Ela resgatou morcego doente e colocou prédio sob vigilância: 'Morte certa'
Bastaram 45 minutos para a vida de Danielly Loureiro, de 28 anos, virar de cabeça para baixo. Na pausa para o almoço, ela saiu do trabalho e decidiu ir ao prédio onde morava, em Toledo (PR). Lá, foi surpreendida por um morcego caído na garagem, bem em cima de sua vaga.
A reação da jovem foi resgatar o animal e levá-lo à casa. Ela conta que nasceu no interior de Mato Grosso do Sul e se acostumou com animais silvestres, o que a fez contar sobre o resgate do visitante inusitado sem medo de julgamento.
Ninguém de seu grupo de amigos mais próximos estranhou a situação ou avisou sobre o perigo que ela corria.
"Hoje todo mundo faz piada, como se fosse uma coisa absurda, mas todo mundo me incentivou. Inclusive, uma menina recomendou que eu desse banana para ele, porque ela teve um morcego de estimação chamado Billy, quando morava em um sítio", disse Danielly, em conversa com o UOL.
A jovem só entendeu o perigo que sofria ao voltar ao trabalho. Lá, uma colega alertou que ela não deveria ter pegado o morcego com as mãos e muito menos trancado o animal em casa.
Mas já era tarde demais: a situação que começou como uma tentativa de resgate virou caso de vigilância sanitária e colocou todo o prédio da estudante em estado de alerta.
Vi em um site regional que uma criança em Cascavel tinha morrido de raiva depois do contato com um morcego. Aí a gente procurou na internet para quem deveria ligar e a Vigilância foi imediatamente para o prédio. Eles falaram: 'volta para casa'. Quando cheguei, já estavam lá, nem pude entrar no meu apartamento, só abri a porta.
Danielly Loureiro
A partir daí, a jovem foi vigiada pelos agentes de saúde, que quiseram garantir que ela fizesse toda a prevenção possível contra a doença.
"Para mim, aquilo não representava ameaça. A imagem que eu tinha da raiva era de uma coisa que eu poderia pegar só com cachorros. Quando o morcego apareceu na minha casa, achei que era um filhotinho e pensei: 'vou levar para casa, dar comida e eventualmente ele vai melhorar e vai embora'", explicou a jovem.
Danielly foi a uma UPA, onde tomou um soro e a primeira dose da vacina para prevenir a raiva. Ela passou a tarde inteira no posto, mas as horas de cuidados não foram suficientes para acabar com sua preocupação. Após um novo contato da Vigilância Sanitária, ela ficou sabendo que o morcego que resgatou estava doente.
"A agente me perguntou por que eu não tinha ido à UPA tomar a segunda dose e estava bem incisiva, desesperada mesmo. Expliquei que tinha ido a um posto mais próximo da minha casa e ela falou: 'tá, mas eu tenho que te falar: o morcego que pegaram na sua casa realmente tinha raiva'."
A essa altura já sabia mais sobre a doença. Comecei a pesquisar, soube que causava uma morte terrível e fiquei mais em pânico ainda.
Danielly ficou sob observação por algumas semanas e todos os seus vizinhos também foram avisados e monitorados.
Ela conta que, por sorte, tudo aconteceu durante as férias escolares, quando muitos dos moradores, que se mudaram para Toledo para fazer faculdade, voltaram para suas cidades.
"Colocaram cartazes informativos sobre a raiva e entraram em contato com as pessoas, mas ninguém tinha nem visto o morcego além de mim", conta.
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Quero receberO caso aconteceu em 2017, mas ganhou atenção apenas nas últimas semanas, quando Danielly decidiu recontar sua história no TikTok. O vídeo ganhou mais de 1 milhão de visualizações em menos um mês.
"Hoje, conto de uma forma engraçada porque já passou muito tempo, mas as primeiras semanas foram muito difíceis. Lembro que não conseguia pensar em outra coisa", afirma. O tempo passou e ela não manifestou sintomas da doença.
Raiva e morcegos
A raiva é transmitida ao homem pela saliva de animais infectados, principalmente por meio da mordida. Também pode ser transmitida pela arranhadura ou lambedura desses animais. Animais como cães, gatos, raposas e morcegos infectados podem transmitir.
Os sintomas em humanos e em animais podem surgir de semanas a meses depois da transmissão —sem uma regra, explica Ricardo Augusto Dias, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP. "Mas, após o aparecimento dos sintomas, a evolução para a morte é certa." A doença tem letalidade de aproximadamente 100%. O UOL contou aqui a história do primeiro sobrevivente de raiva humana do Brasil.
Encontrar um morcego caído, como aconteceu com Danielly, já é um sinal de alerta. Isso porque eles costumam se esconder em abrigos durante o dia e sair à noite para se alimentar, segundo Ricardo Augusto Dias.
Não é normal encontrar morcegos no chão, principalmente durante o dia. Isso é sim um indicativo de que estão doentes, mesmo que não seja raiva. É imperativo não se aproximar e muito menos tocar um morcego nessas condições.
Ricardo Augusto Dias
Recomendação é colocar uma caixa sobre o animal para impedir que ele se movimente, segundo Dias, principalmente se ele estiver agitado ou se houver crianças e animais domésticos em lugares próximos.
É preciso entrar em contato com órgãos de saúde. "Depois disso, é recomendável acionar uma autoridade de saúde que, dependendo da localidade, pode ser a guarda civil metropolitana ambiental, centro de controle de zoonoses ou corpo de bombeiros. Estes profissionais são treinados e vacinados contra a raiva e saberão como proceder." Entre os tratamentos para tentar evitar a doença, estão a administração do soro e de doses de vacina.
Para haver a transmissão, é necessário que o animal tenha o vírus na saliva. Dias destaca a importância da vacinação de animais domésticos e o perigo das variantes da raiva, já que uma delas não produz sintomas típicos em cães e gatos.
Os animais tendem a ficar prostrados e, muitas vezes, os sinais clínicos se confundem com os de outras doenças. Isso pode indicar uma circulação subnotificada da raiva em cães e gatos e do risco de transmissão de animais domésticos para humanos, muito mais significativo do que o risco da transmissão direta de animais silvestres para humanos
Ricardo Augusto Dias
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