RJ: Contrabando de cigarro rende R$ 1,2 milhão por dia a milícias e facções

Cigarros contrabandeados principalmente do Paraguai representam uma arrecadação de R$ 1,2 milhão por dia no Rio de Janeiro, indica levantamento do Fórum Nacional contra Pirataria e Ilegalidades. Fontes ouvidas pelo UOL indicam que grande parte da venda ilegal é explorada pelas milícias e facções criminosas cariocas.

A disputa interna nos grupos paramilitares, que se agravou com a aliança com o Comando Vermelho no começo deste ano, teve seu ápice após o incêndio de ao menos 35 ônibus na zona oeste da cidade após a morte de um dos líderes milicianos numa operação policial na segunda-feira (23).

Diversificação de atividades criminosas

A apuração do UOL indica que a maior milícia do Rio obriga comerciantes da zona oeste da cidade a comprar cigarros contrabandeados do Paraguai há ao menos cinco anos, em um tipo de crime também explorado por facções criminosas. "Os grupos que lucram com a venda ilícita de cigarros prosperam com uso de violência extrema e imposição do medo na população", diz Edson Vismona, presidente do Fórum.

Daniel Hirata, que coordena o Geni (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos) da UFF, diz que o contrabando de cigarros faz parte da expansão das atividades criminosas da milícia. "A atuação de grupos armados nesse setor é um esquema novo e preocupante", diz o pesquisador, especialista em estudos envolvendo a atuação de grupos paramilitares no Rio.

Hirata diz ainda que a venda ilegal de cigarros se soma a outras atividades da milícia no estado, como a extorsão de comerciantes e transporte alternativo. "A milícia engloba ainda construção imobiliária, venda de água e de gás de cozinha e fornecimento de sinal de internet. O coração do modelo de negócio das milícias é a produção da própria cidade em uma área de expansão urbana."

A milícia tradicionalmente se caracterizou pela diversificação dos ramos de atuação econômica. É uma economia que funciona de forma oculta, para não deixar vestígios.
Daniel Hirata, pesquisador da UFF

A desembargadora Ivana David, do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), diz que os grupos paramilitares passaram a obrigar comerciantes a comprar cigarros contrabandeados para ampliar os lucros. "No seu território de domínio, a milícia ainda vigia os comerciantes para que não comprem cigarros de outros fornecedores", diz Ivana David, que estuda a atuação do crime organizado.

A desembargadora diz que a venda ilegal de cigarros também tem ajudado os grupos paramilitares a aumentar o seu leque de atuação. "Isso tem aumentado o lucro e ainda alimentado outras atividades de milicianos", explica.

Grande parte dos cigarros apreendidos em operações da Polícia Civil no Rio é da marca paraguaia Gift, onde é produzido legalmente. A venda da marca é proibida no Brasil.

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O cigarro é contrabandeado em cargas trazidas em caminhões do país vizinho. Investigação da Polícia Civil já apontou que haver também um esquema de falsificação do cigarro paraguaio em fábricas em Minas Gerais e no Nordeste do país.

Além de milicianos, agentes do Estado, como policiais envolvidos em atividades criminosas, têm sido alvo de operações contra o contrabando de cigarros. Os acusados de venda ilegal de mercadorias podem responder por crimes como organização criminosa, lavagem de dinheiro e receptação.

Questionada sobre apreensões de cigarros contrabandeados no Rio, a Polícia Civil não se manifestou até a publicação deste texto.

Criminosos armados do Comando Vermelho deixam sigla da facção criminosa em área ocupada pelo grupo na Gardênia Azul, zona oeste do Rio de Janeiro tradicionalmente ocupada pela milícia
Criminosos armados do Comando Vermelho deixam sigla da facção criminosa em área ocupada pelo grupo na Gardênia Azul, zona oeste do Rio de Janeiro tradicionalmente ocupada pela milícia Imagem: Polícia Civil do Rio de Janeiro

O que se sabe sobre a crise no Rio

Quarenta e cinco unidades escolares e mais de 17 mil alunos foram afetados pela ação na cidade. A quantidade de ônibus queimados foi a maior em um só dia, segundo a RioÔnibus, sindicato das empresas de ônibus do Rio.

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Milicianos ofereceram R$ 500 para cada ônibus incendiado na última segunda após a morte de Matheus da Silva Rezende, o Faustão, o número dois da maior milícia do estado. A orientação dada pela milícia era que a ação fosse filmada para que os responsáveis pudessem receber o pagamento, segundo investigações da Polícia Civil.

O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), disse que enviou ao Legislativo um pacote de medidas para endurecer punições contra o tráfico e a milícia. "Não é uma pauta simplesmente do Rio de Janeiro, é uma pauta do Brasil. Essas organizações já não são mais locais, são verdadeiras máfias que estão em vários estados diferentes", disse.

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