foi o pior dia da minha vida." Seis meses após dar à luz, presa teve de entregar o filho à família paterna. Karina Dias, 44, foi detida por tráfico internacional de drogas quando estava grávida de sete meses, em 2010.

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Autônoma, Karina perdeu a guarda de quatro de seus seis filhos. Hoje, um deles vive em situação de rua. "Minha vida era horrível. Não tenho família, não tenho ninguém. Hoje moro com meus dois filhos. Antes morava numa garagem, mas fui despejada", afirma.

Karina afirma que aceitou viajar com drogas na bagagem porque precisava do dinheiro. "Fiz a viagem porque estava passando necessidade. Queria ganhar dinheiro para comprar uma casa." Presa no aeroporto internacional de São Paulo, ela foi levada a uma penitenciária do estado.

Um dos piores momentos na prisão foi ter sido levada algemada para o hospital em que ocorreria o parto. "Não me deixavam ir ao banheiro, não me deixavam molhar a boca na água. Foi uma tortura. Só tiraram a algema quando a médica disse que, se eu continuasse algemada, não teria como fazer o parto."

Fiquei no corredor aguardando ajeitarem o quarto de isolamento. Todo mundo que passava me via algemada. Eu jogava a toalha por cima para cobrir. Era humilhante.
Karina Dias, 44, mãe egressa do sistema prisional

Durante o período de amamentação, ela foi chamada por um oficial de Justiça que informou que ela havia sido destituída do poder familiar. Segundo ela, funcionárias que cuidam do processo não oferecem apoio psicológico no momento em que precisam entregar as crianças.

Não sabia o que significava destituição, depois entendi que significava destruição.
Karina Dias

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O filho de Karina foi entregue aos avós paternos. "Não tive opção", diz ela. Desde 2010, ela o visitou uma única vez. "Como eu estava sem casa, tive que me estruturar primeiro."

"Tinha medo de dormir e perder minha filha"

Nascida no Paraguai, Mariana*, 44, foi presa em março de 2017, em Presidente Prudente (SP), enquanto estava no final da gestação. Um mês depois, teve uma menina em um hospital de São Paulo para o qual foi transferida para o momento do parto. "Nem olharam na minha cara, só interessa o uniforme que você está vestindo", lembra.

Na prisão, ela obteve na Justiça o direito de cumprir domiciliar por meio do habeas corpus coletivo de fevereiro de 2018. "Tudo muda. Se tirassem ela de mim, eu me matava", afirma. Apesar disso, ela conta que viu muitas mulheres na prisão entregarem os filhos contra a vontade.

Mariana* deixou a prisão quando a filha completou um ano e dois meses. Com advogado e apoio jurídico do ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania), obteve a decisão favorável e passou a viver em um centro de acolhimento para mulheres de São Paulo.

A maioria das brasileiras tinha os bebês arrancados dos braços. A gente lá dentro tinha que dar apoio para as mães que perderam os filhos. Mesmo que fossem para familiares, como elas vão recuperar depois se saem da prisão sem nada?
Mariana*, mãe em cumprimento de prisão domiciliar

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"A prisão domiciliar é importante porque ajuda as mulheres a manter os vínculos com as crianças, mas impõe dificuldades porque quando elas saem da prisão precisam ter condições de exercer a maternidade", afirma a advogada Viviane Balbuglio.

A garantia à prisão domiciliar faz Mariana* poder levar a filha ao médico, sem usar tornozeleira eletrônica, e ter acessos a tratamentos mais rapidamente. "Quando ela perdeu o dente de leite na prisão foi uma burocracia para conseguir atendimento. A criança passa pela dor junto com você."

Direito à prisão domiciliar

A ausência materna pode impactar o desenvolvimento de uma criança. Segundo a defensora pública Renata Moura Gonçalves, assessora da 1ª Subdefensoria Pública Geral, mães em cárcere e crianças devem ter o direito à convivência familiar assegurado.

"A pena atinge o direito à locomoção, e não o direito ao exercício da maternidade. Não é pelo fato de uma mulher ter cometido um crime que ela não pode ser uma boa mãe", diz a defensora.

Mulheres enfrentam mais dificuldades para ter garantida a prisão domiciliar em casos de reincidência ou quando são acusadas de cometer crimes com grave ameaças. Em casos em que a mulher é suspeita de cometer um crime contra o filho, ela não teria direito a exercer o poder familiar. "Mas isso é uma situação excepcional", afirma Renata.

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Quanto mais tempo uma mãe passa em cumprimento de pena em regime institucional, cresce a probabilidade de ter um rompimento definitivo dos vínculos. Temos de garantir a permanência desses laços.
Renata Moura Gonçalves, defensora pública

O julgamento moral de juízes da primeira instância também é um obstáculo para a garantia da prisão domiciliar. "Tem juízes que questionam as mulheres com juízo de valor e entendem que elas não têm condições de cuidar bem das crianças."

O acolhimento institucional é uma medida protetiva prevista em lei quando se entende que bebês e crianças estão em situação de risco ou negligência. "A suspensão do poder familiar pode ser revertida, já a destituição é mais drástica porque é definitiva", explica Renata.

A prática ocorre mais frequentemente com mulheres de outras nacionalidades, em situação de rua ou usuárias de drogas. Segundo Viviane, falta acompanhamento interdisciplinar entre poder judiciário e políticas públicas disponíveis para atender.

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