Fogo na casa dos avós: o que acontece com crianças em situação de risco

Na última semana, uma menina de 11 anos ateou fogo em um sofá, trancou os avós dentro de um quarto e saiu para andar de patins depois de ser proibida de usar o celular. O caso aconteceu em Patos de Minas (MG).

Por ter menos de 12 anos, ela não foi levada para a delegacia e está sob os cuidados da mãe. A polícia acionou o Conselho Tutelar da cidade para acompanhar o caso.

O que diz o ECA

Uma criança que comete um ato análogo a uma infração não deve passar por medidas socioeducativas. O correto, de acordo com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), é que ela e sua família sejam submetidas a medidas de proteção.

Isso acontece porque, para a Justiça, atos infracionais só são cometidos por pessoas com 12 anos completos. Antes disso, entende-se que crianças que chegam ao ponto de praticar atos equiparados a crimes estão em risco.

As crianças não estão sujeitas a medidas socioeducativas devido ao fato de estarem em fase de formação, sem plena capacidade de compreender que as suas ações estão em desacordo com a lei. Nayara Santos, da Comissão de Direitos das Crianças e Adolescentes da OAB-SP.

Independentemente do ato cometido, a criança deve ser encaminhada ao Conselho Tutelar - e não à presença de autoridade policial, para abertura de procedimentos criminais ou boletim de ocorrências.

"Isso não significa que não vai acontecer nada, muito pelo contrário. O que acontece é que a forma que o ECA prevê faz com que a criança esteja protegida, primeiro de tudo. E compreenda as consequências do ato que praticou e não volte a praticar atos similares", completa o juiz Iberê de Castro Dias, da Corregedoria Geral da Justiça.

Medidas de proteção

Essas medidas de proteção, que são previstas pelo ECA, mas não são especificadas, podem incluir amparo psicológico, psiquiátrico, médico, entre outros, para a criança e para a família dela.

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"O ECA não define um procedimento específico para investigar os atos de crianças, e é evidente que essa responsabilidade recai ao Conselho Tutelar, que precisa oferecer o apoio e aplicar as medidas considerando as mais adequadas", pondera Nayara.

Entre os equipamentos municipais que podem ofertar algum tipo de amparo para esses núcleos familiares estão o Cras e o Creas, por exemplo, que atuam com assistência social.

"Se uma criança prática um ato que, se ela fosse adulta, seria criminoso, o que se verifica é que aquele ambiente familiar [que ela está inserida] está completamente degradado. Não é natural, não é intuitivo, que uma criança pratique um ato como esse/ [São] atos que demonstram que ela está em situação de vulnerabilidade", complementa Iberê Dias.

Fiscalização é dever de todos

Além de aplicar intervenções e fazer os devidos encaminhamentos, o Conselho Tutelar é o órgão que acompanha o ambiente familiar e fiscaliza a situação. Eventualmente, esse acompanhamento também pode ser feito pelo Ministério Público judicialmente.

No entanto, a Constituição afirma que é dever de todos "velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor" - isso inclui poder público, família e a própria comunidade.

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A gente tem essa visão de criança como propriedade de mãe e pai, que é completamente equivocada. Quem tem que providenciar cuidados para criança é quem está no entorno dela: a escola, as pessoas que convivem no bairro, as pessoas que convivem no prédio. Não é só obrigação de mãe e pai. Esse dever está previsto em lei.
Iberê de Castro Dias

No que diz respeito ao poder público, todas as secretarias estaduais e municipais que tenham alguma relação ao desenvolvimento psicológico e emocional da criança fazem parte da rede de apoio. É o caso das pastas de educação, saúde, assistência social, habitação, esporte e cultura, entre outras.

Segundo Iberê Castro, essa preocupação com as crianças vai além de minimizar os riscos de ela se tornar um adolescente em conflito com a lei ou um criminoso adulto no futuro.

"Essa preocupação é legítima, mas a preocupação primeira é como é que a gente vai fazer a criança ser cidadã e ter seus direitos observados. [Não se tornar um criminoso adulto] tem que ser um efeito colateral positivo", finaliza ele.

Crianças não são retiradas da família

A criança só é retirada do ambiente familiar em situações extremas, em que seja evidenciado de que ela está em situação de risco. Nestes casos, a criança poderia ser acolhida por um tempo, enquanto medidas são aplicadas a família para que ela possa ser recebida de volta no menor tempo possível.

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Ser retirada em definitivo é uma situação excepcional já dentro de outra situação excepcional, afirmam os especialistas.

O serviço de acolhimento acontece em caráter extraordinário, quando não há alternativas para garantir o bem-estar, a segurança e o atendimento necessário a essa criança. Pode vir a acontecer, mas precisa ser analisado com muito cuidado. O acolhimento institucional é o último recurso. O ideal é que essa família seja trabalhada em conjunto.
Nayara Santos

E os adolescentes?

Entre os 12 e 18 anos, o indivíduo pode ser identificado como adolescente. Nesta faixa etária, ele já pode ser submetido às chamadas medidas socioeducativas. No caso do estado de São Paulo, a autarquia Fundação Casa é a responsável por essas sanções. A partir dos 18 anos, a pessoa é considerada adulta e responde aos crimes de acordo com o Código Penal.

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